Foto: Gustavo Anceski | Arte: Rudinei Picinini

Ainda é relevante ser parte de um selo em 2021?

Rudinei Picinini
Albergue

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Esses dias me peguei pensando no fato de que já faz seis anos que estamos, mesmo que de maneira esporádica, fazendo ações coletivas, através do selo e das bandas das quais somos integrantes. Em 2015, o desejo de ter um selo nasceu em uma época em que ficava evidente que era preciso se organizar em conjunto para que algo fizesse sentido.

Antes do selo, eu escrevia para um blog, junto com o Alex, chamado Albergue Underground. Esta inciativa durou um período e teve um alcance bem interessante. Até o momento que, no entanto, por conta de usar a plataforma Blogspot, eu perdia mais tempo tentando postar o conteúdo do que escrevendo. Os bugs e as dificuldades me fizeram desistir da inciativa. O nome Albergue, utilizado neste canal da Alforge, é uma referência a iniciativa da época.

Já o Alforge Records, nasceu ainda em 2015, com outro nome, na época, Mito Records. Naquele tempo, queríamos desenvolver algo que fosse um laboratório de experimentação para promoção de música underground. Através dele, buscamos entender como iríamos nos relacionar com a imprensa independente e promover eventos na nossa cidade, dentro do nicho das bandas das quais acreditávamos.

O selo começou comigo e com o Severo, que já não faz mais parte, mas que contribuiu muito para todas as ações importantes que realizamos até hoje. Posteriormente, teve a entrada do Gustavo, uma pessoa central também na organização e, principalmente, no registro fotográfico de tudo que nós realizamos. Nós nos espelhávamos em selos como Hearts Bleed Blue, Lajä Records, nossos conterrâneos da Honey Bomb Records, entre outros.

Na época, nosso primeiro lançamento foi uma banda de ska punk chamada Don Alcatre, com um EP homônimo lançada exclusivamente pelo Tenho Mais Discos Que Amigos. Logo em seguida veio uma banda de surf rock chamada Cosmic Ship, o disco solo de britpop do produtor Leo Scherer e a banda de rock alternativo Grandfúria. Tudo isso em um espaço de um ou dois anos. Alguns lançamentos mais bem-sucedidos do que outros em relação a repercussão em blogs, mas todos com algum aprendizado. Até o primeiro EP homônimo da Fiz do Dia Minha Nostalgia saiu assinado pelo selo.

Houve também a realização de eventos memoráveis, que nos deixam bastante orgulhosos. Quando ainda éramos Mito Records, Severo e Gustavo articularam a vinda das bandas paulistas Raça e Ombu para dois shows, um em Porto Alegre e outro em Caxias do Sul, em 2016.

Raça tocando na Casa Paralela| Foto de Tuany Areze.

Em 2017, realizamos o primeiro Mito Fest, com a Borduna, Cxs/Poa, Descartes e Deu Ruim. O evento contou com mais de 100 pessoas em um espaço extinto chamado Attilo’s 86 Snooker Bar. Até hoje comentamos sobre a energia daquele fest, um evento de bandas locais que mobilizou mais gente que imaginávamos.

Cartaz do evento feito por do evento por Leonardo Oliveira / odranoxil.

Em 2019, depois do nome “mito” ser utilizado para se referir a um ser deplorável, decidimos mudar de nome. Nascia ali o Alforge Records, onde ganhávamos o esforço ativo de outras pessoas espetaculares, como a Milena, o Cléber, o Bruno, o Pesk, o Mateus, o Fabiano, o Alex, e também o Gio e a Fran, que não fazem mais parte do coletivo, mas que desenvolveram a identidade atual do selo. Hoje os dois tocam um estúdio de design chamado Rasgo.

Nossa primeira ação em conjunto, foi em 2019, onde fizemos o lançamento do EP homônimo de uma banda que era formada só por integrantes do selo, pela primeira vez. A Borduna, que é formado por mim, pelo Severo, pelo Cléber e pelo Fabiano, teve todo suporte possível no desenvolvimento da identidade do disco, do desenvolvimento do roteiro a gravação do clipe de “Maré Vermelha”, além é claro, da assessoria de imprensa. Pela primeira vez, fizemos um lançamento com o ciclo completo: single, videoclipe, EP, assessoria de imprensa e minitour por cidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Videoclipe de “Maré Vermelha”, primeiro single da Borduna.

Ainda em 2019, no lançamento do primeiro EP da Borduna e de um single da banda TeTo, promovemos o primeiro evento como Alforge Records, o “Alforge Sessions”, que também contou com a presença da Corpo Presente. O evento aconteceu em um lugar que nos faz muita falta, o 77 Rock Bar. No final do mesmo ano, fizemos uma segunda edição, onde trouxemos a banda curitibana No Reply, que tocou com a Zava e RIP naquele mesmo evento na Paralela.

Cartaz do Alforge Session II, criado pelo Gio e a Fran.

Após o início da pandemia, mesmo sem poder realizar eventos, o selo continuou com lançamentos. Entre eles um single da No Reply, um compacto da Cxs/Poa, o segundo EP e um compacto da Borduna, o primeiro EP da TeTo e singles da Marinas Found. Também auxiliamos no lançamento do primeiro EP da catarinense Budang.

O ponto alto desse período foi lançamento da Coletânea Alforge Records Nº 1, que contou com Marinas Found, Solana Star, Descartes, No Reply, Borduna, Zava, Cxs/Poa e TeTo. Sem dúvida, essa coletânea coroa com muito carinho o nosso trabalho realizado até aqui.

O que quero de fato mostrar com esse levantamento histórico, é que nada disso teria acontecido se o selo não existisse. Mesmo que o alcance tenha sido limitado, e o selo não tenha se profissionalizado como gostaríamos, nessas linhas, temos a prova de que ele foi ativo e realizador ao longo desses seis anos.

Você pode se perguntar se ainda é relevante ser parte de um selo em 2021. A penetração na imprensa independente já não é mais a mesma, pois parece que todo está falando das mesmas bandas, reforçando preceitos da centralidade da indústria cultural. Além disso, o retorno dos shows também ainda é incerto, o que deixa a atuação de um selo limitada.

Mesmo com as mãos atadas, há coisas que podem ser feitas. Timidamente, do modo como conseguimos, conciliando mil coisas que cada um tem, acredito que o caminho da comunicação de um selo, não seja mais dependência dos blogs independentes ou das redes sociais, e sim, a formatação de canais próprios, como este aqui que você está neste momento.

Acredito que a comunicação também deva acontecer no corpo a corpo, na conversa olho no olho, na retomada do contato pessoal. No manuseio da zine e no encantamento dos produtos gráficos. Acredito que tenhamos que pensar mais em cooperativismo nas nossas ações, do que na competitividade, que mesmo sem querer, nos impomos em relação a outros projetos. Já que como diz Maturana, competitividade é aquilo que o mercado criou para incitar outro tipo de guerra.

Além dessas reflexões, o que procurei aqui foi fazer um registro da memória do selo. Nós achamos que não devemos registrar o que fazemos, pois muitas vezes não valorizamos os movimentos que criamos. Isso é errado, a memória coletiva que é construída através do esforço de um selo ou de uma casa de show alternativa é uma das coisas mais valiosas que produzimos.

Isso inspira outras iniciativas e nos faz lembrar que existe vida além do que precisamos produzir para o capitalismo. Os selos e as bandas, para além da utopia que se possa considerar “sucesso”, são um exercício de sobrevivência, de reflexão e de resistência. Espero que essa década nos traga justiça social, o fim do fascismo neoliberal, cultura e ciência, mas também traga à tona outros coletivos de música realizadores, pois precisamos deles, mais do que isso, necessitamos.

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Rudinei Picinini
Albergue

Publicitário | Inbound Marketing na Dinâmica Conteúdo | Mestrando de Turismo e Hospitalidade UCS | Colaborador no selo Alforge Records e do Divisa Home Studio.