Sant parou de fazer rap. E agora?

Emanuel Leite
Além das Linhas
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5 min readApr 7, 2019
Trecho do clipe “O que Separa os Homens dos Meninos”

Na última segunda-feira (01/04), o rapper Sant surpreendeu toda a cena do rap nacional ao anunciar sua aposentadoria como músico. O carioca disse ter escolhido propositalmente o ‘Dia da Mentira’ para o seu anúncio, com o objetivo de causar uma reflexão nos seus fãs.

Em sua declaração, Sant deixa bem claro aos seus seguidores que está desmotivado e afirma se questionar constantemente sobre sua paixão pela música e escolhas feitas de maneira automática, deixando diversas oportunidades passarem.

Ao falar do rap e de sua cultura, o MC não enxerga mais para si, o gênero como uma possibilidade profissional. Através das declarações de sua namorada, Pamela, ficou evidente as dificuldades pessoais vividas pelo rapper no seu meio social, devido a sua intensa dedicação ao seu trabalho.

Antes de terminar seu comunicado via Instagram, o músico afirmou ser grato pelas amizades conquistadas por meio do rap, contudo, assegura que seu círculo social veio graças ao seu caráter e não apenas pelo seu sucesso dentro do meio musical.

Ter acesso ao céu é luxo a quem vive no esgoto

Foto: @originalsant

Sant’Clair Araújo Alves de Souza (1994), natural de Pilares, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, mais conhecido como Sant. Um rapper de origem humilde, representante da ZN e famoso por ser afilhado de um forte nome do rap, o ilustre MC Marechal.

Sant lançou apenas um disco (O que Separa os Homens dos Meninos, Vol1), contudo, aumentou seu cacife dentro do cenário através de participações especiais com nomes em tendência, como na faixa ‘UFA’ do mineiro Djonga e nas cyphers da banca 1Kilo (‘Benção’ e ‘O Que Tiver Que Ser Será’).

Com um projeto a longo prazo bem-sucedido aos olhares do público, Sant possuía tudo para alavancar ainda mais seus projetos musicais e se tornar uma referência no rap carioca, algo que sempre lhe foi uma meta.

Por outro lado, o rapper frequentemente mostrava suas reflexões sobre sua vida pessoal e profissional, como é possível perceber em seus versos na cypher produzida em 2016, “Favela Vive”:

Quanto suor e sangue constroem novos “Brasis”
Oito mil dias na Terra e ainda não encontrei razão (eu também)
Nem todo sorriso é feliz, nem todo choro é triste
Nem toda saudade é má, nem toda fé persiste
Já faz um tempo que eu não oro, todo dia eu choro
O silêncio do lado bom não garante que ele não existe (jamais)
Não acreditaram em quem somos, creditaram onde estamos
Temos de vencer e por isso que lutamos
É, muito se esquece, mas nem tudo se releva
Porque a vida que nós tem é a vida que nos leva ao caos
Adaptemo-nos, a paz tão relativa já não mais inspira a nós
Aqui embaixo quase não há luz em como somos
De fato, o mundo é um lugar que nunca fomos

Quem prometeu tá aqui pra sempre?

Sant em Poetas no Topo

A notícia da aposentadoria precoce de Sant impactou o seu público e seus colegas MC’s, que logo após o anúncio do rapper de 25 anos, demonstraram apoio à decisão do músico.

O cenário do rap é um dos lugares mais difíceis de ascender de forma saudável para o próprio artista. Em um tempo que a discussão sobre saúde mental tem ganho bastante espaço na mídia, a aposentadoria de Sant evidencia as consequências que o mercado musical proporciona para os cantores de rap.

Perguntado sobre a decisão feita por Sant, Matheus Coringa, um dos representantes brasileiros do underground, possui uma posição bastante sincera:

“Acredito que ele fez o correto, até porque ele já tem um dinheiro e agora pode viver sua paz”

Matheus Coringa em seu projeto SUBVERSO

Por ser uma figura conhecida no meio alternativo, Coringa reconhece que a saúde mental é um grande problema para o gênero e alega que os MC’s independentes sofrem bastante:

“Em contrapartida, tem pessoas no meio que se jogaram tão de cabeça na parada, que não tem nem como sair. Quando saem, só conseguem sair de uma maneira deprimente. É o caso de muitos amigos meus que deixaram o rap sem nenhuma estrutura, sem reconhecimento e sem o apoio até de quem curtia o som.”

Aos quem ficaram, não recuem

Foto: @originalsant

A inesperada despedida de Sant do meio musical provoca numerosas lições para os fãs do cenário. A saúde mental de quem vive no meio musical é bastante delicada e as incessantes necessidades cobradas pelo mercado podem ocasionar mais perdas para o público.

Há dois anos, Sant bateu um papo com Léo Casa1, produtor e dono do canal RapBox, onde foi veiculada a entrevista.

Durante toda a conversa, o carioca sempre tenta deixar claro para Léo que ele quer fazer as coisas no seu tempo, sem estragar sua capacidade criativa com a visão do lucro que o rap proporciona. No começo, perguntado pelo produtor sobre sua experiência com seu padrinho Marechal, Sant mostra ter aprendido bastante com seu mentor em relação à questão da saúde mental:

“O Marecha tem o tempo dele e preciso conquistar as coisas no meu tempo também. Foi aí que comecei a dispor a isso, em 2016 quis voltar para o cenário e agora tô colhendo os frutos […] Mas eu quero fazer música com ele pra sempre”

Essa declaração, embora seja de 2017, cria um sentimento de esperança entre os fãs mais assíduos acerca de um possível retorno do rapper. Talvez essa escolha seja de fato temporária e Sant decida voltar em um futuro próximo, talvez ele apenas venda suas músicas e siga a vida em paz com sua família, como disse em seu Instagram.

Ainda assim, nesse clima de incerteza sobre o artista, os olhos precisam estar mais abertos para a questão psicológica dos artistas musicais. Todavia como dizia o agora ex-rapper Sant em sua principal faixa “O que Separa os Homens dos Meninos”, é preciso aprender que nem sempre devemos seguir o coração:

Sem espaço pra emoções, a rua ensina
Que se eu seguir só o meu coração, me fodo na próxima esquina

[..]

Não sou o próximo a jogar minha sorte pro destino
Isso é exatamente o que separa os homens dos meninos

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Emanuel Leite
Além das Linhas

Jornalista | Moderador de conteúdo | Redator | Analista de mídias digitais