A Economia do Suicídio

Cleber Veiga
Análise Normativa
Published in
4 min readJul 26, 2020

“I have lost the will to live, simply nothing more to give, there is nothing more for me, need the end to set me free” (Fade to black — Metallica).

Suicídio é um tema muito espinhoso, e também um assunto que a maioria das pessoas não associa à economia. Estamos acostumados a pensar na economia ao tratar dos motivos pelos quais o dólar subiu ou discutindo sobre a taxa de juros, mas economia é mais que isso.

Em “Freakonomics — O lado oculto da economia”, Levitt e Dubner definem economia como um conjunto de ferramentas capaz de acessar informações e identificar relações de causa e efeito. Em outras palavras, entender quais foram os incentivos para que as pessoas tomassem determinadas decisões.

No entanto, utilizar as ferramentas da economia clássica, que preconiza que os agentes tomam decisões racionais, parece um tanto contraditório, visto que, aparentemente, não existe nada mais irracional que tirar a própria vida.

De qualquer forma, mesmo agindo de maneira vista como irracional, as pessoas estão reagindo a incentivos, e é na análise desses incentivos que as ferramentas econômicas podem ser utilizadas.

Economistas utilizam modelos teóricos para prever, por exemplo, que quantidade de determinado produto as pessoas irão adquirir. Nessa conta, entram os benefícios do produto (quais necessidades serão supridas) e subtraem-se os custos, não apenas os financeiros, mas também os custos de oportunidade.

Os custos de oportunidade são, entre outras coisas, o tempo gasto pesquisando o produto, o deslocamento até a loja, e os benefícios que a aquisição de um produto alternativo traria ao consumidor.

E quais seriam os benefícios de um suicida? O escape da dor (física ou mental) é o item mais óbvio. Contudo, além disso, fazer com que outras pessoas se sintam culpadas pela morte também pode ser um benefício, em alguns casos. Honra e reputação também podem estar envolvidas (lembre-se dos pilotos kamikazes na Segunda Guerra Mundial).

Quanto aos custos, obviamente não estamos falando apenas de dinheiro, tampouco do tempo de planejamento do ato. A dor causada a terceiros também pode ser um custo, bem como o receio de uma punição no além (a maioria das religiões condena o suicídio).

Além disso, se evocarmos Jeremy Bentham e o princípio da utilidade, podemos considerar que, assim como livrar-se da dor pode ser considerado um benefício, abrir mão de eventuais futuros momentos felizes pode ser um custo associado ao suicídio.
Tendo então uma relação de custo-benefício definida, estabelece-se um modelo onde, se os benefícios ultrapassam os custos, o indivíduo tende a optar por continuar vivo. Se, por outro lado, os custos forem maiores, ele possivelmente dará cabo da própria vida. Custos e benefícios associados ao suicídio variam muito de pessoa para pessoa, tanto em seu tipo como em sua quantidade. Por exemplo, infligir dor a terceiros pode ser considerado um custo para alguns e um benefício para outros.

Uma pessoa casada e com filhos sabe que sua perda irá atingir essas pessoas e pode considerar isso um preço alto demais para se pagar, e desde os estudos de Emile Durkheim acerca do tema já é sabido que as taxas de suicídio são maiores entre homens solteiros e sem filhos.

Uma pessoa que descobre uma doença grave, por exemplo, pode considerar que a sua vida futura terá muito mais momentos de dor e menos de prazer, alterando significativamente a relação custo-benefício. Isso pode ser observado num artigo de 2019, publicado no JAMA Psychiatry, que apontou que ser diagnosticado com câncer aumenta em 20% o risco de suicídio.

A perda do emprego ou a falência costuma estar associada ao suicídio e situações de crises econômicas. No entanto, um estudo de Yong-Hwan Noh publicado em 2009 aponta que essa relação positiva entre o aumento do desemprego e o índice de suicídios acontece principalmente nos países desenvolvidos.

A explicação intuitiva para esse fato é que perder o emprego é muito mais difícil numa situação em que a maioria das pessoas ao seu redor está empregada e com um bom padrão de vida.

Obviamente, suicídio é um problema de muitas facetas, pois envolve não só questões econômicas e sociais, como também psicológicas, patológicas, genéticas e até culturais. Sendo assim, não pode ser, de forma alguma, analisado de maneira unidimensional.

No entanto, entender que as pessoas enfrentam escolhas e reagem a incentivos, bem como entender quais são e qual o peso desses incentivos na tomada de decisão pode ajudar os gestores de políticas públicas a alocar os recursos de forma mais eficiente, reduzindo os impactos econômicos e sociais causados pelo suicídio, e o mais importante: salvando vidas.

Cleber Veiga
Administrador, especialista em Inteligência Financeira e estudante de Economia, colunista do Visão Econômica.

Texto publicado originalmente na Página do Facebook Visão Econômica:

https://www.facebook.com/VisEconomica/posts/1156574244720570

Referências:
Hamermesh, Daniel and Soss, Neal. (1974) “An Economic Theory of Suicide.” The Journal of Political Economy. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/1830901?seq=1

Henson, Katherine E., Wickramasinghe, Bethany and Pitman, Alexandra. (2019) “Risk of Suicide After Cancer Diagnosis in England”. JAMA Psychiatry. Disponível em: https://jamanetwork.com/…/jamapsychiatry/fullarticle/2714596

Noh, Yong-Hwan. (2009) “Does Unemployment Increase Suicide Rates? The OECD Panel Evidence.” Journal of Economic Psychology. Disponível em: https://econpapers.repec.org/…/v_3a30_3ay_3a2009_3ai_3a4_3a…

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Cleber Veiga
Análise Normativa

Administrador, Especialista em Inteligência Financeira, estudante de economia, músico (wannabe) e mestre de RPG nas horas vagas.