meu martírio é o de me sentir preso a versões de mim que já não existem

Allenylson Ferreira
allenylson ferreira
2 min readSep 27, 2021

às vezes paro e penso: por que não é tão fácil pra mim também? é de todo ser humano, acredito, pensar que tudo é mais fácil para o outro — e que tudo é praticamente impossível quando se trata do nosso eu. é que geralmente, o que significa: todas as vezes, achamos que há uma conspiração divina contra nós. não é engraçado? Deus se dar ao trabalho de conspirar contra mim. meu filho, Deus tem mais é o que fazer. o egoísmo e outras coisas adicionadas a esse pecado inescapável faz com que eu me veja no papel de protagonista-vítima, sempre. então tudo que o outro faz vai sempre dar certo, porque não sei o que o outro enfrentou ou está enfrentando — talvez ele pense a mesma coisa. o sucesso depende do ponto de vista. há aqueles bons egoístas que têm certezas sobre seus sucessos, e aqueles sempre e eternamente inseguros com qualquer coisa que se comprometa a fazer, mesmo obtendo considerável êxito. vejo-me na segunda categoria.

os anos se passaram e apenas permaneci. meu martírio é o de me sentir preso a versões de mim que já não existem. os séculos passaram e permaneci sentado. quem mais se sente assim? batalho noite e dia contra vários eus que disputam a cadeira de controle da minha vida. há, também, imagens geradas diariamente, bombardeadas constantemente, que lutam para se afixar à minha imagem real, e por vezes elas quase vencem. quase.

a fórmula do sucesso, e muitos caem nela, é um deixar de ser você para ser quem os outros querem que você seja.

para lançar um livro, hoje em dia, basta apenas conquistar milhares de seguidores. se os seus seguidores são consumidores instantâneos de tudo o que você produz — e esse produzir não necessariamente envolve certo talento — , se eles estão dispostos a amar cada obviedade que você fala de modo a parecer mais descontraído e pessoal e culto, enfim, se você tiver todos esses requisitos não-requisitados-para-ser-um-escritor-de-verdade, você conquista rapidamente um contrato em uma editora consolidada. que maravilha, não é? encorajador.

o escritor pequeno e desconhecido é pequeno e desconhecido até para os seus amigos e familiares. não há reconhecimento e apoio nem entre aqueles que estão no seu círculo íntimo, salvo umas ótimas exceções — e são elas as responsáveis por você continuar escrevendo.

venço toda vez que um texto meu impacta positivamente algum amigo ou desconhecido. não importa se um, dois, três ou mil. se tiver apenas um ou dois gostando do que escrevo, continuarei escrevendo. e quando eles se cansarem da minha escrita, continuarei do mesmo jeito. talvez isso seja o sucesso.

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