Pandemia desde quando?

Gabriela Luna
amazonahightech
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2 min readAug 1, 2020

eu nasci em 1993. desde então, vivo em estado de calamidade pública. nunca teve leito pra mim, minha mãe nem pôde me amamentar. tem tempos que me falta o ar, que me ardem as têmporas. em pé no vagão lotado, eu nunca consegui respirar. nada de novo há no rugir das tempestades, uma doença realmente infectou todos os povos e isso aconteceu mais de quinhentos anos atrás, foi aí que tudo mudou. Você foi diagnosticado com Capitalismus Modernus-15, a doença do egoísmo, da acumulação do capital, da mais valia enchendo o bolso do patrão, das jornadas de trabalho desumanas, das várias formas de escravidão. a palavra já não aguenta mais caber. em busca de ar, se joga do abismo. passo dado, o futuro também é torto, tão torto quanto o mar e a História contada nos livros. se fome fosse vírus, quando seriam adotadas as tais “medidas excepcionais à racionalização dos serviços públicos”? ou essas são medidas emergenciais para a manutenção do status quo? o mínimo para manter a bolha e “descartar o excedente”. Me vejo só, virando verbo passo o tempo e já não tem nenhum abrigo. Conto os mortos, conto os dias, penso se ainda existo.

Pandemia desde quando? é um poema relato, escrito por Gabriela Luna durante o período da quarentena no Brasil, em junho de 2020. O texto foi criado para integrar a intervenção do coletivo “Nós, as poetas!” na sessão virtual: Caminhos para a construção do mundo que queremos — o que aprender com a pandemia, organizada pelo Programa de Pós Graduação em Saúde Pública/ENSP, grupo vinculado à FIOCRUZ — Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro.

Quem é Gabriela Luna? Autora multimídia. Carioca do asfalto. Experimenta os sentidos da escrita na literatura experimental, manifestando diálogo entre linguagens, tecnologias nos tempos. Ser de fazeres individuais e coletivos que vive indo e vindo.

Conheça mais o trabalho da autora no Youtube & Instagram.

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