Não sairemos melhores

No correr dos dias tenho me perguntado como será a primeira vez em que eu sair de casa. O último dia na rua, sozinha, fui assaltada pela janela de um ônibus. O transtorno de ansiedade se aflora, ou melhor, se espinha fincando ainda mais profundo. Não sairemos melhores.

Desculpe a negatividade. Vejo como uma racionalidade diante do real que nos apresenta dia após dia. Me sinto como Di Caprio em Ilha do Medo (recentemente assistido), buscando um mal a ser combatido quando na verdade também faz parte dele, este mal também está aqui dentro. Como Juliana de Primo Basílio, buscando regozijo no mínimo lampejo de desgraça da chamada elite. Más atitudes projetam em nós maus pensamentos. Não sairemos melhores.

Do meu privilégio de escrever frente a esta tela iluminada, de ter acesso ao emaranhado informacional online, de comer todos os dias aquilo que quero, de me deitar na cama aconchegante de uma casa. Do meu privilégio de mesmo em meio ao caos poder projetar o futuro, imaginar o amanhã em que sairei de casa pós tudo isso.

Me dilacero por aqueles que não o tem. Por anos me sentei com eles na mesa dos sonhos inviáveis. Como em O Poço, olhando a bandeja de prata com as migalhas que nos deixaram. Por consequência nos degradamos uns aos outros, os que nada tem. Os de cima permanecem satisfeitos. Hoje, olho a tela e essa fome passa, pois o ser se sobressai à preocupação de ter. Nos ocupamos nessa lógica capitalista de ter e obter e o ser ficou esquecido. Não sairemos melhores.

Não quero ser Juliana. Tão pouco perder a sanidade, presa numa ilha de medo. Nos projetaram para que, de tudo o que passamos, só nos reste como opção a primeira ou a outra. Da minha janela, olho para baixo, e sinto medo do hoje — e muito mais do amanhã. Não quero sair desse que chamo de lar, nem do abraço de braços pequenos que a vida me deu, nem do colo largo do amor que escolhi. Tenho medo. Maior por aqueles cujo sentir também é privilégio. Sei que não sairemos de nossas casas melhores.