corpo: contornar de inércia as ramificações nervosas
A soma das partes é o todo, ou talvez bem mais que isso. Entre o ato de partir e de juntar, entre obedecer e transgredir ao que se espera, entre resistir e ceder, há um corpo inteiro a descobrir e atravessar. Longa caminhada. Em todo caso os dias começam — e terminam — numa cama.
Steffano Lucchini
mãos
decepadas
não ferem
ou gozam
não matam
ou criam
não sentem
ou sequer
se encontram
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manhã
Mariana Correia Santos
na cama, ela não tem energia
para deixar que o dia diga que chegou
não quer sair
quer se fundir
ao próprio material acolchoado
que a recolhe na horizontal
côncavo sob seu peso
sente dores na cabeça há duas semanas
sabe que assim não pode continuar
mas a cama sussurra e o dia grita
assustada, ela se derrama mais sob o cobertor
uma ponta do lençol de elástico escapa
fica desconfortável, mas não vai levantar
fecha os olhos, não dorme
um nervo ou músculo pulsa
sob o olho esquerdo
dói
a dor ecoa pela cabeça
faz da vitalidade, vítima
o corpo reclama do passo rápido da semana
da falta de comida, a estragar na geladeira
pega o celular
mas dali a pouco lembra
o que a luz azul faz à melatonina
o que a luz azul faz
ao repouso deste corpo que não repousa
a mão vai abaixo
distingue o topo sensível do mamilo
a curva das costelas ao ventre
a íngreme descida ao clitóris à espera
a suave vertical esguia
de cima a baixo
fecha os olhos novamente
pensa nas linhas e ângulos
em tração e atrito
visualiza olhares
sente gostos e toques
o gosto do toque vermelho
tem cheiro de suor fresco
lençóis limpos
tem o cheiro dele
dele que não voltou
os lençóis manchados de um prazer sozinho
agora aderem ao som ritmado da máquina
o menino acorda, o dia impera
sente como suas entranhas estivessem escuras
qual um pulmão habitado pelo tabaco
e as nuvens da cidade
mas é a matéria das horas
vamo garoto, vê se a janela tá fechada
vamo embora
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Desobediência
Vitor Soares
Transgredir o corpo
retorcer as horas
perscrutar o ar enquanto
houver o conforto do leito onde
cair
contornar de inércia as ramificações nervosas:
Então os olhos vejam
dançarem as línguas
Labaredas a recitar
o mistério do vulto lá fora
antes que não haja chão
tempo de adormecer
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