vocação

Allenylson Ferreira
allenylson ferreira
3 min readDec 14, 2021

o que mata gente como eu, essa gente esquisita que escreve e traduz em palavras toda a bagunça que se passa na cabeça e coração, é não saber o que escrever, não conseguir ao menos digitar algumas frases que façam sentido. sofremos porque sempre estamos à espera da musa, mas ela quase nunca vem. e quando vem, chega em momentos inesperados. daí a urgência de parar o que está fazendo e escrever o que veio em sua mente tal como uma profecia ou uma visão ou uma mensagem enviada de outro mundo. o que mata, também, é não estar satisfeito com o que já se fez até agora. nunca estou satisfeito, sempre penso que devo deletar tudo o que já escrevi, imagino as risadinhas dos amigos todas as vezes que digo que é essa a minha vocação e o que quero fazer.

vocação. imagina o quanto tudo seria diferente se uma parcela significativa seguisse suas vocações? mas o que vejo são pessoas que anularam a si mesmas em prol de dinheiro, estabilidade, dinheiro, dinheiro, ou apenas perseguem esses ideais materialistas e morrem de trabalhar pra gente que, sem pensar duas vezes, colocariam elas no olho da rua se fosse necessário. holden caulfield estava certo, embora sua crítica fosse embalada com a rebeldia e rabugice dos adolescentes, mas a vida adulta é uma hipocrisia só. nelson rodrigues também dizia que somos nós mesmos na infância, e entre a adolescência e o início da fase adulta somos idiotas fingidos, mas que aos trinta voltamos a ser quem éramos quando criança. mas nem todos conseguem tal feito, é verdade.

talvez a escrita seja a única coisa, ou uma das únicas, que me coloca em contato com a realidade da minha vida interior e com o mundo que me cerca. mas há também idiotas que, mesmo lendo os mestres antigos, continuam sendo idiotas com certezas colossais sobre o mundo, mas vivem num mundinho ridículo de faz-de-conta em que tudo o que importa é apenas suas opiniões idiotas.

a forma como a gente encara a vida diz muito sobre quem somos. mas e se não decidirmos encarar a vida? estamos negando-a, e negando a nós mesmos. e quem nega sua vocação também está negando a si mesmo. a sociedade coloca uma pressão absurda numa pessoa que nem sabe quem é ela mesma para escolher o que fazer da sua vida nos próximos últimos anos que sua vida durar, e esses seres que não sabem o que fazer da vida, entram nesse sistema louco e batem o martelo sobre o que serão, para depois descobrirem que não são o que gostariam de ser.

dinheiro, dinheiro, dinheiro.

caberia uma crítica óbvia ao capitalismo aqui, porém minha carteirinha de comunista seria emitida por muitos dos poucos leitores que me leem. no final, o que vale ainda a pena é a escrita — mesmo que ela não tenha me dado dinheiro algum.

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