Uma terça qualquer

Aline de Campos
@alinecampxs
Published in
3 min readMar 27, 2019

Eu amo a Avenida Paulista. Quem me conhece sabe o quanto sou apaixonada. Aqueles 2,8 km presenciaram e também foram responsáveis por grandes acontecimentos da minha vida. Sem contar seus entornos e ruas paralelas.
Lá eu trabalhei, me apaixonei, amei, chorei. Lá eu me descobri. Lá eu comi o meu primeiro temaki. Lá eu tive muitas primeiras vezes.
Ultimamente tenho passado longos períodos sem visitá-la e dessa vez decidi não perder a oportunidade de aproveitar.
É aquilo de sempre, ganho um tempo passeando nos corredores da Livraria Cultura do Conjunto Nacional, leio um pouco, conheço novos títulos, consulto preços e assim algumas horas passam. Confesso que a retirada dos puffs me entristeceu, climinha bom eles traziam. Sinto falta.
Dou aquela andada, paro no Center 3 pra usar o banheiro e me surpreendo com as mudanças. Que banheiro lindo! Realmente bem diferente do que um dia já foi. Aproveito pra comer aquele temaki só pela nostalgia.
Saindo de lá não resisto à um frapuccino da Starbucks da esquina com a Alameda Santos. Só a Paulista mesmo para me fazer comer temaki com matte gelado, frapuccino de doce de leite com base creme e coxinha com catupiry. Tudo em seguida, que fique claro. Rs. Eu não poderia perder a oportunidade de ter uma experiência completa matando a saudade.
Acompanhada de um livro maravilhoso que mesmo sendo excelente eu não consigo terminar de ler, me sinto tão bem ali. A atmosfera da Paulistinha me faz sentir livre. Encaixada. Em casa.
Minha terça-feira na avenida mais paulista de São Paulo não acabaria sem um fato curioso — daqueles que só acontecem lá.
Um rapaz de chanel loiro, aparentando ter entre 30 e 40 anos, camisa listrada social e calça jeans, veio até mim. Ele elogiava meus óculos, um modelo retrô da Chilli, minha roupa básica e apertada e a corrente de bolas dourada que trouxe de Salvador, responsável por chamar a atenção. Agradeci e ele se sentiu à vontade para conversar. Conta que tinha acabado de sair do banco, sacou R$ 500naros e foi abordado por assaltantes que ao notarem sua homossexualidade, além de roubá-lo, lhe agrediram. Ao falar da agressão apontou para algumas marcas no rosto que mais pareciam provenientes de alguma alergia. Não julgo. Diz ser um empresário famoso que está sempre na grande mídia, é dono de uma empresa que comercializa sucos detox a Green Juice Brazil. Me incentiva a pesquisar no Google, pois tem várias entrevistas suas e eu poderia checar a veracidade de sua história. Não pesquiso. Relata não ter conseguido abrir um B.O. porque na delegacia fizeram pouco caso do ataque que sofreu. Se mostra indignado como alguém tão importante como ele pode ser tratado dessa maneira por policiais: “Imagina um pobre coitado o que eles não fazem”, diz. Me pede dinheiro para poder voltar pra casa, ele diz morar em Arujá e promete me enviar um kit detox como agradecimento. Quando digo que não tenho nada — e de fato não tinha — ele se afasta rapidamente sem me olhar nos olhos.
Em seguida, sou surpreendida com um beijo na nuca, bem no estilo apaixonado de se namorar nesta avenida.
Voltando pra casa pesquiso a Green Juice Brazil, não só no Google, mas também nas redes sociais, e não encontro nada.

--

--

Aline de Campos
@alinecampxs

Jornalista, mestra em Ciências Sociais. Pesquisadora de relações raciais e de gênero, política e ativismo nas redes sociais. -> Contato: alinecampxs@gmail.com