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12 min readAug 23, 2019

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Muros

Algumas coisas parecem ser um eterno muro de Berlim. O quilométrico bloco de cimento que separava nações distintas representa como dois lados completamente opostos podem estar bem próximos. Assim é a polarização. Lados opostos de uma ideia. À primeira vista, pode parecer algo saudável, muito comum em democracias — regime que permite a liberdade de expressão. E, sim, a diferença de ideias é algo saudável. Oposição gera novos pontos de vista e oportunidade de maior conhecimento, ou para mudar de ideia ou para reafirmá-la. No entanto, a polarização é um fenômeno nocivo. Nela, não há espaço para discussão de ideias. E uma vez sem oposição e sem discussão, como adquirir conhecimento?

Por mais complexa que possa parecer, a polarização pode ser entendida de um jeito bem simples — pelo menos em seus primeiros estágios, já que, depois, o conceito fica complexo. O termo possui uma carga histórica importante. Samuel Emílio, coordenador do Movimento Acredito, define o termo. “A polarização acontece quando as ideias e os comportamentos políticos das pessoas ficam restritos a dois extremos opostos”, explica. “O que me preocupa são as pessoas com o pensamento fechado e com um posicionamento exclusivo que não incluem outras na tomada de decisão”.

Não é preciso muito tempo de reflexão para notar que a polarização política é um fenômeno mundial. O Brasil parece ter vivido isso ainda mais intensamente nos últimos anos, principalmente em momentos como o Movimento Passe Livre (manifestações contra o aumento da passagem de ônibus), as eleições presidenciais de 2014, o impeachment da ex-presidente Dilma e as últimas eleições presidenciais, em 2018. Entretanto, o fenômeno é mais antigo do que muitos pensam. É o que propõe a cientista social Gisele Denarde. “Quando estudamos a história da política, nos deparamos com a polarização desde Aristóteles e Platão. Quer dizer, desde o princípio dela. Desde sempre há um grupo ou grupos que centralizam ideias”, defende.

No entanto, por que parece que a polarização só existe há pouco tempo? Porque antes as pessoas não se davam conta, ou não eram atingidas diretamente. Hoje, é mais fácil enxergar essa realidade. No entanto, alguns sempre serão mais prejudicados do que outros. “Tenho a impressão de que essa polarização entre direita e esquerda vá começar a se transmutar em uma polarização com o ponto de vista de incluir ou excluir as pessoas”, acredita Emílio. Não dá para deixar de pensar e se preocupar sobre o que isso significaria para o país.

Pode ser que algumas barreiras físicas não existam mais, como o muro de Berlim um dia foi derrubado. Mas as barreiras “imaginárias” continuam existindo. A polarização as cria. Não existe diálogo, tolerância, compreensão. A polarização não conversa; ela grita. Não analisa; julga. E, daí, não se compreende o tal imaginário como fantasia, mas como a realidade velada e que procura se esconder na transparência.

Para descobrir se você é radicalmente polarizado, faça o teste no link abaixo:

Respeito acima de todos

Desde que o mundo é mundo, a humanidade tem apresentado divergências em suas formas de pensar. Esse processo gera discussões e aumenta a necessidade de defesa das opiniões sobre diversos assuntos da sociedade civil. Na esfera política, isso não é diferente. Todavia, quando essas discussões deixam de ser respeitosas e ameaças vêm à tona, há uma polarização de pensamentos.

A polarização política ocorreu em diversos episódios na história, principalmente em períodos de guerra. Um exemplo claro foi a Alemanha na época da Segunda Guerra Mundial, onde havia o conflito de ideologias: o Nazismo de Hitler contra os Aliados, liderados por Inglaterra e França. Anos após o fim da guerra, surge outro exemplo de polarização: a Guerra Fria, período em que o mundo se dividiu entre capitalismo norte-americano e socialismo soviético.

Porém, a polarização não é necessariamente algo ruim, mas algo natural dentro da política. Para o coordenador da pós-graduação de Relações Internacionais e cientista político da PUC de Minas Gerais, Javier Vadell, toda sociedade pode se polarizar, mas existe certa confusão entre o conceito de polarização e radicalização. “A polarização são pontos de vista diferenciados, que podem se materializar entre dois ou mais polos que gerou a criação de partidos políticos, não necessariamente democráticos, mas com um aspecto mais liberal. Já a polarização radicalizada surge normalmente em momentos de crise, mas a forma para se conquistar o poder é diferente. É o caso do nazismo e o fascismo”, explica Vadell.

Para Cristiano Rodrigues, historiador pelo Centro Universitário Assunção (Unifai) e pós-graduando em metodologia de ensino, o problema ao falar sobre polarização política é que as pessoas normalmente já relacionam o tema aos conceitos de direita ou esquerda. Porém, o assunto é muito mais complexo. “Posições políticas se realinham e se redefinem de acordo com o âmbito da crise social no momento. À medida que o debate vai se acirrando, estes termos passaram a ter mais relevância numa sociedade que durante anos ignorou suas posições políticas”, esclarece.

Com todos os pontos citados, fica a questão: como as pessoas podem evitar a polarização radical? De acordo com Vadell, não é uma tarefa simples, mas existem medidas que podem ser tomadas: “Não existe uma fórmula para evitar isso, mas pode ser feito pela reeducação”. Para o cientista político, a solução para evitar atos radicais deve ser promovida por meio de diálogos e articulação pela classe política.

Quando questionada sobre ações que podemos tomar contra a polarização excessiva, a socióloga Gisele Denarde acredita que o abandono do individualismo e a adoção de uma consciência cidadã são essenciais. “E, para isso, existe um processo: identidade, pertencimento, relativismo, e, principalmente, e senso crítico fora do senso comum. Só enxergamos além do nosso próprio umbigo quando não nos colocamos como o centro do universo e entendemos que a nossa verdade não é absoluta”, aconselha.

Entretanto, a polarização não esteve presente somente em grandes momentos históricos, ou em situações que envolvem os governantes atuais. É possível ver a polarização e os seus efeitos em coisas do dia-a-dia. Cidadãos comuns tomam como princípios de vida um lado político, e são capazes até mesmo de ameaçar a vida de outras pessoas, simplesmente pelo fato de pensarem de maneiras distintas. Este é o caso de Joice Moura*, que, após as eleições presidenciais de 2018, fez uma publicação em uma de suas redes sociais, relacionada à família do presidente eleito, e precisou parar de frequentar alguns lugares para a preservação de sua segurança. “A foto não tinha, basicamente, nada a ver com política, mas sim da relação do Bolsonaro com sua esposa. E uma moça, que os odeia muito, comentou na foto, me ofendendo. Eu respondi, pedindo, ao menos, respeito, para poder separar as coisas”, explica.

Contudo, os comentários foram além. Ela conta que a pessoa que a ofendeu marcou inúmeros amigos na publicação, e, a partir disso, todos passaram a ofendê-la também, mas, para evitar qualquer situação pior, Joice os bloqueou de sua rede social. “Eu era bem amiga da mãe dela. Depois de algum tempo, fui à sua casa com um amigo, mas logo percebi que o clima não era tão agradável. Ao chegar em minha casa, vi uma mensagem dela no meu Instagram, me ameaçando. Chegou a dizer que se eu fosse novamente à casa dela, eu não sairia da mesma forma que entrei, e, possivelmente, nem viva”, lembra.

Joice tentou resolver a situação pessoalmente, mas foi em vão. “Achei aquela ameaça muito pesada, mas fui novamente à casa dela para resolver, porque acho desnecessário brigar por causa de política. Quando cheguei lá, ela me xingou de muitos palavrões. E eu falei para ela: ‘é muito ridículo eu ter uma opinião e você ter a sua opinião, mas não respeitar a minha’. Mesmo assim, ela ainda quis me ‘peitar’ para me bater. Me chamou de opressora e disse que não tenho amor ao próximo, simplesmente pois não votava no mesmo candidato que ela. Hoje, quando a encontro na rua, ainda evito passar perto”, lamenta.

Apesar de ser um processo natural, a polarização não precisa ser radicalizada. Se, no passado, esse termo era sinônimo de guerras, hoje, não é necessário colocar o mesmo princípio em coisas simples do cotidiano, ou até nas redes sociais. Os efeitos ainda são devastadores, mas a solução continua sendo a mesma: o respeito.

*Nome fictício por questões de segurança

É possível expressar sua opinião sem ser polarizado, embora nem sempre essas manifestações pacíficas sejam bem recebidas. Confira:

Pedro Ladeira/Folhapress

Primeira marcha por mulheres indígenas

No dia 13 de agosto de 2019, mulheres indígenas uniram-se para protestar contra governo do presidente Jair Bolsonaro em Brasília. A comunidade também saiu em defesa da preservação de aldeias e terras de suas comunidades, sistema de saúde de qualidade e garantia de direitos aos índios. A 1ª Marcha das Mulheres Indígenas reuniu, segundo a Polícia Militar, 1500 pessoas. Na contagem dos organizadores o evento contou com 3.000 participantes.

O protesto pacífico foi organizado pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), que arrecadou mais de R$ 49 mil com vaquinhas online para financiar a viagem dos indígenas. A marcha, que ficou concentrada na Esplanada dos Ministérios, ocorreu durante o Fórum Nacional de Mulheres Indígenas, realizado nos dias 9 a 14 de agosto. Reuniram-se para o evento mulheres de aldeias dos estados do Amazonas, Acre, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará e Roraima, além de representantes de aldeias de outros países da América do Sul.

@StandSecond/Twitter

Estudantes a favor das armas

Em resposta ao movimento que defende o controle de armas de fogo, que surgiu após o estudante Nikolas Cruz atirar e matar 17 pessoas dentro de salas de aula, grupos de estudantes do ensino médio organizaram manifestações a favor do porte de armas de fogo. Os manifestantes defendem a venda de armas, prevista pela Segunda Emenda da Constituição Americana.

A foto retrata os estudantes da Moorpark High School, no estado da Califórnia. As manifestações realizadas em maio de 2018 ocorreram em 41 dos 50 estados dos EUA. Os protestos foram promovidos pelo movimento Stand for the Second (“Defenda a Segunda [Emenda]”, em tradução livre) e duraram cerca de 15 minutos.

Win McNamee/AFP

Multidão pelo controle de armas

As ruas da capital americana foram tomadas por milhares de manifestantes em março do ano passado. O protesto tinha como objetivo o pedido ao governo por controle das vendas de armas de fogo. O evento foi uma das maiores manifestações pelo controle de armas já registrada em Washington, com cerca de 800 mil manifestantes, segundo os organizadores.

A “Marcha por Nossas Vidas” é um ato organizado por estudantes, e além da capital americana, também ocorreram manifestações em cidades como Nova York, Atlanta, Boston, Chicago, Dallas, Houston, Miami, Minneapolis, Nashville e Seattle, entre muitas outras. O evento de Washington teve a participação de artistas como Ariana Grande, Jennifer Hudson, Demi Lovato e Miley Cyrus.

Rovena Rosa / Agência Brasil

Manifestação contra o governo Dilma

O ano de 2015 foi marcado por uma das maiores manifestações já registradas no Brasil. O principal motivo foi a insatisfação contra a presidência de Dilma Rousseff (PT). Pessoas foram às ruas em diversas regiões do país. Além disso, a manifestação popular defendeu a Operação Lava-Jato, que apura um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina.

O movimento reuniu milhões de pessoas, principalmente nos dias 15 de março, 12 de abril, 16 de agosto e 13 de dezembro de 2015. Ele se estendeu até 2016, ano em que a então presidente sofreu impeachment. A manifestação da foto aconteceu na Avenida Paulista, um dos principais pontos turísticos de São Paulo, no dia 13 de março de 2016. Os principais veículos de informação informaram que este foi o maior ato político na história do país, superando as Diretas Já.

Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo

Movimento pela Educação 2019

Após anúncio do bloqueio de recursos para a educação divulgado pelo MEC em maio de 2019, estudantes e professores saíram às ruas das cidades brasileiras para protestarem. Segundo levantamento do G1, os atos aconteceram em 222 cidades de todos os estados brasileiros e Distrito Federal. Foi a primeira grande manifestação durante o governo de Jair Bolsonaro, após quatro meses da sua posse.

O protesto foi organizado pelo UNE (União Nacional dos Estudantes), e, além das manifestações, houve paralisação de aulas nas principais faculdades públicas. Outro tema defendido pelos manifestantes foi a Reforma da Previdência. Na cidade de São José dos Campos, interior de São Paulo, os organizadores estimaram que mais de 5 mil pessoas apoiaram o ato na Praça Afonso Pena, enquanto a Policia Militar contabilizou 300 participantes.

Federico Parra/AFP

“Operação Liberdade” contra Nicolás Maduro

No dia 1º de maio de 2019, diversas manifestações aconteceram na Venezuela. O país tem passado por inconsistência política desde o final do governo de Hugo Chávez. No feriado do Dia do Trabalhador, opositores do governo de Nicolás Maduro atenderam a convocação do autoproclamado presidente interino Juan Guaidó.

Em discurso na cidade de Caracas, o presidente interino defendeu a realização de protestos. Denominados de “Operação Liberdade”, eles tem como objetivo retirar chavistas do poder. Os apoiadores de Guaidó entraram em confronto com os militares do governo. Os atos duraram dois dias e o número de feridos passou de 100.

Yuri Cortez/AFP

Apoio militar na Venezuela

Além das manifestações contra o governo venezuelano atual, alguns integrantes da milícia bolivariana, apoiadores do governo, também estavam nas ruas no dia 1º de maio de 2019. No mesmo dia, em discurso na cidade de Caracas, Nicolás Maduro falou para esses manifestantes. Ele ressaltou que a oposição liderada por Juan Guaidó tem como objetivo iniciar uma guerra civil na Venezuela. No mesmo dia, um grupo fez vigília diante do palácio presidencial de Miraflores. A milícia, formada por ex-militares e civis treinados para defender os chavistas, estavam posicionados perto da sede do governo. A crise na Venezuela continua até hoje, forçando muitos venezuelanos a procurarem exilio em países próximos, como o Brasil.

Além das manifestações contra o governo venezuelano atual, alguns integrantes da milícia bolivariana, apoiadores do governo, também estavam nas ruas no dia 1º de maio de 2019. No mesmo dia, em discurso na cidade de Caracas, Nicolás Maduro falou para esses manifestantes. Ele ressaltou que a oposição liderada por Juan Guaidó tem como objetivo iniciar uma guerra civil na Venezuela. No mesmo dia, um grupo fez vigília diante do palácio presidencial de Miraflores. A milícia, formada por ex-militares e civis treinados para defender os chavistas, estavam posicionados perto da sede do governo. A crise na Venezuela continua até hoje, forçando muitos venezuelanos a procurarem exilio em países próximos, como o Brasil.

Como dialogar?

A necessidade de entrar em acordo e de se adaptar ao meio está ligada à importância de dialogar. De acordo com o significado da palavra, diálogo é a interação entre dois ou mais indivíduos. Ele pode se estender a uma forma de acordo comum entre as partes, após a exposição de ideias dos presentes na conversa.

Até então, não se nota nenhuma dificuldade que os humanos teriam em estabelecer uma relação harmoniosa enquanto debatem pontos divergentes. Mesmo assim, o que se vê costumeiramente são indivíduos em busca de vantagens, além daquelas pessoas que fazem questão em de estarem certas em cada conversa. Essas personalidades optam, algumas vezes, pelo chamado “arrobo de oratória”, manipulando falas. É o famoso “colocar palavra na boca dos outros” — uma função que mais se encaixa com a retórica — a arte de se expressar bem –, não com o diálogo.

Com o advento das redes sociais, passamos a dividir na linha do tempo destes portais o mesmo espaço com noticiários e teóricos renomados. Com isso, veio a sensação de que a nossa voz é persuasiva e relevante. E, com a imensa pluralidade de ideias existente, esses mesmos indivíduos se sentem representados. Posteriormente, surgiram as tão citadas polarizações nos debates: a suposta guerra entre o mal e o bem que cerca os debates do cotidiano, desde uma conversa sobre futebol até os fortes embates sobre direita e esquerda, que dividiram relações.

Fábio Darius é historiador e professor no Unasp Engenheiro Coelho. Ele constata que, hoje, vivemos em um mundo bastante polarizado, e o diálogo está cada vez mais afetado. “A polarização diz respeito à ignorância, à falta de empatia e humanidade. Nada justifica a suposta inferioridade de alguém por causa da sua opinião”. Para ele, o desenvolvimento acadêmico também é prejudicado pela falta de boas conversas. “Prejudica o desenvolvimento dialético de novas ideias, pois quem discorda de você tem algo a ensinar. Assim, coisas boas deixam de ser trocadas”, expõe.

O ALT conversou com algumas pessoas para saber o que elas pensam sobre polarização. Confira as respostas no vídeo abaixo.

Entrevistamos João Vitor Pires, um dos líderes do Movimento Acredito. Escute aqui:

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Reportagens hipermidiáticas feitas pela equipe do ALT. Uma produção da Agência Brasileira de Jornalismo (ABJ).