Arte em 2020

manu mello
alfaserpente
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5 min readApr 8, 2020
“Crio, logo existo” — colagem digital por Ísis Daou

Com o grande benéfico em queda e sitiado entre os maléficos em Capricórnio, na casa 1 do ingresso do Sol em Áries no Brasil, é verdade que não temos um ano fácil pela frente. Um ano que já começou com boa parcela da população presa em casa, e uma parcela ainda maior com medo do que pode vir a acontecer. O governo do país despreparado para lidar com uma crise mundial na saúde e na economia, e as pessoas despreparadas para lidar com as crises internas que surgem com o distanciamento social. As coisas, que já não estavam fáceis, pioram em níveis que ninguém imaginava, mas essa piora que escancara os problemas de forma a não podermos mais ignorá-los, parece nos oferecer uma chance de encarar as dificuldades de frente, resolvendo e mudando o que estiver ao nosso alcance, coletiva e individualmente.

Marte exaltado no ascendente. Sim, é um ano de luta, para o povo, mas um detalhe sobre esse ascendente me leva a refletir sobre o campo de batalha. O ascendente a 15° de capricórnio traz atenção para a estrela Vega, a alfa da constelação de Lira. A lira foi feita por Hermes, um instrumento divino, mas que expressa sua verdadeira potência mágica nas mãos do mortal Orpheus, que com habilidade e delicadeza toca canções que agradam humanos, animais, plantas, rochas e deuses. Canções capazes de emocionar as Fúrias, e conceder livre passagem pela terra dos mortos. Arte feita com emoções sinceras, em meio a tragédia que ele vivenciou.

O mito de Orpheus foi contado por muitos, mas minha versão favorita é a inusitada história em quadrinhos escrita por Neil Gaiman, como parte da série Sandman. Neil Gaiman tem a estrela Vega em seu mapa natal junto de Saturno domiciliado, que está em sextil com seu Mercúrio de casa 5, a casa das artes e de tudo o que criamos. Uma compreensão divina sobre as artes que ele expressa habilmente através de suas palavras, escritas ou faladas, e das histórias que cria ou conta. Neil fez um discurso para uma turma que se graduava em uma renomada faculdade de artes, e cito um trecho que pode servir como farol em meio à escuridão que vivemos. Pra mim, pelo menos, esse discurso ofereceu luz e graça em momentos muito sombrios.

Às vezes a vida é dura. As coisas dão errado, na vida e no amor e nos negócios e na amizade e na saúde e de todas as outras formas que as coisas na vida podem dar errado. E quando as coisas ficarem difíceis, isso é o que você deve fazer:

Faça boa arte.

Tô falando sério! Marido fugiu com um político? Faça boa arte. Perna esmagada e depois comida por uma jiboia mutante? Faça boa arte. Imposto de renda na sua cola? Faça boa arte. Gato explodiu? Faça boa arte. Alguém na internet acha que o que você faz é estúpido ou maligno ou que já foi tudo feito antes? Faça boa arte. Provavelmente as coisas vão se resolver de alguma forma, e eventualmente o tempo vai aliviar a dor, mas isso não importa. Faça o que só você faz de melhor. Faça boa arte.

Faça nos dias bons também.

Pandemia, isolamento, presidente idiota, desemprego e medo do futuro? Faça boa arte. Ou consuma arte, se cerque de arte. É a arte nossa melhor ferramenta nesse momento, seja para disseminar informação e ideias, ou aliviar as dores, entreter no tédio. É a nossa maior arma. São os artistas nossos guerreiros, nossa linha de frente, junto com os cientistas e médicos que buscam soluções para o problema. A Lira traz aptidão para as ciências também!

Veja bem, é mais que um testemunho, muito mais que um único símbolo. O ascendente com Vega está em trígono a Vênus domiciliada e jubilada, bem feliz na casa 5, já mencionada casa de criações artísticas. Vênus é um planeta benéfico que versa sobre arte, e tudo aquilo que é bom e belo. Nesse mapa ela está conjunta à estrela Almach, o pé de Andrômeda, estrela fixa que também aponta envolvimento com as artes.

Andrômeda foi uma princesa entregue como sacrifício a um monstro marinho que ameaçava destruir sua cidade, e ela nunca temeu seu destino, mas foi capaz de enfrentar um momento de pânico generalizado e incerteza com coragem e cabeça erguida. Mas não foi por maldade ou negligência que seus pais a ofereceram para a morte, mas por recomendação de um oraculo, que disse ser essa a única maneira de salvar a cidade. Ora, Andrômeda, acorrentada em pedras no mar, foi resgatada por um herói que estava de passagem, e que derrotou o monstro, salvando a todos. E eu acho que era dessa salvação que o oráculo falava: ninguém precisava morrer, mas pra isso Andrômeda precisaria viver esse momento de entrega ao que poderia ser seu fim, momento que guardava um encontro inesperado e amor em seu futuro.

A astrologia nos fala agora do fim de um grande ciclo, necessário para o começo de uma nova fase. Vivemos um momento de muita proximidade com a morte, e frente a ela nos cabe a aceitação quanto à natureza finita da vida, mas também a esperança de vida nova que nasce da ruína, e de salvação que segue a entrega e os sacrifícios. Mas, de fato, somente a arte pode nos salvar dessa vez. É o herói que estávamos esperando. Não que ela possa derrotar os monstros que nos assombram agora, mas ela pode quebrar as correntes que nos prendem ao medo, e nos carregar por essa fase, atravessando o submundo como Orfeu com sua Lira. Que tenhamos coragem pra reconhecer e apreciar toda a beleza que as dificuldades desse momento guardam. Apoie artistas. Seja artista. Faça boa arte. Isso também vai passar.

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manu mello
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