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8 min readMay 21, 2019

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Por que mudar?

Apesar de termos quebrado várias barreiras referentes a padrões de beleza, ainda nos sentimos pressionados/as a nos enquadrar nos padrões impostos pela sociedade. Parte da culpa de sempre buscarmos a perfeição é a constante exposição de vidas e corpos perfeitos nas redes sociais. Que atire a primeira pedra quem nunca teve vontade de mudar alguma coisa do corpo! Diversos são os motivos pelo qual sentimos a vontade de querermos mudar algo em nossa fisionomia. Para o psicólogo Cassiano Carlos Antônio de Oliveira, o grande motivo pela qual as pessoas se submetem a cirurgias plásticas é a incansável busca pelo corpo perfeito: “Existe um imperativo do corpo escultural e hoje existem inúmeros procedimentos cirúrgicos que possibilitam tal processo. Quando passa a existir este recurso em relação ao desejo de um corpo ‘padrão’, a questão estética passa a ser um problema técnico, passível de ser corrigido. É como se a feiura fosse uma questão técnica da qual o ‘feio’ é colocado na posição de desleixo consigo mesmo por não usufruir dos benefícios das técnicas cirúrgicas de embelezamento”, explica.

De acordo com Laurindo Sato, cirurgião plástico há 34 anos, os/as optantes pelas plásticas procuram reparação e/ou “melhoria” estética. A contadora Vitoria Maria passou por um procedimento de reparação quando tinha apenas 16 anos. Foi uma mamoplastia redutora –, ou seja, uma cirurgia para a diminuição dos seios. “Meu peito era muito grande e flácido. Além de me dar muitas dores nas costas, isso afetava minha autoestima. Depois que passei pela redução, eu me senti outra pessoa. Minha autoestima aumentou e as dores nas costas diminuíram”, relata a contadora. Já a professora Claudia Valéria, de 42 anos, que passou por uma abdominoplastia — um procedimento estético que remove a gordura excedente do abdômen — também afirma ter se sentido melhor após o procedimento. “Decidi fazer a cirurgia porque eu não me sentia confortável com o meu corpo. Depois que eu passei pela abdominoplastia, percebi que minha autoestima melhorou bastante e passei a me sentir bem comigo mesma”, confessa.

Apesar desses depoimentos, o cirurgião plástico Luiz Anízio Wanna acredita que as pacientes mais frequentes são mulheres com depressão. Para ele, elas “querem usar a cirurgia plástica como uma válvula [de escape]. São mulheres que passam por traições, e, na cabeça delas, realizar cirurgia plástica fará o marido voltar para ela”. E, por melhor que seja o resultado do procedimento, se o parceiro não retornar, a cliente não ficará satisfeita. Para Wanna, “isso pode levar a paciente a um alto grau de depressão”. O também cirurgião plástico Guilherme Scheibel frisa que outras razões podem levar aos procedimentos: “existem pessoas que são extremamente perfeccionistas, infelizes com outros aspectos da vida, com expectativas irreais”. Estas são resultado de imaturidade emocional, e, por isso mesmo, o risco de insatisfação pós cirurgia é muito maior. “Não operá-las é a melhor escolha tanto para o médico quanto para o paciente”, argumenta.

Nessa corrida por uma melhor autoestima, a psicóloga Andrea Xavier faz um alerta: apesar da procura pela Cirurgia Plástica fazer parte sim de um conjunto de fatores que podem melhorar nossa autoimagem, ela não pode ser feita de maneira impensada. Ela frisa que “tudo isso deve ser muito bem planejado e conversado com o profissional”. Por isso, “é necessário, antes de qualquer decisão, buscar profissionais sérios e capacitados, entender o porquê da busca pela cirurgia plástica e entender que para se ver bem por fora é necessário estar bem internamente”.

Para entender melhor a dinâmica entre paciente e cirurgião/ã plástico/a, conversamos com o médico José Carlos Zanini Júnior. Ele esclarece as maiores diferenças das plásticas de hoje e de antigamente, os procedimentos mais feitos e seus riscos, entre outros. Escute:

Quando a plástica dá errado

Apalavra “sonho” costuma fazer parte do cotidiano de muitas pessoas. Afinal, quem nunca teve um? Nem que seja aquele de padaria, feito de massa e recheio. Ou o que ocorre no meio de um sono qualquer. Existe ainda outro tipo de sonho: aquele que se sonha acordado. Quem tem esse tipo de sonho, anseia, deseja, e por vezes, planeja e corre atrás. Dá para sonhar com lugares, pessoas, e, até mesmo, com um novo eu. Aqui, entra em cena a cirurgia plástica, prometendo a mudança tão almejada. Mas e quando o sonho dá errado e acaba se transformando em pesadelo?

Talita Peixoto é esteticista e técnica de enfermagem. Sonhou com a hidrolipo durante um tempo, e no anseio de resolver logo seu “problema”, procurou um médico. A cirurgia, que fica em torno de R$ 4000, foi de abdômen total, culote e flancos. No entanto, o resultado não foi o esperado. “O culote foi o que ficou menos pior. Mas o lado esquerdo tem até hoje um buraco enorme”, expõe. Seu médico ainda deixou de realizar a parte superior do abdômen e quis cobrar mais R$ 900 pelo reparo. “Não achava justo ter que pagar por uma região que não tinha sido feita”, critica. No fim, Tatiana reclamou seus direitos, mas acabou tendo que pagar R$450 pela taxa de enfermagem. “Não indico ele [o médico] para ninguém. Não processei, mas deixei de lado. Nem na revisão eu voltei mais”, confessa.

Márcia (nome fictício) passou por um trauma parecido: tinha cerca de 60 anos quando resolveu fazer mamoplastia. Procurou, então, o mesmo médico que havia feito uma lipoaspiração em sua filha um ano antes. Tudo ocorreu bem na cirurgia — o problema veio depois. Após uma semana, Márcia acordou com um hematoma que ia da lateral de um seio até a região das costas. Ao ligar para o médico, ele foi até sua casa e realizou drenagem sem anestesia, dizendo se tratar de um acúmulo de líquido. Com o tempo, o local infeccionou e ela precisou tomar remédios durante um mês. Quando Márcia decidiu procurar outro médico, se deu conta da dimensão do problema. Seus dois seios haviam necrosado, e ela precisaria passar por uma nova cirurgia, agora de mastectomia — a remoção dos seios. Na segunda cirurgia, Márcia perdeu a auréola dos dois seios, e meses depois precisou fazer uma tatuagem refazendo esses formatos. Sua neta lembra as colocações do médico que realizou esse procedimento reconstrutor: “Ele disse que havia pedaços de linha emaranhados dentro do seio e que estava uma ‘bagunça’”, relata. Meses depois, a família soube que o CRM do primeiro médico foi cassado e ele estava foragido.

Os casos acima podem causar espanto, mas não são tão raros assim. Em casos extremos, pacientes têm complicações sérias e acabam morrendo. Por isso, quem decide fazer uma cirurgia plástica precisa seguir uma série de recomendações, como fazer exames pré-operatórios, conhecer o hospital e procurar um médico membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) ou especializado em cirurgia plástica. Além disso, é preciso ser consciente de que o pré e o pós-operatório são tão importantes quanto a operação em si. Preparação e cuidado são a chave, pois, desse sonho, não dá para simplesmente acordar.

Eu odiava me olhar no espelho. Durante a adolescência, passei por algumas consultas para checar de estava tudo certo. Tive um estirão e tudo começou a aumentar. Peso, altura, mãos, pés, e, principalmente, os seios. O que mais me marcou foram os seios. Dentre as colegas mais próximas, eu tinha os maiores. Estamos acostumadas a desejar seios robustos. As pessoas gostam, ouvia. Eu não gostava. Detestava a dor ao fim do dia como se eu tivesse carregado o mundo inteiro nas costas. Odiava a busca incansável por sutiãs e biquínis que fossem servir; botões das camisas que não fechavam; o desconforto ao ficar sem sutiã em casa; ter vergonha de me trocar na frente de outra pessoa. Essa última foi ainda mais difícil, afinal, dividi o quarto com a minha irmã a vida inteira. Para ser mais precisa, desde 2006. Até o começo deste ano, ela nunca tinha me visto sem sutiã. Poderia listar mais alguns dos vários motivos por eu não me sentir bem no meu corpo.

A dor de não ser feliz no meu corpo era maior que o medo da cirurgia plástica. Com 18 anos, conversei com minha mãe sobre o assunto e disse que gostaria de fazer uma mamoplastia redutora. Não aguentava mais. Para minha sorte, meus pais foram bem encorajadores. Me levaram à primeira consulta com o médico para checar a necessidade e como deveria ocorrer o procedimento. Hoje rio dessa consulta, mas, na época, lembro do meu nervosismo enquanto esperava na sala de espera. Será que ele faria a cirurgia? Isso era realmente necessário? Ficar sem roupa na frente de pessoas me dava um calafrio. Felizmente, o médico apoiou a minha decisão. Saí do consultório feliz. A vergonha de ter ficado sem roupa foi para longe.

Por questões financeiras e meu ingresso na faculdade, o procedimento demorou a ocorrer, mas, em janeiro deste ano, uma semana após meu aniversário de 22 anos, estava pronta. O procedimento teve duração de 7 horas. Já estou há alguns meses em recuperação. Assim como na primeira consulta, saí do hospital feliz. Muito feliz. Muito dopada, mas, principalmente, muito feliz! A felicidade ao ver o resultado, depois de alguns dias de repouso e o tempo para os seios desincharem, não dava para ser medida. Estou no quarto mês e o sentimento é mesmo. Roupas que não usava a algum tempo já estão de volta na arara. E, o mais importante: o sentimento de me olhar no espelho e não odiar o que eu vejo é fascinante.

Amanda Ferelli, 22, repórter do ALT

Elaboramos uma lista das transformações mais marcantes em celebridades. Confira:

Além do aspecto físico, questões relacionadas à personalidade são parte da decisão por fazer uma cirurgia plástica. Entre elas, está a vaidade. Dos bons atos de solidariedade ao próximo até os retoques na aparência, esse traço está presente em nossas vidas — seja de maneira positiva ou negativa. No entanto, quando exacerbada, essa vaidade deixará de se restringir ao cuidado consigo e com o próximo. Ela caminha para a insatisfação pessoal: a busca pela perfeição. Em uma sociedade em que “a beleza interior é que importa”, é irônico que tantas portas sejam abertas por uma aparência harmoniosa, e, muitas vezes, mainstream. E isso não ocorre apenas na vida amorosa. Oportunidades profissionais também nascem de uma boa apresentação pessoal.

Tudo isso contribui para a insegurança dos que sentem que devem mudar algo em seus corpos. Assim, o número de cirurgias plásticas não para de aumentar. Mesmo em meio a diversas crises, o Brasil é o segundo em maior quantidade de intervenções plásticas no corpo. Em comparação ao ano de 2014, 2018 teve aumento de 8% no número de reconstruções motivadas apenas por questões estéticas.

É importante alertar sobre os riscos de se fazer cirurgias plásticas. Muitos são os casos de pessoas insatisfeitas e até mesmo de total insucesso na conclusão cirúrgica. Alguns procedimentos podem ser fatais. Apesar de ideias e discursos empoderadores, que podem coagir o indivíduo a repensar a realização de uma plástica, muitos são os casos em que ele/a só se verá satisfeito/a consigo após a cirurgia. Por isso, é bom seguir a dica da psicóloga Andrea Xavier, citada anteriormente: sentir-se bem internamente. Isso pode se apresentar de diversas formas: terapia, exercícios físicos, alimentação saudável, e, se for o caso, procedimentos estéticos. O necessário é se auto aceitar. Sendo assim, antes de se optar por algo que pode ser irreversível, como é o caso de algumas cirurgias, é recomendado procurar o auxílio de um psicólogo ou psiquiatra. Afinal, o suposto problema pode estar distante das opiniões externas, e presente apenas dentro de nós.

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Reportagens hipermidiáticas feitas pela equipe do ALT. Uma produção da Agência Brasileira de Jornalismo (ABJ).