Conclusão de “Para acabar com o juízo de Deus” de Antonin Artaud

zhiOmn Ormando
Ormando zhiOmn
Published in
3 min readOct 19, 2017

“E para que serviu essa emissão radiofônica, Sr. Artaud?

Em primeiro lugar para denunciar um certo número de sujeiras sociais oficialmente sacramentadas e aceitas:

1º essa emissão do esperma infantil doado por crianças para a fecundação artificial de fetos ainda por nascer e que virão ao mundo dentro de um ou mais séculos.

2° para denunciar este mesmo povo americano que ocupou completamente todo o continente dos índios e que faz renascer o imperialismo guerreiro da antiga América, o qual fez com que o povo indígena anterior a Colombo fosse execrado por toda a humanidade precedente.

3° Sr. Artaud, que coisas estranhas o Sr. está dizendo!

4° Sim, estou dizendo coisas estranhas, pois contrariamente ao que todos foram levados a crer, os povos anteriores a Colombo eram estranhamente civilizados e isso pelo fato de conhecerem uma forma de civilização baseada exclusivamente no princípio da crueldade.

5° E o que, exatamente, vem a ser isso de crueldade?

6° Isso eu não sei responder.

7° Crueldade significa extirpar pelo sangue e através do sangue a deus, o acidente bestial da anormalidade humana inconsciente, onde quer que se encontre.

8° O homem, quando não é reprimido, é um animal erótico, há nele um frêmito inspirado, uma espécie de pulsação que produz inumeráveis animais os quais são formas que os antigos povos terrestres universalmente atribuíam a Deus.

Daí surgiu o que chamaram de espírito.

Ora, esse espírito originário dos índios americanos reaparece hoje em dia sob aspectos científicos que meramente acentuam seu mórbido poder infeccioso, seu grave estado de vício, um vício no qual pululam doenças

pois, riam-se à vontade, isso que chamam de micróbios é Deus,

e sabe o que os americanos e os russos usam para fazer seus átomos?

Usam os micróbios de Deus.

O Sr. está louco, Sr. Artaud.

Está delirando.

Não estou delirando.

Não estou louco.

Afirmo que reinventaram os micróbios para impor uma nova idéia de Deus.

Descobriram um novo meio de fazer Deus aparecer em toda sua nocividade microbiana:

Inoculando-o no coração
onde é mais querido pelos homens sob a forma de uma sexualidade doentia nessa aparência sinistra de crueldade mórbida que ostenta sempre que se compraz em tetanizar e enlouquecer a humanidade como agora.

Ele usa o espírito de pureza de uma consciência que continuou cândida como a minha para asfixiá-la com todas as falsas aparências que espalha universalmente pelos espaços e é por isso que Artaud, o Momo, pode ser confundido com alguém que sofre de alucinações.

O que o Sr. Artaud quer dizer com isso?

Quero dizer que descobri a maneira de acabar com esse macaco de uma vez por todas
e já que ninguém acredita mais em deus, todos acreditam cada vez mais no homem.

Assim, agora e preciso emascular o homem.

Como?

Como assim?

Sob qualquer ângulo o Sr. não passa de um maluco, um doido varrido.

Colocando-o de novo, pela última vez, na mesa de autópsia para refazer sua anatomia.

O homem é enfermo porque é mal construído.

Temos que nos decidir a desnudá-lo para raspar esse animalúculo que o corrói mortalmente, Deus

e juntamente com Deus, os seus órgãos.

Se quiserem, podem meter-me numa camisa de força
mas não existe coisa mais inútil que um órgão.

Quando tiverem conseguido um corpo sem órgãos,
então o terão libertado dos seus automatismos
e devolvido sua verdadeira liberdade.

Então poderão ensiná-lo a dançar às avessas
como no delírio dos bailes populares
e esse avesso será
seu verdadeiro lugar.”

--

--