Uma criança na rua e o futuro do futebol

Arthur Sales
AmplitudeFc
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3 min readAug 30, 2019

Uma feliz coincidência me proporcionou na semana passada o contato com mentes das mais brilhantes quando o assunto é o processo de formação esportiva. Mais do que isso, pude perceber o quanto as ideias de diversas áreas do conhecimento sobre o assunto podem convergir no sentido de aperfeiçoar esse processo, principalmente em seu aspecto mais fundamental que é o humano.

É bem verdade que o momento não é dos melhores. Em um país no qual se teima em discutir a redução da idade de formação — assim como se discute a maioridade penal? — é muito difícil acreditar que a garantia dos direitos de crianças e adolescentes no esporte ganhe a devida atenção de seu povo. Sem comoção, não há pressão por mudanças, sem pressão por mudanças, permanecemos como estamos, e não estamos bem.

Para quem acompanha o IB, não é novidade que milhares de jovens jogadores atuam em clubes que não possuem o certificado formador, e que atuar em um clube que possui o documento tampouco é sinônimo de um bom ambiente de trabalho. Sim, para os jovens jogadores, futebol é trabalho.

Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

Sem pressão, a tendência é que as profundas e necessárias mudança nesse cenário não ocorram por outro meio que não pela imposição. Como foi com a criação de equipes de futebol feminino, e como é no caso do mecanismo mais eficiente na garantia dos direitos básicos dos jovens jogadores, o certificado de clube formador. Mecanismo este que passa longe do ideal.

Para além de melhorar as condições de trabalho dos jovens jogadores de futebol no Brasil por obrigação, a chave está em fazê-lo por convicção, e isso passa por uma revolução no pensamento sobre o processo de formação esportiva que é o entendimento de que o futebol se ensina.

Nem aqui, nem em outros países esse é o pensamento predominante. Em geral, tendemos a acreditar que o talento está lá, a espera de ser encontrado e “lapidado”. Assim, fazemos milhares de garotos passarem por uma grande peneira, cada vez mais cedo, alterando a rota natural de desenvolvimento humano desses jovens e descartando a maioria sem nenhuma contrapartida. É nesse momento que o futebol mostra seu lado mais sombrio.

E se para os meninos jogadores o cenário é alarmante, o que esperam as meninas do futebol brasileiro? O “boom” do futebol feminino de base é questão de tempo, com o mesmo modelo, baseado na captação, a tendência é que sejam criados os mesmos problemas. O caminho para mudança? Pressão e convicção.

Convicção de que o futebol se ensina, e a pressão de uma sociedade que se comove profundamente quando os direitos básicos de criança são desrespeitados. No fim das contas, avançarmos tão pouco nesse campo é um reflexo direto de nossa inércia e insensibilidade como indivíduos. Se ver uma criança na rua vendendo doces ou pedindo um trocado acaba com o seu dia, estamos mais próximos de uma mudança, se não, o jogo segue como está.

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Arthur Sales
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Jornalista. Abordo questões relacionadas ao esporte, com atenção especial aos diretos das crianças nesse universo. Mestre em Ciências da Motricidade (UNESP/RC).