Como a microeconomia pode te ajudar a conseguir um emprego e comprar um bom carro?

Cleber Veiga
Análise Normativa
Published in
5 min readAug 7, 2020
Kurt Russel em Carros Usados (Used Cars) — 1980

Nesse artigo, você não irá descobrir tudo aquilo que o RH não quer que você saiba, ou os segredos ocultos dos vendedores de carros usados. Também não verá nenhuma solução milagrosa para se tornar uma pessoa bem sucedida. Na verdade, o título é apenas um trocadilho que relaciona os exemplos práticos que serão tratados nesse texto, à luz da ciência econômica.

E vamos falar sobre carros. Imagine que você acaba de comprar um carro. É um bom carro, você está satisfeito com ele, mas aí você descobre que a sua família vai aumentar, e esse carro acaba se tornando inapropriado. Assim, alguns meses depois da compra, você decide vendê-lo.

O valor oferecido pelos revendedores parece injusto para você, afinal é um carro novo, sem problema nenhum, mas todos oferecem valores bem abaixo do preço que você pagou. Por que isso acontece?

Para ajudar a entender essa situação, é necessário se colocar no lugar dos potenciais compradores. Quem vai comprar o seu carro não tem ideia do que acontece com ele: pode ser que o carro esconda algum defeito, e por mais que ele seja examinado por mecânicos ou especialistas, é muito difícil garantir a boa procedência do mesmo.

Essa é uma situação de informação assimétrica, ou seja, compradores e vendedores não possuem a mesma informação acerca do bem negociado.

Esse assunto (incluindo o exemplo do mercado de carros usados) foi abordado pelo economista e vencedor do Nobel George Akerlof em seu paper “The Market for Lemons: Quality Uncertainty and the Market Mechanism”.

Nesse trabalho, Akerlof argumenta que a tendência é que, no longo prazo os bons veículos acabem saindo do mercado, por uma falha de mercado decorrente da informação assimétrica, conhecida como seleção adversa.

Vamos a um exemplo: imagine um veículo, o Modelo A, que em perfeito estado de conservação fosse comprado por $20.000, mas se mal conservado poderia valer até $12.000. Como não podemos ter certeza de quais carros são bons e quais carros são ruins, eles serão comprados pelo preço médio, que nesse caso, para simplificar, vamos supor que seja $16.000.

Se você tivesse um carro de $20.000 não iria querer vender por $16.000, correto? Isso faria com que quem tivesse um carro valendo mais de $16.000 retirasse o seu carro, sobrando apenas os veículos entre $12.000 e $16.000.

Nesse segundo momento, o valor médio dos carros baixaria para $14.000, esse seria o novo preço de mercado, e de novo, quem tivesse veículo valendo acima disso iria retirar o carro do mercado, e esse processo se repete até que se chegue num valor que o vendedor aceite perder. E é por isso que quando você passa naquelas concessionárias de “fundo de quintal”, com baixíssima reputação, você só encontra bomba.

Logo, a seleção adversa ocorre quando, devido às informações assimétricas, produtos de qualidades diferentes são vendidos pelo mesmo preço, forçando os bons produtos a saírem do mercado.

Informações assimétricas também ocorrem no mercado de trabalho, pois ao contratar um novo funcionário, o empregador não tem ideia do nível de produtividade do contratado. Isso também gera seleção adversa, pois trabalhadores mais produtivos acabam recebendo o mesmo salário que outros, menos produtivos.

E como corrigir as falhas de mercado decorrentes de informações assimétricas? Muitos argumentam que é nesse momento que o Estado deve entrar em ação, através da criação de normas e regulamentações, garantindo qualidade e padronização aos produtos. Existem, no entanto, outras soluções para esses problemas, uma delas é a sinalização.

Nesse caso, o agente que possui mais informações busca enviar “sinais” ao outro de que ele possui um produto diferenciado. Para a sinalização funcionar, é necessário que o sinal enviado seja “caro” demais para ser enviado por quem tem produtos inferiores.

Por exemplo, a educação pode servir como um bom sinal ao contratante de que determinada pessoa é produtiva. O número de anos de estudo, os títulos obtidos, a reputação da faculdade ou mesmo as notas obtidas podem servir como um sinal claro de um funcionário de alta produtividade, pois esses sinais são “caros” demais para serem obtidos por alguém, digamos, mais preguiçoso.

Da mesma forma, as empresas que pretendem sinalizar aos consumidores que seus produtos possuem qualidade podem utilizar recursos como garantia estendida ou certificações de qualidade. Existem ainda outras formas de solucionar o problema das informações assimétricas, através da criação de uma reputação, que identifique a empresa (ou o trabalhador) como uma referência naquele produto ou serviço, ou da padronização (se você encontrar um McDonald’s na beira da estrada, você sabe exatamente como será a sua experiência).

Todas essas sinalizações possuem um custo, e esse custo reduz o bem-estar dos agentes econômicos. As pessoas que investem em educação esperam obter o retorno em salários melhores (o que nem sempre acontece). As empresas que buscam certificações ou oferecem garantia estendida precisam repassar parte dos custos decorrentes para o consumidor (e também absorver parte do custo).

Finalmente, o envolvimento do poder público na tentativa de resolução desse tipo de falha costuma trazer mais problemas que soluções efetivas. Isso acontece porque, de qualquer forma, você terá um custo envolvido, na criação de agências reguladoras, na fiscalização e execução das normas. Tudo isso vai ser repassado aos agentes na forma de impostos ou taxas. Além disso, o excesso de regulação estatal costuma trazer outros problemas, como a criação de barreiras de entrada, que afeta a concorrência e costuma elevar os preços.

O caso dos táxis e dos aplicativos de transporte é um exemplo de como, nessas situações, a iniciativa privada é capaz de encontrar soluções melhores que o poder público: para aumentar a segurança do usuário, o Estado cria uma série de regulações para o funcionamento dos táxis. A solução privada foi criar um sistema de avaliações, que oferece a mesma segurança, a um custo muito menor.

A tecnologia tem auxiliado na busca por soluções para o problema das informações assimétricas. Pode ser que, num futuro próximo, esse assunto esteja superado e perca a sua relevância para a ciência econômica. Poderemos, então, ter certeza de que estamos fazendo um bom negócio ao comprar um carro ou ao assinar um contrato de trabalho.

Referências:
AKERLOF, G. A. “The Market for ‘Lemons”: Quality Uncertainty and the Market Mechanism. Quarterly Journal of Economics 84: 353–374. 1970.

PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D, L. Microeconomia. 6 ed. São Paulo: Pearce Prentice Hall, 2006.

SPENCE, M. Job market signaling. Quarterly Journal of Economics, 87: 355–374. 1973.

Cleber Veiga, Administrador, especialista em Inteligência Financeira e estudante de Economia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Texto publicado originalmente na página do Facebook Visão Econômica:

https://www.facebook.com/VisEconomica/posts/1002037390174257?__tn__=K-R

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Cleber Veiga
Análise Normativa

Administrador, Especialista em Inteligência Financeira, estudante de economia, músico (wannabe) e mestre de RPG nas horas vagas.