Ai, ai que saudade eu tenho do Caymmi

aquele para quem o vento faz cantigas nas folhas, no alto dos coqueirais

Bernardo Monteiro
Alto-falante de formiga
2 min readDec 22, 2015

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A voz grave de Dorival Caymmi não chegava a perder a serenidade quando pedia ao vento que lhe trouxesse notícias de sua terra toda manhã. "Oh vento"… "Eu nunca tive saudade igual"…

Cantava e conversava com respeito pela natureza. Até o seu assobio para chamar o vento era macio e melodioso. Caymmi cantava… e o vento ondulava as águas e cantava de volta nas folhas, no alto dos coqueirais. Ele observava o vento, o mar, as mulheres, os pescadores, as cozinheiras, os vendedores de rua e seus pregões. Colhia os versos no seu dia a dia como quem colhe frutos maduros nos galhos ao alcance das mãos.

Será que ainda poderíamos aprender alguma lição com Dorival Caymmi?

Quem de nós pensaria em conversar com o vento para pedir que lhe mate a saudade, e que leve um agrado a uma morena de sua terra distante?

Oh vento que faz cantigas nas folhas
No alto dos coqueirais
Oh vento que ondula as águas
Eu nunca tive saudade igual
Me traga boas notícias daquela terra toda manhã
E joga uma flor no colo de uma morena de Itapoã

(Coqueiro de Itapoã)

A natureza é generosa com quem sabe pedir os favores certos, e provavelmente fez de Caymmi um homem feliz. Por outro lado, o cantor e poeta entendia o sofrimento de pessoas menos afortunadas. Os vendedores de rua, por exemplo, não são simplesmente pitorescos em seus versos, onde são retratados com profunda tristeza. Em A Preta do Acarajé, após dez fortes batidas nas cordas de seu violão, com o desespero de quem precisa e não consegue vender seu produto, disfarçado em um tom de seriedade e determinação, a voz grave anuncia, como um pregão:

Dez horas da noite
Na rua deserta
A preta mercando
Parece um lamento
Ê o abará (…)

Todo mundo gosta de acarajé
O trabalho que dá pra fazer que é (…)
Todo mundo gosta de abará
Ninguém quer saber o trabalho que dá (…)

Dez horas da noite
Na rua deserta
Quanto mais distante
Mais triste o lamento
Ê o abará

(A Preta do Acarajé)

As canções de Caymmi têm origem na natureza e na sociedade, mas passavam pelos filtros da sinceridade, da franqueza, do reconhecimento das suas limitações e do respeito aos sentimentos próprios e aos dos outros.

Ao longo de seus 94 anos de vida, se fez apenas 70 canções, são todas perfeitas. Caymmi não tinha pressa. Será que ainda poderíamos aprender alguma lição com Dorival Caymmi?

Ai, ai que saudade eu tenho do Caymmi.

– Bernardo Monteiro (texto e fotografia)

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Bernardo Monteiro
Alto-falante de formiga

Advogado e biólogo por formação. Cozinheiro por paixão.