O que são Créditos de Carbono e como funcionam os seus mercados?
Quase todos nós já ouvimos falar deles, mas poucos são os que realmente conseguem explicar o que são os Créditos de Carbono, como funcionam ou de que forma são negociáveis.
Crédito de carbono representa um termo genérico para um certificado ou permissão negociável que permite a emissão de uma tonelada de dióxido de carbono ou o equivalente em outros gases de efeito de estufa. O principal objetivo passa pela redução das emissões das atividades industriais de forma a reduzir o aquecimento global. Um crédito de carbono é equivalente a uma tonelada de CO2 ou, em alguns mercados, uma tonelada equivalente de CO2.
Estes mecanismos de mercado surgiram em 1997, com o Protocolo de Quioto, onde foi acordado que os créditos de carbono representam uma boa forma de reduzir as emissões. Em 2001, na Alemanha, 191 países ratificaram o Protocolo, onde também era imposto que 37 países desenvolvidos, juntamente com a União Europeia, reduzissem as suas emissões, falando-se pela primeira vez nos conceitos de um sistema cap-and-trade e de mercados de créditos de carbono.
Mais tarde, em 2015, pelo Acordo de Paris, foram impostas novas políticas a serem implementadas a partir de 2020. Uma das diferenças neste Acordo é que os países em desenvolvimento também passariam a ter metas para a redução das emissões, aumentando o alcance e aprofundando a integração dos mercados de carbono.
Existem dois tipos de créditos de carbono:
- Redução Voluntária de Emissões: uma compensação de carbono que é negociada over-the-counter ou através de mercados voluntários;
- Redução Certificada de Emissões: unidades de emissão/créditos criados a partir de uma estrutura regulatória com o objetivo de compensar as emissões de um projeto.
No entanto, existem 2 formas de atribuir um preço ao carbono: Emission Trading System (ETS) e através de impostos sobre o carbono. No primeiro caso, também conhecido como um sistema cap-and-trade, é imposto um limite nas emissões de carbono e outros gases de efeito de estufa. Este sistema funciona de forma a que, anualmente, o valor do limite de emissões vá baixando e os negócios com menos emissões podem vender as suas licenças que não utilizaram aqueles que gastaram mais do que aquilo que lhes foi permitido. Este mecanismo cria um mercado de carbono baseado na oferta e na procura.
Por outro lado, os impostos sobre o carbono estabelecem um preço direto sobre este, estabelecendo uma taxa sobre as emissões de gases de efeito de estufa. Neste caso, não está predefinida a redução das emissões, uma vez que é pago aquilo que é emitido. Porém, existem também formas indiretas de atribuir um preço ao carbono, seja pelos impostos aos combustíveis fósseis ou pela redução dos subsídios dos mesmos.
Como funciona um mercado cap-and-trade?
O comércio de carbono é regulado pelos governos ou organizações internacionais, responsáveis por colocar um limite na quantidade de gases com efeito de estufa que podem ser emitidos. A quantidade de emissões é alocada nas empresas com uma quantidade específica que podem emitir anualmente. Excedendo este limite, necessitam de comprar créditos de carbono, mas caso não excedam, podem vender os créditos não utilizados a negócios que precisem deles.
De acordo com o World Economic Forum, o número de permissões ou créditos distribuídos no mercado é limitado, pois a quantidade total tenta corresponder à meta de redução de emissões imposta. No início, as licenças de emissão tanto podem ser compradas em leilão ou atribuídas a determinado negócio de forma gratuita. Com o passar do tempo, o número de licenças diminui, pressionando as empresas a reduzirem as suas emissões e a investirem em alternativas de produção menos poluentes. Um dos principais objetivos passa por baixar os preços das novas tecnologias, que emitem menos, ao mesmo tempo fomentando a inovação.
Como funciona um mercado de compensações?
Para além de um sistema cap-and-trade, existe também um mecanismo de compensação (offsetting mechanism), que não funciona da mesma maneira do primeiro nem tem o mesmo objetivo. Neste caso, os países e/ou as empresas estão envolvidos no comércio de compensações, ou seja, unidades de redução de emissões que representam uma tonelada de CO2 equivalente, compensando emissões que já aconteceram no passado.
Este mecanismo de compensações atua com o objetivo de atingir uma soma de emissões igual a zero, pois uma tonelada de CO2 equivalente é emitida num local e uma tonelada é reduzida noutro local. Desta forma, utilizar este mecanismo a longo prazo não é viável, uma vez que não coincide com o objetivo de progressão para zero emissões a nível mundial. Estas compensações apenas devem ser utilizadas para contrabalançar emissões que não podem ainda ser evitadas ou reduzidas.
Assim, a maior diferença entre estes dois mercados é que, num sistema cap-and-trade, o governo controla o volume total das emissões, pois as empresas em conjunto não podem emitir mais do que o número total de licenças distribuídas. Porém, num mecanismo de compensações, o governo pode até impor um limite teórico de emissões, mas as empresas serão livres de emitir as quantidades que querem, desde que comprem compensações por essas emissões. Isto significa que as empresas estão a pagar a outras para reduzirem as emissões em vez de o fazerem elas próprias.
Como funcionam os mercados voluntários?
Existem empresas privadas que decidem comprar créditos de carbono com base voluntária, na maioria das vezes como forma de melhorar a sua imagem junto do público, ou como instrumento de responsabilidade social. Estes créditos são comprados e vendidos em mercados voluntários, não sendo sustentados por qualquer governo ou objetivos vinculativos, baseando-se em organizações específicas que certificam que as reduções de emissões têm integridade ambiental, também conhecidos como programas de gases com efeito de estufa. Todo este mercado assenta na relação de confiança entre compradores e programas, alegando-se que, de facto, os créditos vendidos contribuem para reduzir as emissões.
No entanto, este tipo de mercado apresenta diversas lacunas. Ainda que tenham sido realizados poucos estudos sobre a qualidade do mercado voluntário, principalmente porque tem dimensões muito reduzidas em comparação com os principais tipos de mercado, aplicam-se algumas das críticas dos outros mercados. Por exemplo, diversos tipos de projetos que foram considerados não adicionais em termos de redução de emissões, como grandes projetos de energias renováveis, foram utilizados no mercado voluntário para a emissão de créditos.
Assim, um dos grandes desafios para o mercado de carbono voluntário daqui para a frente é evitar a dupla contagem das reduções de emissões, e que os esforços declarados como “reduções extra” estão de facto a substituir-se aos esforços dos governos nacionais. Por exemplo, se uma empresa ajudar a reduzir as emissões num país, contribuindo para que esse país alcance o seu objetivo nacional relativo ao clima, então a empresa não beneficiou realmente a redução de emissões. Em vez disso, financiou reduções que o país anfitrião já se tinha comprometido a fazer. Ainda que o apoio aos esforços climáticos do país anfitrião dos projetos possa ser uma ação positiva, especialmente se ocorrer nos países menos desenvolvidos, não é correto a empresa alegar que as reduções que financiou são “extra” em comparação com o que teria acontecido de qualquer forma. Assim, estas reduções não devem ser utilizadas para compensar outras emissões.
Com isto, em situações em que os países anfitriões não podem contabilizar a redução das emissões para o seu objetivo próprio, isto pode criar um problema de equidade. Desta forma, o Carbon Market Watch afirma a necessidade de:
1) os países anfitriões terem sempre a liberdade de concordar ou discordar da compra das reduções de emissões pelas empresas;
2) as reduções vendidas no mercado voluntário visarem as reduções que seriam dispendiosas para o governo anfitrião financiar.
No médio prazo, as empresas privadas devem afastar-se de um modelo baseado na compensação e apoiar a ação no âmbito do clima do país anfitrião, reconhecendo a plena responsabilidade pelas emissões criadas pelas atividades da empresa.
EU Emissions Trading System (EU ETS)
O EU Emissions Trading System (EU ETS) é um pilar da política da União Europeia no combate às alterações climáticas, sendo uma ferramenta chave na redução das emissões de gases de efeito de estufa. Surgiu em 2005 como o primeiro sistema de comércio de emissões internacional, inspirando depois o desenvolvimento de outros mercados em outros países e regiões.
O EU ETS opera em todos os países da União Europeia, incluindo a Islândia, Liechtenstein e Noruega, limitando as emissões de mais de 11 mil instalações de uso energético e companhias aéreas que operam entre estes países. Desta forma, este sistema cobre cerca de 45% das emissões de gases com efeito de estufa na UE.
O EU ETS funciona a partir do princípio cap-and-trade, com um limite imposto às emissões, sendo este mesmo limite diminuído ao longo do tempo de forma a reduzir o total de emissões. As empresa recebem ou comprar as licenças de emissão, podendo trocar entre elas à medida que necessitam, podendo ainda comprar uma quantidade limitada de créditos internacionais de projetos de redução de emissões em todo o mundo. O limite no número total de licenças existentes assegura que elas têm um valor.
Anualmente, as empresas que não usarem todas as suas licenças, podem guardá-las para cobrir necessidades futuras ou vender a outras empresas que tenham menos licenças. As negociações trazem flexibilidade que assegura que as emissões são “cortadas” onde os custos de o fazer são menores, sendo que o preço robusto de carbono promove investimentos em tecnologias limpas e de baixas emissões.
Este sistema da UE provou que atribuir um preço ao carbono e negociá-lo, funciona na redução das emissões das instalações que fazem parte do sistema. Em 2020, as emissões dos setores que este sistema cobre serão 21% menores do que em 2005, ajudando a UE a atingir a sua meta. Em 2030, é expectável que as emissões sejam 43% menores em relação às de 2005, de acordo com a atual abordagem da UE.
Sob o Green Deal Europeu, a Comissão Europeia apresentou em Setembro de 2020 um plano de avaliação de impacto de forma a aumentar a meta de redução das emissões de gases de efeito de estufa para, pelo menos, 55% até 2030. Em Junho de 2021, a Comissão apresentará propostas legislativas de implementação da nova meta, incluindo a revisão e possível expansão do EU ETS.
O sistema cobre diversos setores e gases, focando-se em emissões que podem ser facilmente mensuradas e verificadas:
- dióxido de carbono (CO2) — geração de energia e calor; indústria intensiva em energia; aviação comercial;
- óxido nitroso (N2O) — produção de ácidos;
- perfluorcarbonetos (PFCs) — produção de alumínio.
A participação no EU ETS é obrigatória para as empresas nestes setores. No entanto, em alguns setores podem apenas ser incluídas empresas acima de determinado tamanho, algumas pequenas instalações podem ser excluídas se os governos introduzirem medidas fiscais ou outras que reduzam as emissões numa quantidade equivalente e, no setor da aviação, até 31 de Dezembro de 2023, o EU ETS aplicar-se-á apenas entre aeroportos situados no Espaço Económico Europeu.
Este sistema encontra-se na fase 3 (2013–2020), com diferenças significativas em relação às fases anteriores, uma vez que agora o limite de emissões é imposto à UE e não a cada país individualmente. Outra diferença é que o principal método de alocação de licenças passou a ser por leilão, incluindo mais setores e gases. Por fim, 300 milhões de licenças foram postas de parte na New Entrant Reserve (NER) para financiar o desenvolvimento de tecnologias de energia renovável, inovadoras, de captura e armazenamento de carbono através do programa NER 300.
A abordagem legislativa para a fase 4 (2021–2030) do EU ETS, foi revista em 2018 de forma a permitir que fossem atingidas as metas de redução das emissões da UE em 2030, como parte da contribuição para o Acordo de Paris. Essa revisão focou-se no reforço do EU ETS como promotor da redução anual de licenças em 2,2% até ao final de 2021, bem como continuar com a alocação gratuita de licenças como forma de assegurar a competitividade internacional dos setores industriais em risco de perda de carbono, ao mesmo tempo assegurando que essa alocação está focada no progresso tecnológico, e ainda ajudar a indústria e o setor energético nos desafios de inovação e investimento para uma transação de baixas emissões de carbono, através de financiamento de mecanismos de baixo carbono.
Hoje em dia, grandes empresas a nível mundial, anunciam objetivos a longo prazo de se tornarem neutras em carbono, como é o caso da Amazon. Contudo, normalmente essa redução das emissões acontece pela compra de licenças de emissão ou créditos de carbono até ser atingida a compensação equivalente às suas emissões. Noutros casos, as empresas afirmam que se tornarão negativas em carbono, como é o caso da Microsoft, que possui esse objetivo até 2030. Com isto, é necessário comprar créditos de carbono numa quantidade superior ao equivalente das emissões da empresa. Porém, como referido acima, é necessário ter em atenção o tipo de mercado em que a empresa atua ou o tipo de compensações efetuadas, pois poderão ser percepcionadas como greenwashing.
Com isto, apresentados estes tipos de mercados, é evidente que atribuir um preço ao carbono e negociar as licenças de emissão em mercado é um mecanismo eficaz na progressiva redução das emissões de gases de efeito de estufa nos países. Contudo, a aposta na inovação e tecnologias eficientes e de baixas emissões são os principais passos a dar para que seja possível atingir as várias metas impostas, sendo que os mercados vêm alavancar essa transição, tornando-a economicamente viável.
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