Libertadores: Modos de Ser
A minha impressão é que, pouco a pouco, cada dirigente que passa pelo Santos está retalhando a aura do Clube.
Porque assim como o jazz, o Santos deveria entrar em campo como um deus; sim: como um criador que deu origem ao futebol e os demais seriam os subgêneros de sua obra.
Mas a cada decisão, sentimos que o jogador santista corre como se alguém estivesse puxando os últimos fios de um tapete do qual um dia assentaram seus craques.
Pois bem. O jogo não foi dos mais formidáveis em termos de beleza, não houve uma comoção ontológica sobre o jogo.
Aliás, se citassem as inúmeras finais de Libertadores melhores do que foi apresentado no Maracanã, teríamos maiores referências do que Lusíadas.
Porém, reflito: o que é uma final sem uma disputa feroz, intrépida e lúcida do transcendental?
Eu digo “transcendental”, mas o ponto é o caráter físico de toda grande decisão. Afinal, como transcender sem estarmos emaranhados ao que é real?
Me atina ao que disse, certa vez, Armando Nogueira: toda final detona uma grande força que ultrapassa a tática, técnica e física. Porém, eu acrescentaria: essa força (leia-se transcendência) só potencializa a estrutura de cada jogador.
Talvez, alguns platônicos hão me julgar fisicalista; porém, o que digo é que o jogo foi o corpo sacramentado pelo espírito.
Os modos de ser das duas equipes foram nítidos. Vejamos: o Palmeiras sofria uma angústia colossal, digna de seu treinador: sempre em uma luta interna.
Abel, no entanto, em sua obediência à angústia (onde nunca se sabe de onde surgiu a ameaça) apostou no improvável e sorriu para Breno Lopes abraçar a história do Clube (toda história tem um março transcendente).
Do outro lado, o Santos tinha a liberdade de quem se superou; e, portanto, uma liberdade que beirou à exaustão.
Os jogadores entraram em campo já se lamentando, se lamuriando, gemendo as suas dores. Houve um medo real e concreto de não merecer seu destino.
E, de fato, o Santos parecia estar cansado de ter fé. Caminhou como peregrino e chegou à final com temor da sua fidúcia.
Ou, simplesmente, descobrira que a sua fé não era autêntica, mas tão tenro quanto ao medo do movimento da bola em campo.
Enquanto isso, viu o Palmeiras cingir a transcendência e viver plenamente a final.