É melhor que você entenda, ‘Balão’ é mais que um simples trap
No dia 25 de março, o rapper Orochi lançou seu novo single ‘Balão’, que faz parte do seu primeiro EP como artista solo, ‘Real Freestyle’. A música teve repercussão imediata, por aparentar ser uma ‘diss’, conceito da cultura do hip-hop que representa uma música em resposta a alguma pessoa.
Se formos seguir esta teoria, precisaríamos voltar mais precisamente para o dia 18 de março, data marcante para o sucesso do hit.
Hoje minha caneta virou minha AK-47
Uma semana antes de soltar ‘Balão’, Orochi foi preso, durante a madrugada, a caminho de um show em São Pedro da Aldeia. A polícia alegou, que além de ter encontrado maconha no carro, o rapper teria desacatado os oficiais da PM, sendo assim encaminhado para a delegacia da região.
A notícia chegou rapidamente aos veículos de grande mídia que informaram a prisão do cantor. Erroneamente, o jornal carioca ‘O Dia’ veiculou que um dos motivos da detenção teria sido a presença de uma arma no veículo do músico. A informação foi corrigida pelos editores, contudo, Orochi já tinha tido sua imagem comparada a de um traficante, manchando sua reputação.
Após ser liberado da delegacia, o cantor e seus representantes procuraram auxilio jurídico para processar os jornais, que segundo Orochi propagaram calúnias sobre sua vida pessoal. O ponto chave, responsável por toda a repercussão de ‘Balão’ foi justamente o final de sua explicação no Instagram:
“A minha melhor resposta vem em forma de música, aguardem, Orochi-Balão, nessa semana”
Aquele jovem negro vingou
Não, eu não quero cravar a faixa de Orochi como o melhor som do ano. Longe de mim, fazer isso. Ainda estamos em abril, seria algo tremendamente precoce para um cenário que pode mudar a qualquer momento. O que busco ao escrever esse artigo é muito mais do que dissecar a música e mostrar o que o rapper quis dizer em cada verso.
A letra da faixa é muito impactante, contudo, Orochi soube aproveitar do hype de sua prisão para bombar o lançamento. Ele lançou a música apenas uma semana após o ocorrido na Região dos Lagos. O rapper mostrou novamente saber como comercializar um som, desta vez, usando-o como uma resposta para a prisão.
Sabendo que eles querem o papel
Minha cara agora tá no jornal
Recebo a ligação do meu pai
Achando que tá tudo normal
A mídia não me deu um troféu
Quando eu fui campeão nacional
Agora quer me fazer de réu
Infelizmente eu sou imortal
Os versos acima, além da inserção da parte do jornal ‘Bom dia Rio’ informando a prisão do cantor, representam o ataque que Orochi prometeu dar para o sistema. Ele ataca a grande mídia ao apenas dar destaque para o rapper, ao informar sua prisão e não reverenciar sua trajetória como músico.
A volta por cima de Orochi rendeu mais de 6 milhões de visualizações no clipe da faixa (ao lado). A réplica do cantor conseguiu furar a bolha porque, além de ser um ótimo som de trap, o rap é um som militante, da causa negra e da realidade do cantor.
Escrever pro mano sair da boca
O primeiro trabalho solo de Orochi já movimentou bastante a cena do rap brasileiro. O rapper preferiu não lançar o seu EP completo, tratando cada faixa como um single em seu canal. A primeira música a ser lançada, ‘Juízo Final’, traz novamente um lado de vivência do cantor:
Querem liberar o fuzil, mas não meu natural (Legaliza!)
Confundiram microfone com uma paraFAL (Prrrrá)
Ficou por isso mermo
Todo mundo já sabe e finge que não tá vendo
O tempo passa e vagabundo tá morrendo mais e construindo menos
Rio é foda, deu mole ficou de exemplo
Em entrevista a rádio Mix Rio, Orochi explicou para os apresentadores, qual real significado dos versos acima:
“Tinham 5 amigos meus, participantes da roda de rima em Itaipuaçu. Eles estavam em uma área que rolava tráfico, não sei o que estavam fazendo lá, mas estavam fazendo freestyle.
Os policiais chegaram e mataram os moleques, sem saber quem era. Vários nomes do rap vieram de batalha, eles poderiam ser outros Orochi, Sid, FBC, Cesar.
Passou batido e não se fala sobre isso, é uma mancha que ninguém vai apagar, por isso é importante estar unido com o lado militante e o lado pop, não deixar de falar as verdades da realidade.”
O rapper novamente aborda uma questão da sua realidade, desta vez uma chacina ocorrida em Itaipuaçu no começo do ano passado. Hoje o cantor busca mesclar o rap militante e o de ostentação, criando músicas que abordam sua vivência e sempre buscando atingir um público que não está muito acostumado ao ouvir o gênero.
“Nós precisamos de nomes como Froid, Baco, BK, DK, Lord, Sant, Marecha. Esses caras são o lado militante do rap, rimando na causa negra, do racismo, o que nós sofremos”, disse Orochi ao ser questionado sobre a militância dentro do rap.
Vou caminhar pra sair da bolha
Hoje, Orochi é um nome que vai aos poucos se consagrando na cena do rap. Antigamente conhecido apenas por seu trabalho nas batalhas de rima em São Gonçalo, o músico pode se orgulhar de sua trajetória. Com seu grupo MODE$TIA, o antigo ModestiaParte, em um momento de pausa, o rapper vai aproveitando cada vez mais para fincar sua posição dentro do cenário.
Em outro verso de ‘Juízo Final’, o cantor reafirma que sua principal missão é furar a bolha, jogando o gênero em outra realidade, atingindo um público que não escuta o rap. Após o sucesso de participações em músicas como ‘Meu Mundo’ e ‘Poesia Acústica’, ele comentou sobre a pausa do grupo na mesma entrevista para a a rádio MIX:
“ O MODE$TIA não acabou, estamos preparando um conteúdo acústico, visando parar tudo, bater com o sertanejo, com o objetivo de furar a bolha novamente (…) Esse ano, rapaziada do rap pode se preparar, que o bagulho tá doido”
Se a missão é sair da bolha e atingir outros estilos musicais, Orochi possui muita bagagem para tal feito, agora nos restar esperar o restante do EP ‘Real Freestyle’.
Até lá, parafraseando o mesmo Orochi, ele continua igual balão, não para mais de subir.
