Na corrida pelo rap: Febem põe RUNNING na pista

O rapper paulista lança seu primeiro disco solo e se consolida na cena nacional

Emanuel Leite
Além das Linhas
4 min readAug 10, 2019

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Me aprofundei no cenário do rap por influência de Sulícidio. De 2016 para cá, conheci diversos trabalhos de artistas pelo país, do underground ao mainstream. Se no período pós-Sulicídio falava-se muito sobre o Ano Lírico, os rappers de hoje, dois anos depois, superaram esse estigma e buscam cada vez mais se superarem musicalmente.

É nesse espaço que o rapper Febem se encaixa. Lançado no começo de mês de julho, RUNNING é um daqueles discos que facilmente pode ser escutado no repeat. É sutil, leve e cumpre o que promete. O conceito principal é justamente a correria da vida, por isso o nome do álbum.

Utilizando diversas ferramentas nas faixas, o rapper consegue construir um álbum bem concreto, diversificando entre as narrativas sociais e políticas. Com apenas vinte e oito minutos, o disco traz uma experiência audaciosa e rápida.

Meus heróis roubaram bancos, o seu rouba flow

Se a música que leva o nome do álbum inicia o álbum em uma velocidade lenta e introduz o ouvinte ao que estar por vir, Tracksuit fecha o trabalho em plena correria, com diversos versos bem incisivos e críticas a sociedade racista.

A crítica é presente em praticamente todas faixas do disco de Febem. Em Fé de Jó, o paulista utiliza dos versos para criticar a cena atual do rap.

Atacar faz parte, quem não ama o esporte?
Sem sorte cresci e o que escrevi, fi, viví
Pra pagar aluguel sem pagar de lóki
Skills ! terror de ‘mc fake news’

Família meu império vou lhe contar uma historia
De quem jogou na Europa e decidiu voltar pra várzea
Agora é seleção e segue causando stress
Ouvi dizer que pra suprir a perda contrataram dez

Agressor de mulher
Quem? não sei!
Sacode o rap aí que vai cair mais cem

Todos esses versos da música estão na primeira parte da música. Em apenas um minuto, Febem ataca quem é falso no rap — mc fake news — , ironiza sua saída do coletivo Damassaclan (jogar na Europa) — o rapper saiu do DMC e foi para a Ceia, coletivo que ainda participa — e provoca a cena, ao insinuar que muitos que estão hoje no rap estão com nome sujo nas ruas.

Antes de partir para as melhores músicas do disco na minha opinião, preciso dissertar acerca de mais dois sons: BB e R.U.A.

A primeira faixa conta com a participação de um dos melhores da cena, Nill, e monta um paralelo entre quem está entre o underground e o mainstream. Relata as dificuldades de ter que se manter fiel ao que os ouvintes do ‘submundo’ esperam do artista, se não for o esperado, o rapper é um vendido.

Em R.U.A, Febem abusa das punchlines e manda o papo reto em todo o som. Não quer playboy na cena roubando o lugar de quem merece estar ali. Critica o sistema, novamente utilizando a narrativa do racismo estrutural. Abusa de referências a Marcelo D2 e aos Racionais.

Contudo, o ponto alto fica no ataque aos rappers Matuê e Zetrê. Febem considera o primeiro um playboy no rap e provoca Zetrê por não ceder um direito de resposta, após aos ataques de Spinardi na época que Febem saiu do Damassaclan.

Tempo é dindin que não para de correr

Correria. Versos curtos. Beat que envolve o ouvinte. Produção visual sensacional que completa a música. BOLT é a faixa que mais define RUNNING. Em menos de três minutos, Febem é abusado e entra de voadora na cena com seu disco.

Misturando clipes de corrida entre diversos personagens e a percepção de quem consegue trilhar sua vida, o rapper transmite perfeitamente sua mensagem: só conseguimos sobreviver na correria. Vale a pena conferir o clipe, que contém algumas informações subliminares em sua narrativa.

Para fechar em grande estilo, a faixa ESSE É MEU ESTILO. Com participação de dois grandes nomes, Akira Presidente e BK, a música não deixa a desejar em nenhuma parte. Mesmo com as participações, Febem não deixa de ser o ponto alto da música, com destaque para os versos da atendente do McDonald’s.

Ontem a noite encontrei alguém do tempo da escola
Que já me chamou de lixo, marginal e sem futuro
Olhou de cima pra baixo, disse “boa noite ! “
Respondi, “ um big-mac, coca e batata grande “

A faixa serve como um desabafo dos três artistas acerca da relação “expectativa versus realidade” que a sociedade impôs aos MCs. A imagem constrúida pelo preconceito é desmontada a cada verso e demonstra a posição de impacto que todos possuem após seguirem a carreira na música.

Mesmo abordando alguns dos dez sons do disco, é possível perceber que a obra do músico paulista é ótimo recado para a atual sociedade. Febem não decepciona em seu primeiro trabalho e mostra que tem capacidade para muito mais no futuro.

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Emanuel Leite
Além das Linhas

Jornalista | Moderador de conteúdo | Redator | Analista de mídias digitais