Carolina de Jesus — Mercúrios Escritores #1

Ísis Daou
alfaserpente
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3 min readSep 3, 2020
“Carolina de Jesus” — colagem digital por Ísis Daou

Carolina de Jesus foi uma das primeiras escritoras pretas do Brasil, e uma das mais importantes na nossa história. Nascida em 14 de março de 1914 em Sacramento, Minas Gerais, Carolina estudou por apenas dois anos na escola, onde rapidamente aprendeu aprender a ler, escrever e desenvolver o gosto pelos livros. Quando escreveu “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, o livro que a levaria ao sucesso, Carolina morava na extinta favela do Canindé, zona norte de São Paulo; enquanto trabalhava como catadora de papel, registrava o cotidiano da comunidade em diários, e foi descoberta ao “acaso”, quando um jornalista fazia uma visita à comunidade para produzir uma reportagem.⁣

Carolina nasceu de Mercúrio retrógrado no signo de Peixes, um bom exemplo que ilustra que a retrogradação nem sempre traz prejuízo: em seu mapa, esse Mercúrio está se afastando a cerca de 8 graus do Sol, condição que Mercúrio está saindo da combustão, quando o planeta fica ofuscado pelo Sol. É um Mercúrio que se fortalece por estar buscando a visibilidade no céu. Uma analogia curiosa pensando na vida da própria Carolina que, de forma improvável — devido às circunstâncias sociais — teve conquistas e visibilidade através da sua escrita. Mercúrio em Peixes é um comunicador de subjetividades e atua além das convenções formais; busca contar histórias de uma vida que não cabe em uma visão simplista ou superficial. Mercúrio no domicílio de Júpiter, planeta que fala daquilo que nos une, dos ideais e valores afins. Não surpreende que sua obra mais célebre se dedique à retratar a realidade da sua própria comunidade. Como escrevi há uns posts atrás, em Peixes, a qualidade de manifestação no mundo é plural, não sozinha; não à toa é o único signo que usa o simbolismo animal no plural. Peixes, que é a queda e o exílio de Mercúrio, reforça o aspecto improvável e ímpar da sua escrita, que se destacou de tudo que se publicava à sua época.⁣

Mercúrio em Peixes no seu mapa também está bem próximo à uma estrela fixa chamada Achernar, da constelação de Eridanus. É uma estrela que conta o mito de Faetonte, filho do deus Sol — um personagem que, apesar de motivações vaidosas, sai em busca da verdade e da conexão com o que é divino. Em mapas natais, é uma estrela que simboliza bons valores morais e uma inclinação filosófica ou religiosa. Vejo que traz também uma qualidade espiritual ou filantrópica ao ofício que o planeta representa — no caso de Carolina, a escrita como um trabalho de elevação da própria vida, testemunho do sucesso que alcançou, ainda que não tão duradouro. Em seu mapa, Mercúrio só faz aspectos com os planetas maléficos: uma quadratura com recepção de Saturno em Gêmeos e um trígono com Marte em Câncer (esse último conjunto à Sirius, outra estrela fixa). Mais do que um talento nato, pode-se pensar que a escrita foi também sua ferramenta para lidar com os aspectos mais duros da sua realidade. E assim foi, até o final: mesmo longe dos holofotes, Carolina escreveu até o fim da sua vida, em 1977.

A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra. E nós quando estamos no fim da vida é que sabemos como a nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro.

— trecho de “Quarto de Despejo”

Fontes de pesquisa:⁣
Site da Fundação Cultural Palmares — “Centenários Negros”;⁣
Folha Ilustrada, 20/11/2014, matéria de Karla Monteiro.

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Ísis Daou
alfaserpente

observadora do céu, pesquisadora de símbolos e colagista autodidata