ALT
ALT ABJ
Published in
10 min readNov 1, 2019

--

Aconteceu. E agora?

A janela estava aberta enquanto Amanda fazia seus doces. Naquela manhã, iluminada pelo recente nascer do sol, ela se inspirava em trabalhar mais uma vez para garantir a renda mensal. Um ano atrás, havia decidido não depender mais de seu pai. Sua mãe vivia em outra cidade, e a ajudava quando podia. Amanda morava sozinha, e, com a venda dos doces, conseguia o valor — muitas vezes, acima do necessário — para se manter.

A venda dos doces ia bem, assim como seus planos financeiros. Os estudos estavam em dia, e a rotina com os amigos e em casa seguiam o mesmo ritmo. Era mais uma semana normal, como qualquer outra. O que ela não esperava naquele final de semana era conhecer ele.

O que era pra ser apenas um encontro casual de um final de semana e nada mais deixou consequências que se prolongam até hoje. Uma gravidez inesperada a fez ficar confusa em como dividir o dinheiro dos doces com seu futuro bebê. E agora? Numa infeliz coincidência, as vendas caíram durante os meses da gestação. A jovem ficou sozinha e desejava permanecer assim, mas teve que buscar ajuda de seus pais nos primeiros meses após o nascimento de seu filho. O casamento às pressas não durou muito. Tudo dependia apenas dela.

Foram alguns meses de recuperação e ajuda dos seus pais para que Amanda e o pequeno Gabriel pudessem engatinhar sozinhos na vida. Não foi fácil. Horas extras de trabalho deixavam a jovem mãe longe do pequenino. Várias aulas não foram estudadas como deveriam, pois Amanda não conseguia segurar suas lágrimas com medo pelo futuro de seu filho. Ela desejava que seu filho tivesse uma referência única de lar, por isso, recusava-se a voltar a morar com os pais.

O sentimento de segurança veio ao seu coração após um telefonema. Uma amiga a indicou para trabalhar no setor de faturamento em um hospital de Goiânia. A entrevista foi marcada, com o coração numa mão, e, a outra, entrelaçando os dedinhos de Gabriel.

Hoje, Amanda Cristine, com 22 anos, continua trabalhando num hospital, na parte de faturamento. Gabriel fica integralmente na escolinha, e, à noite, com a “vovó”. A jovem mãe cursa o penúltimo ano de Direito, e, na madrugada, estuda para realizar o sonho de cursar medicina. O tempo com o filho é aproveitado ao máximo.

Na expectativa de um futuro melhor, Cláudia abandonou seu país para correr atrás de caminhos novos e com possíveis chances de felicidade. Faltando menos de dois meses para o seu casamento, a descoberta da infidelidade de seu ex-noivo a fez desistir do desejo de se casar no Brasil. Agora, motivada e determinada, Cláudia embarca rumo à Inglaterra, sem saber como vai se manter por lá.

Durante os primeiros meses de estadia em Londres, ela conseguia ajustar sua rotina conforme as necessidades da nova cultura. Depois de algumas buscas e contatos feitos, conseguiu seu primeiro emprego: caixa de supermercado. O salário era mais do que suficiente, e tudo aparentava se encaixar. Para sobrar mais dinheiro a fim de bancar, quem sabe, algum curso, Cláudia mudou-se para uma república de brasileiros. Lá, conheceu Filipe, e, a partir daí, os planos começaram a mudar.

Ao entrar num belíssimo restaurante rústico de Londres, onde o encontro estava marcado, Cláudia estava bem feliz por comemorar dois meses junto a Filipe. Os dois estavam animados e já planejavam o futuro juntos: viajar pela Europa e morar em outros lugares. Porém, a gravidez não planejada da pequena Giulia frustrou os planos do casal. Com um bebê prestes a nascer, o emprego de caixa de supermercado não era mais suficiente. Filipe pulava de emprego em emprego e tinha o desejo de estudar gastronomia. Cláudia sabia da possível dificuldade de depender do namorado quando os meses mais críticos da gestação chegassem, então, decidiu continuar no trabalho, mesmo quando seu corpo e a pequena Giulia imploravam por descanso. Após o nascimento de sua filha, Cláudia se dividia entre o trabalho e a nova integrante da família. Filipe estudava e não ajudava muito dentro de casa.

Uma luz surgiu em meio as dificuldades. Cláudia, Filipe e a pequena Giulia mudaram-se para a Itália. Como professora de Inglês, a nova profissão de Cláudia trazia um salário melhor, aluguel mais acessível e nova cultura do país deixava a família com o sentimento de estar em casa.

Após quatro anos na Itália, Cláudia Ferrari ficou grávida novamente. Chegou a vez da pequena Bárbara. Filipe, recém-formado em gastronomia, trabalhava em alguns restaurantes. A segunda gravidez também veio sem avisar, mas, no andar da carruagem, a adequação foi mais fácil. Hoje, Cláudia, Filipe e as duas garotas naturalizadas na Europa voltaram para o Brasil. Ainda como professora de Inglês, Cláudia segue arduamente sua carreira. Pagou a segunda faculdade de Filipe, que, hoje, é seu marido: Engenharia Civil.

As histórias de Cláudia e Amanda são apenas um recorte das diversas realidades enfrentadas por mulheres. A gravidez, para quem anseia, é um momento muito aguardado e repleto de expectativas. Quando chega sem avisar, apresenta um desafio ainda maior. Trabalho, estudos, vida social e saúde mental são comprometidos. Às vezes, o desespero bate. Mas, Amanda tem um conselho:

Uma gravidez inesperada pode parecer péssima no início, mas que o mundo está evoluindo, que a nossa luta não é em vão e que as pessoas têm que se adequar à nossa rotina e nossas responsabilidades enquanto mães. Acredito na liberdade e na força. Parte disso veio do meu filho. Você perde momentos da vida, atrasa por alguns meses o trabalho, mas ‘momentos’ existem sempre, trabalho também. Quando você se torna mãe, se torna ainda mais forte, conquista muito mais coisas.

Como a sociedade reage às mulheres que precisam conciliar trabalho e maternidade, e o que você faria se fosse pega/o de surpresa por uma gravidez? O AltCast foi às ruas para descobrir! Confira:

Não tem tutorial

“É muito difícil quando você sabe que tem uma pessoinha que depende de você 24h por dia, seu marido trabalha em outra cidade e você tem que dar conta de tudo sozinha. Eu não podia contar com ninguém. ‘Era obrigação minha, eu quis ter o filho’: era isso que ouvia. Eu imaginava que as pessoas em volta vendo a situação seriam solidárias”.

É assim que Ivanete Aparecida de Souza Silva, de 49 anos, relembra o que define como uma das piores etapas de sua vida. Com 29 anos, teve seu primeiro e único filho. Tudo deveria ser como um lindo sonho, ou, pelo menos, era assim que pensava. No entanto, a irritabilidade, choro frequente, diminuição da energia e motivação, sentimentos de desamparo e desesperança, falta de descanso, ansiedade e sentimentos de incapacidade para lidar com novas situações tomaram conta das circunstâncias e transformaram a situação em um verdadeiro pesadelo.

Ivanete tinha depressão pós-parto (DPP), que é definido pela enfermeira obstetra e parteira urbana Ivanilde Rocha como um desequilíbrio hormonal em decorrência do término da gravidez. Ele pode se tornar um quadro clínico severo e agudo, que requer acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil, a cada quatro mulheres, mais de uma apresenta sintomas de depressão de 6 a 18 meses após o nascimento do bebê.

A pesquisa também apontou que, no país, o índice de mulheres com sintomas de depressão pós-parto é de 26,3%, maior do que o registrado em países da Europa, além de Estados Unidos e Austrália.

Para a enfermeira obstetra Vivian Inácios Zorzin, a DPP traz inúmeras consequências ao vínculo da mãe com o bebê, sobretudo no que se refere ao aspecto afetivo. A literatura cita efeitos no desenvolvimento social, afetivo e cognitivo da criança, além de sequelas prolongadas na infância e adolescência. “A mulher depressiva, normalmente, amamenta pouco e não cumpre o calendário vacinal dos bebês. As crianças, por sua vez, têm maior risco de apresentar baixo peso e transtornos psicomotores”, esclarece.

Ainda de acordo com a especialista, os pais também podem desenvolver a depressão pós-parto. “No caso de homens, o transtorno pode se apresentar devido à preocupação com sua própria capacidade de educar e sustentar o recém-nascido. Assim como para as mulheres, o homem também deve buscar ajuda profissional”, explica Zorzin.

Ivanete conta que não sabia o que fazer. “Não tem um tutorial pra isso, você tem que se virar como pode”, confessa. Ela procurou ajuda depois de muito sofrimento, e somente dois anos depois do nascimento de seu filho pôde voltar a trabalhar meio período. Com a ajuda de medicações, passou a criar uma rotina. “No começo, foi muito difícil. Tinha dias de altos e baixos, mas eu pensava: ‘preciso continuar por ele, pra ele’. Graças a Deus, hoje tenho um certo controle, uma vida bem ativa. Não posso parar. Tenho muitos desafios. Os traumas de tudo que aconteceu me impediram que ter mais filhos, mas, há 20 anos estou lutando, e, a cada dia, eu venço mais um”, assegura.

O que fazer?

“Meu chamo Cecília. Tenho 28 anos, um emprego estável, uma casa e um carro. Sou casada há 2 anos. Descobri que estou grávida poucos dias atrás e não consigo acreditar. Chorar é o que mais faço desde o dia desta surpresa. Mesmo tendo estabilidade e condições, não queria ser mãe. Jamais me vi como tal”. Embora esta história seja fictícia, ela é a realidade de muitas brasileiras. Cerca de 55% das gestações são inesperadas no Brasil, segundo dados da Escola Nacional de Saúde Pública Oswaldo Cruz. A pesquisa ouviu 24 mil mulheres entre 2011 e 2012.

O problema no Brasil é maior que a média mundial. A taxa no mundo de gravidez indesejada é de 40%. Além disso, de acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto realizada pelos professores Débora Diniz (Universidade de Brasília), Marcelo Medeiros (UnB) e Alberto Madeiro (Universidade Estadual do Piauí), são realizados 500 mil abortos anualmente no país. Algumas dúvidas são recorrentes: “Não queria ser mãe, porém, agora estou grávida e decidi seguir com a gestação. Não sei como prosseguir. O que devo fazer?”. Por isso, separamos um passo a passo do que fazer se você não esperava uma gravidez. Laís Dantas é psicóloga e dá algumas dicas do que fazer nesta situação.

1. Procure terapia

O primeiro passo que é extremamente necessário é procurar terapia. A gestação é um período em que a mulher fica muito vulnerável, e, se ela não estava planejando e nem queria ter filhos, as coisas tendem a ser bem difíceis. Além de ela fazer mal para ela, fará para o bebê. “Após algumas semanas de gestação, o feto já possui um vínculo com a mãe e o pai, e isso será determinante nas relações posteriores”, revela Laís. Daí a importância de procurar ajuda psicológica para essa nova fase da vida.

Para uma mulher que não estava aguardando uma gestação, sintomas como ódio, desespero e aflição são comuns e por isso a busca por ajuda logo no início da gestação é crucial. “Quanto antes ela trabalha esta questão, mais cedo recebe ajuda para lidar com esta gravidez”, salienta a psicóloga.

2. Tenha uma rede de apoio

Nesses momentos, o apoio da família e dos amigos é essencial. A mulher passa por um momento muito delicado, e, por isso, julgamentos e opiniões que não ajudarão no período gestacional não são bem-vindos. “É bom que amigos e familiares demonstrem amor pela criança, que, às vezes, nem a mãe possui ainda”, ressalta a especialista.

“A mulher pode se sentir culpada o resto da vida por esse período em que ela não aceitou a gestação”, detalha Laís. Partindo desse pressuposto, esse amor dedicado a barriga da mãe também deve ser concedido a ela. Palavras de ânimo e atitudes positivas fazem a diferença.

3. Pesquise sobre o tema e procure grupos de grávidas

Certamente, a mulher que passa por uma gestação indesejada não é a primeira e nem a última. Por isso, buscar histórias de outras que passaram por este momento pode ajudar! É possível encontrar grupos ativos de grávidas que se reúnem com regularidade para falar sobre a gestação. Buscar saber as etapas de uma gestação também ajudam a mulher a se preparar melhor e a lidar com as adversidades e desafios que virão.

4. Participe de atividades ligadas à gravidez

Após passar pelos primeiros momentos de choque e sessões de terapia, é importante se imergir no mundo da gravidez. Participe de cursos, palestras, roda de conversas, ou outras atividades que ensinem e aprimorem o preparo para a vinda de uma criança. “Virão muitos momentos de ansiedade e angustia depois do bebê nascer, por isso a busca por atividades assim”, reforça Laís. Esse preparo pode evitar uma depressão pós-parto, de acordo com a psicóloga.

5. Planejamento familiar

Esse último passo é um alerta para aquelas mulheres que ainda não estão grávidas e não querem passar por turbulências. Se planeje e se cuide. Faça uso de métodos contraceptivos (camisinha, pílula anticoncepcional, implante, entre outros) e tenha muito cuidado com quem se relaciona. Possuir um planejamento familiar e falar com seu parceiro/cônjuge sobre temas como prevenção, planos de gestação e outros é crucial, para evitar que, se algo acontecer, as coisas sejam ainda mais doloridas.

Uma gravidez inesperada não é sinônimo de filhos que não serão amados. Confira o depoimento de uma pessoa que não foi fruto de planejamento:

Meu nome é Juliana Ribeiro. Sou a caçula de três filhos que a dona Ieda Diegues e Moises Ribeiro tiveram. Minha família é composta por cinco pessoas: eles, eu e mais dois irmãos. Nenhum de nós foi planejado! Desde pequena, fizeram o melhor pela minha educação e de meus irmãos, se moldando para suprir nossas necessidades. E isso, na minha visão, fizeram muito bem. Com três filhos, deram oportunidades para cada, coisas que outras famílias não conseguiriam.

Um aspecto que fez com que os dois tivessem sucesso na nossa criação era a união. Eram muito “parceiros”. Quando um sonhava, o outro ajudava a virar realidade. Assim, os dois encaravam suas metas juntas. Essa conexão nos transmitia segurança. Mas nem tudo é perfeito: eles são bem rígidos e extremistas em certos pontos. Ao meu ver, isso era desnecessário.

Apesar de vir ao mundo de forma inesperada, meus pais tinham consciência do que é criar um filho. Não é só deixá-lo no mundo, mas ser responsável pela educação, crescimento e caráter. Essa base foi essencial para me tornar quem sou. Tenho 23 anos, e hoje sou designer de interiores. Agradeço a eles por fazer do meu sonho o deles também.

--

--

ALT
ALT ABJ
Editor for

Reportagens hipermidiáticas feitas pela equipe do ALT. Uma produção da Agência Brasileira de Jornalismo (ABJ).