O mercado atual da fotografia

Alma
Alma Criativa

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Encantos e desencantos do cenário comercial

Não tem muito tempo que ser fotógrafo ganhou um novo patamar como profissão. Em especial no mercado de casamento e família. Os contratos de casamento custavam x, passaram a custar 5x.

Um ensaio passou a não ser apenas o brinde no contrato de casamento ou uma forma de conhecer o casal. O ensaio de família não era mais só na época de um nascimento.

Fotografar no parque, em casa, momentos do dia a dia, passou a ser motivo de contrato.

Mas nada disso aconteceu por acaso, foi resultado de muitos anos de movimentos. O avanço da tecnologia, a popularização da máquina semi profissional, o poder aquisitivo da classe média, e claro, o trabalho de alguns fotógrafos e empresas de fotografia, que tornaram a fotografia objeto de desejo.

Milhares de pessoas se tornaram fotógrafas. A brincadeira do final de semana ganhou respeito como profissão, e para alguns, uma segunda atividade! A economia se movimentou.

E paralelo, o empreendedorismo criativo também crescia. A filosofia de “fazer o que se ama” ganhava o mundo. E nessa filosofia, não apenas ser fotógrafo era bacana, mas ser um fotógrafo descolado era essencial! Ser engajado e fazer “por amor” era o novo status da nossa sociedade. [Como se “ao fazer o que se ama”, não fosse necessário remuneração…]

Mas com o tempo, essa filosofia do “eu amo fotografar, não é pelo dinheiro” criou um problema.

Os clientes descobriram que ser descolado era motivo de negociação. E muitos fotógrafos passaram a confundir a profissão com lazer.

Era comum ver anúncios: “procuro pessoas que topem posar para um ensaio diferente…” e não mais fotografar amigos e colegas pra montar um portfólio.

Nos pedidos de orçamento “meu casamento vai ser incrível”, era uma forma de barganhar desconto. Algumas pessoas negociaram a própria beleza. (Tempos difíceis pra quem não era hipster, o perfil preferido da maioria dos fotógrafos).

Um ensaio bacana, um casamento diferente, festa “irada”, tudo isso era moeda mais valiosa que o Real no mercado fotográfico.

Um trabalho fora do Brasil então? melhor ainda! Bastava pagar as despesas pro fotógrafo sair da cidade e voltar assinando um “destination wedding”.

Nessa época as encadernadoras gringas eram as queridinhas, muitos fotógrafos sofreram com a briga do “pagar ou não imposto” e as greves da Polícia Federal.

Mas a indústria nacional acordou, passaram a apostar em álbuns melhores, personalizados, investiram pesado em maquinário, surgiram grandes diagramadores também. O mercado todo aqueceu e cresceu. Foi incrível!

Muitos nomes e marcas que hoje em dia são enaltecidas, naquela época engatinhavam nesse caminho.

Os fotógrafos aprendiam trocando emails, indo a cafés, passeios fotográficos… As blogueiras pediam fotos, precisavam de conteúdo. As lojas eram indicadas por serem boas, não existia jabá pro fotógrafo falar de algum fornecedor.

Foi um momento de ouro. A fotografia comercial — e o vídeo também — viveu tempos de fartura e orgulho.

Um único fotógrafo passou a fazer 4/5 casamentos por mês, agenda lotada e bons contratos. Os fotógrafos de família também tinham um bom reinado…

Mas… de repente a fartura passou, o orgulho ficou e a vaidade se alastrou.

De uns dois anos pra cá as coisas mudaram novamente.

Tínhamos apenas um ou dois congressos, hoje temos dezenas…

Os Congressos eram poucos e especiais, criados por empresas que realmente sabiam o que estavam fazendo. Havia um propósito, não era apenas lucrar com o crescimento do mercado.

Quem sabe separar o joio do trigo, hoje percebe a diferença entre os Congressos que temos espalhados pelo país. Infelizmente, a palavra “Congresso” nem sempre está ligada a um bom evento, tampouco um evento preocupado com ensino.

E pra se ter uma idéia disso, a curadoria dos palestrantes é algo tão complicado que até fotógrafo com perfil fake pra atacar colegas vai palestrar, e aposto que nem os organizadores sabem que estão enaltecendo alguém assim.

Lobo em pele de cordeiro? Esse ano teremos!

Isso me leva a entender que o palco de muitos eventos virou lugar pra quem tem uma boa influência entre a nova geração.

Nesse novo cenário as “Associações” também vieram com tudo.

Ser premiado passou a ser uma forma de “prestígio” entre fotógrafos.

… opa, “entre os fotógrafos”? — Pois é.

Agora veja que curioso. De acordo com Battisti & Denuzi, “o associativismo serve para potencializar a competitividade dos empresários que decidem cooperar/associar-se e consequentemente, aumenta as suas oportunidades de crescimento profissional individual e coletivo.”

Um dia vou escrever especialmente sobre esse tema, afinal, o prêmio é sim uma estratégia boa para o marketing com o cliente. Mas quero apenas falar sobre o impacto das Associações para o endeusamento nesse universo de estrelas que vivemos hoje.

Se eu fosse me associar eu com certeza pediria o Estatuto, pra entender melhor os objetivos: Que benefícios terei como associado? O resultado do concurso gera clientes? A Associação promove exposições dessas fotos pra que o público tenha acesso? Existe propaganda em revistas pra que o consumidor final conheça os fotógrafos ? Alguma campanha, mesmo que digital, pra que a fotografia seja valorizada fora do meio fotográfico? Que atitudes são tomadas pra que o mercado possa crescer entre os clientes e não entre fotógrafos? Que iniciativas são tomadas pro crescimento do setor, de forma individual e coletiva?

Eu só entraria se os pontos fossem satisfatórios. E cobraria pra que o associativismo fosse de fato a realidade. Ter fotos premiadas, mesmo que dezenas, pra mim, não é o que mais importa. Importa é ter clientes, estar feliz com o que eu faço.

Mas a verdade é que talvez nem exista Estatuto. Trabalhei alguns anos como consultora legislativa, e tem um detalhe: o Código Civil determina que uma Associação não deve ter fins econômicos.

“Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.” Código Civil.

E diante disso, pra mim fica a dúvida: São realmente Associações ou empresas com o nome fantasia de Associação?

Cabe reforçar que não tenho nada contra o uso do nome fantasia, se moralmente a empresa está preocupada com o associativismo, tudo bem usar o nome! E se até hoje não se atentou a isso, é hora de repensar.

Outro fator que acho curioso, é o endeusamento dos associados.

Mesmo que você leia por aí um fotógrafo agradecendo — inclusive a Deus — por ser aceito em alguma Associação, ele não é um eleito entre os Deuses do Olimpo, ele pagou uma inscrição pra ser membro.

E pra quem não sabe, além dessa taxa de inscrição, as vezes revertida em benefícios como um clube de descontos, os concursos também são pagos. Não é nenhum mistério, é ter perseverança e um bom trabalho.

As Associações, não por culpa delas claro, mas por conduta do ser humano, favoreceu um cenário de aclamação entre fotógrafos e não de respeito e admiração entre clientes. E isso é triste pro mercado.

Muitos fotógrafos usam as premiações como moeda para negociar prestígio, ou valorizar o seu passe. E poucos são aqueles que usam as premiações de forma positiva entre seus próprios clientes e público-alvo. Claro que os prêmios podem e devem, valorizar a fotografia no mercado. Pra mim, é o papel dele, aliás. Mas é o fotógrafo que precisa fazer o marketing após ganhar o prêmio.

Mas enfim, voltando ao papo… lembram que comentei lá no início que a fotografia passou a ter muito valor para os clientes? Mudou!

Culpa da crise? não exatamente.

Um workshop de dois dias rende o lucro de uns 10 casamentos, talvez até mais, e o custo x benefício em horas trabalhadas é bem melhor, claro! Fica fácil entender que os fotógrafos resolveram apostar nos fotógrafos. E tem mesmo que aproveitar. Lei da oferta e da procura, é o mercado.

[ Antes de algum mimimi sobre isso, não sou contra cobrar pra ensinar, de forma alguma! Eu ensino sobre carreira, fotografia, arte, empreendedorismo… e cobro! Criei um projeto por acreditar no ensino! O que eu questiono é a relação que existe hoje. O que é vendido de fato.]

Sou procurada por fotógrafos em colapso emocional depois de participarem de vivências que detonaram sua capacidade criativa e motivadora. Acompanho a carreira de fotógrafos que quase desistiram de tudo após ouvirem críticas absurdas. E pior, muitos “professores” chegam a comentar que é frescura do aluno quando ele reclama.

As pessoas criticam o outro e não enxergam que estão presos a projeção. Projetam nos alunos seus próprios dilemas, projetam na fotografia suas ambições e dramas. Mas acham que todos crescem profissionalmente quando são confrontados e violentados emocionalmente. [ Se o Conselho de Psicologia soubesse o que rola nesses eventos e workshops, certamente tomaria uma providência urgente! ]

A verdade é que não se trata nem da “Indústria do Conhecimento”, é a “Indústria das experiências”. Os fotógrafos que ganhavam muito bem fotografando, passaram a ganhar muito bem dividindo experiências.

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Pra quem busca faturar com esse mercado, a fórmula é bem simples: tenha influenciadores e faça um curso de oratória.

Aí você pode subir em um palco, dar palestra e depois lançar seu workshop.

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Ok, não é apenas nosso mercado que sofre com isso. Se você não leu o artigo: Os empreendedores de palco, deveria. Retrata o momento que vivemos atualmente.

Claro que eu fico feliz por esse cenário do aprendizado na fotografia! Temos hoje no mercado milhares de novos fotógrafos, que mesmo com um ano ou meses de carreira, já tem domínio da técnica. A fotografia se popularizou, deixou de ser privilégio de poucos!

A questão é que todo endeusamento me faz lembrar um pouco Leviatã, de Thomas Hobbes, em 1651. “Conhecimento é poder”.

E por um ironia do destino, estamos vivendo um declínio na relação entre fotógrafo e cliente. E muitos sofrem com a crise que criaram.

Mas vamos analisar friamente a situação?

Os novos fotógrafos vão pro mercado, fazendo direitinho a parte técnica, exatamente como aprenderam no workshop … E no workshop não é ensinado sobre processo criativo, descoberta de identidade, é ensinado “como fazer tal qual o próprio fotógrafo”, afinal, as pessoas compram pra aprender “como fulano faz”.

Dirigir, editar, tratar, atender, vender, o aprendiz sai de lá cheio de truques e repetindo o processo do artista. É comum olhar uma foto e saber “fez workshop de fulano”.

Só que os novatos cobram muito menos que seus “mestres”, acreditam que não estão ainda aptos a cobrar bem. Por “estar começando” o novato cobra menos, mesmo que a própria fotografia, como produto, esteja a altura do professor.

Agora imagina. Se tudo é tão parecido, e muitas vezes nem quem é do ramo saberia diferenciar sem olhar a assinatura, imagina o cliente? A identidade do fotógrafo, que antes agregava valor para a fotografia, passa a ser banalidade.

Assim, seguindo essa lógica, dá pra perceber que o mercado perdeu muito com isso! Os valores despencaram, os profissionais passaram a leiloar mão de obra, liquidaram o próprio diferencial.

O “mestre” passa a não ter tantos casamentos, e passa a cobrar x naquele casamento que ele mesmo ralou pra cobrar 5x. Antes ele dominava o mercado, e agora perde clientes pro aluno. A marca dele já não vale mais pro cliente, afinal, nos últimos tempos seus clientes se tornaram os fotógrafos e a marca perdeu valor pro cliente.

Reconheceu esse cenário? Tem acontecido no Brasil de norte a sul.

E falo tudo isso porque prestei consultoria pra muitos profissionais desse mercado, tanto novatos quanto “seus professores”, é um cenário que conheço dos bastidores.

Muitos fotógrafos estão nos Congressos e workshop falando do quão bem sucedidos são, mas na verdade estão com a vida de cabeça pra baixo.

A maioria financeiramente fatura muito mais ensinando e não fotografando. A prosperidade não vem exatamente da relação dele como fotógrafo pro cliente. Aliás, raros fotógrafos são empresários bem sucedidos na prestação de serviço como fotógrafo. A grande maioria, seja novato ou não, tem muita dificuldade com a carreira.

E eu acho cruel quando um fotógrafo mal paga suas contas com a fotografia, mas incentiva a carreira de um colega como se fosse fácil vender a própria arte.

Acho triste quando vejo que um fotógrafo cobra um valor super baixo para fotografar, pois ganha muito bem com turmas de workshop.

É complicado quando um fotógrafo se posiciona como um cara cheio de clientes, uma fanpage cheia de curtidores, mas no fundo não é bem assim.

E confesso, já tive meus tempos de ira com tudo isso! Hoje tenho outro pensamento.

Acredito que o homem é capaz de destruir o próprio homem. Como dizia Tito Mácio, 200 a.C: “Homo homini lupus”, o homem é o lobo do homem.

Eu tenho esperança que esse tempo dos aplausos e da compra de fórmulas mágicas vai passar, que vamos viver a era do reconhecimento do ensino.

Acredito que os “aprendizes” vão começar a cobrar conteúdo ao pagar por ele. Que vão questionar experiências e não apenas consumi-las como verdade. Que vão aprender que é preciso esfolar o joelho pra aprender a andar!

Uma passagem interessante de Leviatã, no Capítulo VI, diz assim:

A alegria ao saber de uma novidade chama-se admiração; é própria do homem, porque desperta o apetite de conhecer a causa. A alegria proveniente da imaginação do próprio poder e capacidade é aquela exultação do espírito a que se chama glorificação. A qual, quando baseada na experiência de suas próprias ações anteriores, é o mesmo que a confiança. Mas quando se baseia na lisonja dos outros, ou é apenas suposta pelo próprio, para deleitar-se com suas conseqüências, chama-se vanglória. Nome muito apropriado, porque uma confiança bem fundada leva à eficiência; ao passo que a suposição do poder não leva ao mesmo resultado, e é portanto justamente chamada vã.

Eu resolvi escrever tudo isso, embora seja indigesto, por um único motivo: precisamos retomar o valor da fotografia no mercado!

Vamos ter uma avalanche de workshop nos próximos dois meses, meu conselho pra quem vai ser aprendiz: antes de comprar um curso, pense bem.

Será que não te falta apenas coragem, confiança e força pra seguir seu caminho e acreditar no seu trabalho?

Seja franco, você precisa mesmo de mais um workshop? Será que tantos certificados é que vão te tornar um bom fotógrafo?

Será que a sua capacidade de mostrar seu talento não está minada por essa indústria? Será que sua falta de confiança não tem muito mais a ver com problemas dentro de você do que com a fotografia?

Será que você precisa pagar pra aprender sobre respeito, caridade, amor?

Que tal fazer um trabalho voluntário? Que tal usar o que você sabe, mesmo que seja pouco conhecimento técnico, e ir pra um asilo, uma creche? Doe a sua fotografia pra quem não pode pagar por ela, não faça fotos apenas para personagens de portfólio. A gratidão é uma moeda mais valiosa do que você imagina, a doação pra quem precisa vai fazer a energia da sua fotografia se conectar ao valor dela. De amor genuíno, de retratar um ser humano.

Que tal aprender praticando com pessoas que vão valorizar cada detalhe e você vai aprender sobre a importância da fotografia, como memória, de um jeito inesquecível. Isso é experiência, e não precisa pagar por ela!

Quer aprender sobre ensaio feminino e empoderamento da mulher? Que tal usar suas fotos pra resgatar mulheres em abrigos, vítimas de violência doméstica? Empoderar mulheres lindas e tatuadas com a fotografia é um caminho bem simples, tenho certeza que você pode muito mais!!

Mesmo assim você acha que precisa aprender mais? Que tal buscar na sua cidade outros fotógrafos pra trocar experiências? Busque um colega, procure quem é bom naquilo que você não é! Marquem uma vez por mês e troquem aprendizado. Estudem juntos, se cobrem, se apoiem, pesquisem, saiam pra fotografar, treinem! A gente cresce quando compartilha.

Nada disso resolveu? Ainda assim quer ir ao workshop de fulano? Meu ultimo conselho pra você: Contrate fulano como fotógrafo.

A melhor forma de aprender com um fotógrafo é ser fotografado por ele. Assim você não vai ouvir uma palestra pronta, não vai ouvir falar de fórmulas e nem de dicas, você vai aprender na prática. E mais, vai ser tratado como cliente e vai entender sobre como ele trabalha, do inicio ao fim.

Outra coisa, se você está começando agora, não olhe fotos dos seus ídolos hoje pensando: “caramba como são incríveis”. Pense bem, eles estão no mercado desde quando? Você já viu fotos de quando ele estava no mesmo patamar que você está hoje? É cruel com você mesmo se cobrar dessa forma! Comparar dois pesos, duas medidas.

Uma carreira bem sucedida é questão de tempo, dedicação e coragem. Não tem atalho nesse caminho!

E por último, o mais importante, cuidado com imersões e vivências que no fundo te fazem entrar em contato com suas mazelas, suas dores. As pessoas são capazes sim de emocionar você, te tocar sua alma, mas será que são capazes de tratar as feridas abertas?

O preço a se pagar por um trauma é bem mais alto que uma falta de sucesso na carreira. Acredite.

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Alma
Alma Criativa

É preciso abandonar quem éramos, encontrar quem somos, para ser quem desejamos.