Primeiramente volta com tudo com seu novo EP “Outro Nível”

Emanuel Leite
Além das Linhas
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5 min readApr 23, 2019

“Eu ouvi, o que dizem por aí que os manos do PrimeiraMente agora é outro Nível. Tem um tal de Raillow, Leal, NPV, Gali, Fire, pesadíssimo”

Não tem jeito melhor de começar a falar sobre o novo disco do Primeiramente “Outro Nível”, lançado no último dia 18 de abril, sem citar os versos de NP Vocal no som que possui o mesmo nome do álbum.

Dois anos após lançarem um dos melhores álbuns de rap de 2017 (Na Mão do Palhaço), o Primeiramente, grupo de rap formado por Gali, Leal, NP Vocal e Raillow, volta a cena com um novo EP de oito músicas. Apesar de ser um projeto um pouco maior que outros EP’S do gênero, o disco oferece uma experiência agradável aos ouvintes, durante todos os seus 35 minutos.

A escolha do título do álbum não deixa nenhum mistério para os fãs do grupo, o Primeiramente realmente chega em outro nível com esse trabalho. Além de contar com as participações de BK e Georgia, o disco é o primeiro do grupo após ganharem destaque e rodarem em diversos projetos que elevaram a cena do rap brasileiro — Favela Vive, R.U.A e Poetas no Topo.

O Primeiramente volta para a cena com um trabalho bem atualizado e completo, várias faixas alternam entre o trap e o boombap, mostrando a versatilidade do grupo. Ao trabalhar com o próprio trap, os rappers demonstram aproveitar o momento de sucesso do estilo musical para impulsionar o alcance do álbum.

O foco é o mesmo, ideia e lucro já que o governo sabota o ensino

Desde o primeiro trabalho lançado em 2013, ‘Basta Acordar’, o Primeiramente se destaca pela facilidade em misturar assuntos do cotidiano dos rappers. A temática das mensagens transmitidas pelo grupo através de seus sons não costumam mudar e é possível perceber isso em alguns sons dentre seus álbuns.

Por exemplo, como esquecer dos versos impactantes de Leal dentro de ‘Desertos’, faixa de ‘Na Mão do Palhaço’.

Maldade, malícia, mudança de planos, enganos à vista
E sempre que erramos deixamos de lado toda essa cobiça
Ninguém é perfeito, defeitos à parte, quem não morde a isca e quem é que arrisca
Deixa de lado algo que tem pra mudar uma vida
Vidas perdidas sem amor próprio, com a alma num fóssil
Difícil aceitar, difícil entender, mas o mal é dócil
Ignorados jogados no poço, com nada no bolso
Cujo o sistema quer fora do próprio e prova pra nóis que o bagulho tá osso
Pescoço de vários por aqui rolando, mas cê nem se importa na sua brisa torta
Pois veem em HD numa tela de 100 o mundo se acabando
Eles observando tudo, controlando tudo, a moda e o mundo
E cês segue surdo, mesmo sem nada no prato, vendo os seus levando surra e ainda continua mudo
Você não acha sua rotina cansativa? Sua opinião, ela é realmente sua?
Quantas pessoas você daria a vida, e quantas pessoas dariam a vida pela sua, jão?
[…]
Porque se tudo fosse como eu quero nessa vida, tudo que eu sempre falo já teria mudado
Quantos tem quando cê não precisa, e quando você precisa quem que tá do seu lado?

Um desabafo. Essa é a ideia do rapper ao despejar sua visão de mundo para os ouvintes da faixa. Aparentemente, Leal é bastante adepto a este tipo de prática em suas letras.

Como disse anteriormente, a fórmula se repete e, não, isso não é ruim.

Leal faz isso com excelência, como é possível perceber nos versos de ‘Revolta Latina Pt.2’, a última faixa do novo álbum.

Vendo meus irmãos afogados na lama
Com a vida beirando o sufoco de Cristo
O Judas não ajuda e ainda reclama
Onde quem não ama, tá feliz com isso
Imensa é a ganância que voz acompanha
Vendo campanha bancada por rico
Triste é notar que meus irmãos desanda
Eu vejo demônio do lado sorrindo
Então me fala o que você quiser
Não vai mudar o que tem aqui
Onde homem bate em mulher
Mas não é homem pra admitir
Não sei por que, eu tava lá, mas me perdi
Vaguei sozinho nesse mundo agora eu quero me encontrar
Eu fui pra ver onde ia dar, não desisti
Eu fiz, eu pude, eu quis mudar

Rap tem que ser a voz de todas as quebradas

Eu poderia ter exemplificado outros métodos marcantes presentes nos dois últimos álbuns do Primeiramente.

As constantes lovesongs tais como ‘Ela Disse’ em ‘Outro Nível’ e ‘Primavera’ em ‘Na Mão do Palhaço’. As músicas feitas em tom de protesto político-social como ‘Século XXI’ em ‘Outro Nível’ e ‘Menino Assassino Pt.2’ em ‘Na Mão do Palhaço’.

Contudo, é exatamente o rap de mensagem, da forma mais literal possível, que me agrada nos sons do Primeiramente. Os desabafos dos integrantes dão um toque diferencial para as músicas lançadas pelo grupo.

A entrada de NP Vocal, feita durante a produção de ‘Na Mão do Palhaço’, acrescentou bastante ao Primeiramente. Isso se torna possível de se perceber através do novo álbum. O rapper já demonstra um entrosamento com os outros integrantes, agregando ainda mais qualidade nos sons.

Ademais, NP mostrou estar muito mais confortável em ‘Outro Nível’. Um exemplo disso é sua participação na quarta faixa do disco, ‘Terremoto’. Ele praticamente coloca sua vida pessoal nos versos da música, ou seja, novamente o cotidiano dos integrantes está presente nas letras dos sons.

Era eu, minhas bad e uma moça
Quatro grama e três letras no pente
Duas boca pra tomar de encontro
Infinitas responsa nasceu meu pivete
Sem depender mais do lucro da boca
Fui fazer rap pro PrimeiraMente
Bem recebido lá no Diresponsa
Vi que eu também era um monstro daqueles
Que causa bem mais impacto com a mente
Do que de capuz e com balas no pente
Responsa nossa agora virou outra
Mas o inimigo por enquanto é o mesmo
Terremoto, terremoto
‘Cês é o Temer, aqui nós é trampo
Não gosta do Trump, mei’ fora do tempo
É, deitando no trap, pro seu azar nós é da Vila Prudente

Realmente, o rapper estava certo, o Primeiramente agora é outro nível.

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Emanuel Leite
Além das Linhas

Jornalista | Moderador de conteúdo | Redator | Analista de mídias digitais