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Seja seu próprio banco. Conhecendo as finanças descentralizadas (DeFi)

Patrick Silva
Alpes das Criptos
Published in
6 min readJan 25, 2023

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Já imaginou ser seu próprio banco, mantendo a custódia do seu dinheiro e gerando rendimentos de um modo mais eficiente e por meio de serviços inacessíveis no mundo das finanças tradicionais? Claro que as grandes conquistas exigem grandes responsabilidades, mas o futuro das finanças começa a ser reescrito com a tecnologia das blockchains e das criptomoedas.

O mundo conhecido como DeFi (Decentralized Finance) — Finanças Descentralizadas — vem ganhando cada vez mais força e adeptos pelo mundo.

Antes de falarmos sobre DeFi primeiro vamos falar sobre o conceito de finanças. De modo simples, finanças se refere à criação, gestão e investimento de dinheiro e ativos financeiros. E existem muitos tipos diferentes de ativos/instrumentos financeiros e serviços financeiros que nós usamos diariamente. Por exemplo, depósitos bancários, ações, títulos, empréstimos, derivativos, seguros, etc.

Primeiro, vamos ver como tradicionalmente as finanças são feitas. Basicamente, temos instituições financeiras centralizadas que nos fornecem esses serviços financeiros. Existem diferentes tipos de instituições, dependendo do tipo de serviços que prestam, como bancos, seguradoras, empresas de gestão de fundos e assim por diante.

Todas essas instituições são caracterizadas por alguns pontos em comum. Em primeiro lugar, normalmente, as instituições financeiras possuem custódia de clientes, fundos e ativos. Por exemplo, o seu dinheiro fica na sua conta bancária vinculada a uma instituição. Essencialmente, a custódia fica sob a responsabilidade de um banco. Essas instituições financeiras, servem como intermediários para transações envolvendo o seu dinheiro. Se você quiser transferir dinheiro da sua conta bancária para a conta bancária de outra pessoa, o banco fará essa operação por você.

Essas instituições financeiras centralizadas por manterem a custódia do dinheiro, detém o poder sobre ele. Ainda que dentro da legalidade, por exemplo, eles podem censurar as transações, barrando que o dinheiro seja transferido de uma conta para outra ou mesmo estabelecendo limites máximos de valores ou horários para transferências.

Em um mundo de instituições centralizadas os clientes geralmente não têm privacidade com relação aos provedores de serviços. Então, por exemplo, é conhecida a identidade real de cada pessoa e também conhece as informações completas das transações realizadas. Todas as informações ficam registradas em bancos de dados e aplicativos privados. Esse tipo de modelo exige uma relação de confiança entre os clientes e as instituições financeiras, afinal, eles estarão custodiando os seus recursos e registrando seus dados.

Historicamente, o conceito de DeFi está ligado à própria história das criptomoedas, sobretudo, à “mãe” de todas elas, o Bitcoin. Em novembro de 2008, um anônimo conhecido como Satoshi Nakamoto, publicou um artigo intitulado “Bitcoin: Um Sistema de Dinheiro Eletrônico Peer-to-Peer”, que vem mudando a história das finanças.

Resumidamente, a partir daquele momento surge um tipo de tecnologia que conhecemos como Blockchain.

Blockchain é uma espécie de livro de razão pública (ou livro contábil) que faz o registro de uma transação de moeda virtual, de forma que esse registro seja confiável e imutável. Ela registra informações como: a quantia de moedas transacionadas, quem enviou, quem recebeu, quando essa transação foi feita e em qual lugar do livro ela está registrada. Isso mostra que a transparência é um dos principais atributos da blockchain.

A partir de 2014, sobretudo com a difusão dos chamados contratos inteligentes (smart contracts) na blockchain do Ethereum, o conceito da auto-custódia se fortaleceu. Os contratos inteligentes são programas de computador capazes de serem executados ou de se fazer cumprir por si só, formalizando negociações entre duas ou mais partes, prescindindo de intermediários centralizados. Dessa forma, diferentes tipos de aplicações podem ser desenvolvidas.

Neste contexto de blockchains e contratos inteligentes surge o conceito de DeFi, ou seja, as finanças descentralizadas. Para ser considerada uma aplicação financeira descentralizada (serviço descentralizado) consideramos basicamente dois pontos:

  • O usuário tem que ter a custódia do seu próprio recurso (moeda/dinheiro);
  • O usuário deve poder realizar uma transação, envolvendo seu próprio dinheiro, sem depender da autorização/censura de outra pessoa ou instituição;

Fazendo uma comparação entre as chamadas Finanças Centralizadas (CeFi) e as Finanças Descentralizadas (Defi) podemos destacar algumas diferenças. As finanças centralizadas tradicionais, tratam-se de um sistema de permissão. É preciso aprovação e acordos para que terceiros usem esses os serviços financeiros, além disso, a custódia do dinheiro não fica a cargo dos clientes.

Os serviços financeiros tradicionais são construídos em cima da confiança centralizada e da governança. Cabe ao provedor do serviço financeiro tomar decisões relacionadas aos serviços. E também para usar esses serviços financeiros, além de autorização, precisamos fornecer identidade real (não há privacidade).

Já as finanças descentralizadas (DeFi) possuem características distintas. Essencialmente, este é um novo tipo de infraestrutura financeira baseada em protocolos altamente interoperáveis, construída em cima da plataforma pública de contratos inteligentes. No mundo DeFi existe um alto grau de descentralização dos serviços.

Primeiro, os usuários têm controle total de seus ativos financeiros. Neste caso, eles têm a custódia de seus ativos (o dinheiro fica armazenado na blockchain e somente o usuário por meio de uma chave privada (uma espécie de senha) consegue ter acesso).

As transações, envolvendo o dinheiro, pode ser realizadas sem a permissão/censura de intermediários. Podemos dizer que no mundo DeFi, o controle se dá, de fato, por usuários individuais. Os aplicativos e serviços são construídos em cima de confiança e governança descentralizadas. Além disso, existe privacidade, já que os usuários, muitas vezes, não fornecem sua identidade real.

Cabe destacar que privacidade não envolve, como muitos podem pensar, falta de transparência. Toda as transações feitas ficam armazenadas na blockchain e não podem ser jamais apagadas e/ou alteradas, estando disponíveis para verificação pública. Qualquer pessoa pode inspecionar este mercado e verificar sua execução e estado do sistema e, portanto, verificar a execução dos serviços financeiros a qualquer momento.

Sem entrar em muitos detalhes por conta da complexidade do tema, no mundo das finanças descentralizadas os usuários comuns podem ter acesso a uma série de serviços que tendem a potencializar seus lucros (que neste caso, não vai para um intermediário — instituição centralizada). Por isso, dizemos que o usuário passa a ser seu próprio banco (cabe a ele também a responsabilidade da custódia de seus ativos, bem como o recebimento direto de possíveis lucros).

É possível, por exemplo, ser um formador de mercado (disponibilizando seu dinheiro para trocas entre diferentes moedas, recebendo taxas por isso), é possível tomar empréstimos a juros menores (não há uma instituição lucrando), pode-se disponibilizar seu dinheiro para empréstimo e receber taxas de outras pessoas, é possível ser um provedor de liquidez… E existem uma série de outros serviços financeiros do mundo centralizado que já é replicado pelos contratos inteligentes e acessível para qualquer pessoa a partir de qualquer quantia.

Além disso, outros serviços financeiros são ofertados e que não existem equivalentes no mundo “real” centralizado. Um conceito bem interessante é o chamado “Money Legos”. Money legos é um termo muito comum no setor de finanças descentralizadas (DeFi), pois se refere à capacidade de sair “encaixando” e unindo serviços parecidos a fim de criar um sistema robusto, completo e mais lucrativo.

Dadas as suas vantagens, o DeFi segue crescendo um ritmo acelerado. Conforme pode ser visto nos gráficos abaixo, o valor total alocado no DeFi atualmente, ultrapassa os 73 bilhões de dólares (em em alguns momentos esse valor já esteve acima de 100 bilhões), e o número de pessoas que utilizam esses serviços já está próximo dos 4,5 milhões.

O mundo DeFi segue em tendência de crescimento e estar dentro dele pode representar muitas oportunidades.

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Patrick Silva
Alpes das Criptos

Professor de tecnologia, doutor (USP) e mestre em Computação (UfsCar). Autor do livro "Carreira sem atalhos" e de textos sobre carreira, tecnologias e educação