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10 min readJun 27, 2019

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Movimentar para crescer

A partir das migrações, as regiões metropolitanas e as cidades do país passaram a ser cada vez mais ocupadas, e as coisas começaram a se distanciar. Para o professor titular de Engenharia de Transportes da Universidade de São Paulo (USP), Antônio Nelson Rodrigues, esse fator pode ser explicado pelo crescimento das cidades. “A gente, com o passar do tempo, evoluiu e modificou nossas cidades de uma coisa que era pequena e relativamente fácil de acessar, que conseguia se deslocar a pé para chegar nos seus destinos”, esclarece. Com isso, a mobilidade urbana se tornou uma necessidade. Veículos motorizados surgiram como solução para esse problema. A princípio, só haviam vantagens.

Com as superlotações das cidades e a popularização dos veículos motorizados, porém, essa solução se tornou também um infortúnio. Rodrigues explana que, cada vez mais, dependemos dos automóveis. Trânsito, poluição, acidentes e outros fatores passaram agora a afetar diretamente o meio ambiente. Se tornou urgente a necessidade de se pensar em algo para reverter ou ao menos reduzir esses impactos. Devido ao crescimento das cidades, algumas formas de deslocamento são necessárias. Por isso, o professor coloca a mobilidade urbana sustentável como essencial. Ela surge para criar meios alternativos de transporte, de forma que os impactos diminuam e que os traslados ocorram normalmente. Por isso, algumas prefeituras (em parceria com o Governo Federal) agiram em prol da organização e crescimento das cidades, mas, dessa vez com o objetivo de preservar o meio ambiente.

No Brasil, Curitiba, na década de 60, foi pioneira no desenvolvimento da mobilidade urbana sustentável. Com suas ruas e avenidas largas, a capital paranaense passou a investir no transporte público integrado, desenvolver espaço para mobilidade urbana e regulamentar suas políticas públicas — tudo isso a fim de preservar o nosso meio ambiente. Por muitos anos, a cidade foi exemplo para outras darem o pontapé inicial.

Hoje, já é mais comum ouvir falar de mobilidade sustentável. Com a Lei 12.587/2012, que só entrou em vigor em 2015, ficou estabelecido que há a necessidade de que cidades com mais de 20 mil habitantes façam planos de mobilidade urbana. Por isso, cidades grandes como São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas e Fortaleza dão prioridades a transportes públicos e integrados. Cidades como Maringá, no Paraná, e Sorocaba, no interior de São Paulo, investiram na construção de ciclovias e melhores espaços para locomoção com transportes não motorizados. É um ótimo combo: organização e crescimento das nossas cidades e preservação do planeta.

Conheça as referências em mobilidade urbana sustentável no mundo. Tem exemplo brasileiro!

Cingapura

O governo da cidade-estado se comprometeu a investir em mobilidade e conectividade de baixa emissão de carbono dentro da cidade, com duas novas linhas de metrô, extensão das quatro linhas de MRT (trem rápido), novo terminal aeroportuário, criação de trem de alta velocidade entre Cingapura e Malásia e recolocação de seu porto de contêineres.

Seul, Coreia do Sul

Assim como o Tâmisa em Londres, o rio Cheonggyecheon, que passa dentro da capital sul coreana, estava biologicamente morto. Um esgoto canalizado estava coberto por uma via de trânsito rápido, até que a prefeitura assumiu a responsabilidade de trazê-lo à vida. Após tratamentos de limpeza e reabertura dos canais (e destruição da avenida), foi criado um parque linear multifuncional às suas margens.

Fortaleza, Brasil

Pioneiro no Brasil, o Veículos Alternativos para Mobilidade (VAMO) promove mobilidade urbana sustentável por meio de uma rede de compartilhamento de carros elétricos disponibilizados em Fortaleza. São 20 carros 100% elétricos distribuídos em cinco estações. O projeto é sustentado por patrocinadores e pelos valores pagos pelos usuários, sem custos para o município.

Brisbane, Austrália

No principal hub econômico, administrativo e cultural do leste da Austrália, andar de carro não é um problema. Lá, os moradores não precisam ir de casa até os pontos de transporte público ou lotar as vias centrais da cidade de carros. O projeto Park and Ride integra estacionamentos com sistemas de transporte coletivo ao redor de estações de trem, metrô e ônibus, permitindo que os usuários deixem seus veículos gratuitamente no local para utilizar o transporte coletivo.

Medellín, Colômbia

As áreas menos favorecidas da cidade foram as que mais ganharam com a implantação do projeto Metrocable. O sistema de teleférico como meio de transporte público por tempo integral, além de não poluir e aliviar os engarrafamentos, é também uma forma projeção social. A iniciativa levou o Prêmio de Transporte Sustentável em 2012.

Amsterdã, Holanda

A cultura do uso da bicicleta é difundida em toda a Holanda há várias décadas e a cidade estimula seu uso não só entre os moradores. Turistas contam com diversos bike-tours grátis ou pagos para escolher quando visitarem a cidade.

Frankfurt, Alemanha

A cidade que é reconhecida como um dos principais centros financeiros do mundo é também a mais sustentável, de acordo com o Sustainable Cities Index. Há 25 anos, Frankfurt criou sua própria agência energética e começou a investir em produção de energia renovável produzida localmente. A cidade tem a meta de reduzir 10% das emissões de gás carbônico a cada 5 anos, que resultará num corte de 50% até 2030.

Durante oito meses, realizei um intercâmbio na Europa — mais precisamente em Dublin, na Irlanda. Tive a oportunidade de conhecer outros países e a beleza europeia, tão histórica e antiga, mas tão tecnológica e moderna ao mesmo tempo. Parece antagônico, mas conhecer algumas cidades europeias te proporcionam esses dois cenários em um único lugar. Algumas te impressionam ainda mais pois dão uma aula de mobilidade urbana. Dentre as cidades que visitei, uma se destacou muito pela organização neste quesito: Amsterdã.

A cidade é muito adepta de bicicletas. Como turista, me impressionei ao andar pelas ruas. Eram muitas — MUITAS! — bicicletas. Acredito que todos que chegam pela primeira vez na capital holandesa se surpreendem. Há estacionamentos de bicicletas divididos em andares, algo que me deixou perplexo. Você pode se perguntar se não há confusão no trânsito. Posso garantir que não. Ciclistas tem sua faixa exclusiva na rua, e, assim como os demais veículos, respeitam as regras, inclusive os semáforos.

A organização e clareza nas estações de metrô são impressionantes, ao ponto de as vezes nem parecer transporte público. Além disso, existem balsas gratuitas para algumas regiões, levando em consideração que há centenas de canais pela cidade. Os bondes são antigos, mas não deixam a desejar. Além de pontuais, são extremante organizados em questão de logística para operar, sem desconfortos ou riscos ao passageiro. Amsterdã é uma cidade milenar que comporta uma grande população. Apesar dos seus canais, consegue caprichar na maneira com que as pessoas podem se locomover pela cidade. Saí de lá renovado, e com a esperança de que é possível existir transporte público e mobilidade alternativa de qualidade em qualquer cidade que esteja disposta a fazer alterações. O tempo de existência jamais impediu Amsterdã de aprimorar sua mobilidade, e eu aprendi que isso não deve impedir nenhum outro lugar no mundo. Afinal, basta planejamento e conscientização.

Gabriel Buss, 19, repórter do ALT

Estacionamento de bicicletas em Amsterdã. Fonte: Rediscovering the World

Apesar de a mobilidade urbana sustentável ser conhecida, ela ainda é um desafio no Brasil. Evidentemente, há preferência por parte do brasileiro pelo transporte motorizado individual, como também, os problemas diários que ele traz. Prova disso são os engarrafamentos, alto índice de acidentes, poluição do ambiente, elevado custo na aquisição do automóvel e manutenção deste. Um levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2016, mostrou que a frota de carros subiu para 400% nos últimos dez anos, em contraste ao número de construções de meios alternativos, como o metrô, que não apresentou uma crescente.

De acordo com o relatório feito pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), que mapeou os anos de 1990 a 2017, os transportes públicos são culpados por 48% de liberação de Dióxido de Carbono. O CO2 pode gerar desequilíbrio do clima e alteração do PH da água, tornando-a uma das principais responsáveis por maior emissão do gás.

Em abril, 13 capitais receberam patinetes eletrônicos como alternativa de mobilidade. Já conhecida em outros países, a novidade no Brasil rapidamente ganhou destaque e começou a ser utilizada diariamente. Entretanto, como foi surpresa a chegada dos patinetes e não havia o aval do Executivo, algumas prefeituras retiraram os eletrônicos de circulação e criaram leis que dificultaram a facilidade de locomoção com o meio alternativo. Bruno Covas (PSDB), deputado do estado de São Paulo, já se manifestou com a vontade de vetar o uso dos patinetes. Aparentemente, quando surge alguma novidade na mobilidade e em favor da sustentabilidade, o Estado intervém com burocracias que atrasam e geram dificuldades, quando, na verdade, deveria facilitar e promover o amplo acesso aos novos meios.

A mobilidade urbana no Brasil parece um caos, mas existem lugares bem piores. Esse é o caso do Chade. O país norte-africano tem zero estrutura: não dispõe de sistema de esgoto, estradas boas e bons hospitais. Em comparação com o Chade, o Brasil é o paraíso da mobilidade urbana. Essa frase é confusa quando lembramos da situação de cidades como São Paulo, onde a facilidade de deslocamento das pessoas é péssima, ainda mais em horários de “pico”. Se o trânsito de Sampa já é uma loucura, imagine ele sem regras ou sinalização; essa é a situação no Chade.

É quase impossível encontrar uma moto com apenas dois passageiros. Normal é a imagem de um pai com mais cinco crianças no veículo de duas rodas. Quando a moto não está lotada de pessoas, fica cheia de animais. Cheguei a ver mais de 40 galinhas presas por um cabo ao veículo. Foi uma verdadeira aventura andar de moto na capital. A estrada era uma mistura entre carros, motos e cabras pela rua. Cada vez que uma moto passava na minha frente eu fechava os olhos e torcia para não bater. Se a situação na capital, N’Djamena, é caótica, no interior do país é pior. Uma viagem até Fianga, uma cidade ao sul, há 370 km de distância da capital, durou mais de 10 horas. O resultado dessa viagem foram dois pneus furados e muita dor de cabeça. A estrada era um grande buraco, e o carro balançava e tremia muito forte a todo instante. Os atalhos através da savana africana se tornavam a melhor opção, e só eram possíveis de serem atravessados com um carro 4x4. A pior notícia sobre a situação enfrentada pelo país é que parece que essa realidade está longe de acabar.

Giancarllo Batistoti, 20, repórter do ALT

Trânsito no Chade. Foto: Giancarllo Batistoti

Se você passa pela correria do dia a dia e enfrenta os perrengues de morar em uma cidade grande, sabe muito bem o que é pegar um ônibus lotado, metrô cheio e o trânsito parado. Mas, se tem o privilégio de não entender do que estamos falando, preparamos uma lista de filmes e curtas que exploram o tema:

Perrengue (2013)

Nascido da indignação com o trânsito na vida do paulistano, o documentário mostra a história diária de quatro moradores e o drama da cidade com o transporte público; a lotação e o estresse presentes na rotina de quem depende desses meios de transporte. É quase impossível não se identificar com a história desses personagens, a realidade nos grandes centros brasileiros é dura e a falta de mobilidade prejudica a todos.

Bike vs. Cars (2015)

Em meio às problemáticas da mobilidade urbana, os carros e bicicletas são verdadeiros arquirrivais. Depois de assistir a esse filme, você poderá tomar uma decisão mais consciente sobre que meio de locomoção tomar.

Raoul Taburin (2019)

Baseado em um livro de Jean Jacques Sempé, o filme mostra a história de um grande mecânico de bicicletas que tinha um pequeno problema: não sabia como se equilibrar em cima de uma magrela. Esse é especial para você que não sabe andar de bicicleta, e vai te dar aquela motivação!

A Ilha (2009)

Para você que gosta de animação, vai lá a dica de uma produção brasileira. Em 9 minutos, Alê Marinho estabelece uma crítica relacionando a realidade dos grandes centros, comparando os pedestres ilhados em meio a um mar de carros. Vale a pena conferir este curta-metragem repleto de easter eggs.

Se essa rua fosse minha (2017)

Sem tempo, irmão? Não tem problema! Separamos um curta-metragem de 60 segundos que retrata um antigo poema repleto e críticas sociais que mostra que o problema urbano é nosso.

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Reportagens hipermidiáticas feitas pela equipe do ALT. Uma produção da Agência Brasileira de Jornalismo (ABJ).