Algumas notas rápidas sobre a austeridade Sartoriana

Fabricio Pontin
Ensaio
Published in
2 min readDec 21, 2016

Essa situação das fundações me deixa (e deixa qualquer liberal) em uma posição difícil, do ponto de vista de posicionamento político.

É claro que, estritamente, eu sou contra a existência de fundações públicas que servem como um mecanismo de fiscalização/orientação do poder executivo. A premissa me parece, na melhor das hipóteses, pueril: órgãos dependentes de recursos públicos e da administração pública seriam responsáveis por dar pareceres independentes para a mesma administração pública que financia esses órgãos. É evidente que não vai dar certo, e é evidente que vai dar no que vai dar no que sempre dá projetos de caráter coletivista (fundações são órgãos coletivistas, acho que não precisamos tornar isso algo polêmico, precisamos?): engessamento e hiper-burocratização.

Também acho que a premissa que o Estado precisa se ocupar de administrar uma rede de televisão e de rádio para “promover a cultura” é um troço no mínimo questionável — especialmente quando o pessoal tenta defender que existe algum tal de “interesse público” nisso.

Por outro lado, o clientelismo doentio que caracteriza a coisa pública brasileira torna uma crítica liberal um pouco ridícula. Focar nas fundações para criticar o engessamento da administração do Estado do RS é como focar no sacrifício de animais por religiões afro-brasileiras para criticar o tratamento de animais no Estado de RS: uma hipocrisia do tamanho do vácuo dentro da cabeça do Ivo Sartori.

Então o foco nas fundações é uma estratégia de distração. O governo do Estado adota uma política de austeridade tímida, de fato, mas que, para o público em geral, é uma política de austeridade agressiva. É austeridade tímida porque não está interferindo onde o Estado realmente está gastando (pagamento da dívida pública, publicidade, incentivos fiscais para gente rica que reclama de “muito imposto”).

Por outro lado, é uma postura bem característica do tipo de conservadorismo histérico que tomou conta da discussão pública a partir dos anos 90. Esse conservadorismo usa elementos de um discurso liberal sobre o tamanho e função do estado como uma forma de crítica cultural e moral — é só ver como a crítica às fundações, e seus funcionários, é feita. Por outro lado, garante-se que para quem tá dando dinheiro e investindo no governo (as pessoas que pagam tua campanha política e garantem o teu grupo na câmara) nada vai mudar.

Durante tudo isso, segue-se servindo a classe média falida e aos novos ricos abastados uma série de meios para auto-afirmação enquanto grupo social dominante: “enquanto esse pessoal protesta, a gente trabalha”, “esses vagabundos querem mamata nas tetas do Estado”. Esse discurso também (e isso é algo que o Bandura explora de forma maravilhosa, leiam o Bandura!) nos permite seguir achando que somos grandes e maravilhosos agentes morais, dotados de: razão.

E o mesmo pessoal de sempre segue contando os pilas, no caminho do banco.

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