Um exemplo aplicado de keynesianismo

Cleber Veiga
Análise Normativa
Published in
4 min readOct 14, 2019

Imagine um país pequeno e pobre, cuja economia se encontra em recessão. O governo decide então construir uma ponte ligando duas cidades litorâneas, que são separadas por uma baía.

Com o início das obras, o otimismo se espalha pelo país, o dinheiro gasto pelos operários circula pela economia, fazendo com que o comércio se aqueça.

João tem uma loja de roupas e com as vendas aumentando, faz pedidos cada vez maiores às fábricas.

José tem uma fábrica de tecidos e com o aumento da demanda, resolve contratar mais funcionários.

Assim como José, vários outros empresários contratam, e essas pessoas também começam a gastar, aumentando cada vez mais o otimismo dos empresários e a circulação de dinheiro pela economia, a ponte é inaugurada, mas a economia continua ativa e em crescimento.

Parece perfeito, não? Mas aí vem a segunda parte da história.

Chega um momento em que aumentar o número de funcionários não é o suficiente para José, os pedidos continuam aumentando, e ele precisa ampliar a fábrica.

Investir em capital físico não é tão fácil como contratar funcionários, geralmente o empresário não tem os recursos necessários, e precisa recorrer a instituições financeiras (bancos) para conseguir um empréstimo.

Acontece que como grande parte do dinheiro está circulando pela economia, existe relativamente pouco dinheiro no banco, e além de José, vários outros empresários estão procurando empréstimos, isso faz com que a taxa de juros suba muito.

José decide não investir, pois não sabe até quando essa onda de otimismo vai se manter, e teme não conseguir ter retorno sobre o investimento, considerando o valor alto dos juros.

Ao fazer um novo pedido à fábrica de José, João encontra preços maiores, pois a demanda é alta, e a oferta, limitada pela capacidade produtiva da fábrica de José, então reduz o pedido.

Como isso acontece também em outros setores, as pessoas começam a gastar menos, principalmente em itens supérfluos, já que as pessoas mais pobres gastam quase todo o seu salário em itens básicos, como alimentação, moradia e transporte. Muitos ainda se endividaram e agora tudo o que sobra vai para pagar as contas.

Não demora para que a queda nas vendas afete os empregos, João, José e outros empresários começam a demitir, isso faz com que o otimismo vá embora, as vendas caem e o país entra novamente em recessão.

Alguns políticos trazem alternativas para tirar o país da crise, muitos falam em construir outra ponte, outros dizem que o governo deveria emprestar dinheiro a juros baixos aos empresários, o problema é que o governo ainda paga pela ponte antiga, então teria que recorrer a novos empréstimos, a juros maiores e prazos menores.

E se nesse país fictício o estado fosse enorme, com um número expressivo de funcionários públicos de alto escalão com salários exorbitantes e totalmente fora da realidade do resto do país?

E se nesse país houvesse grupos de empresários que financiassem as campanhas políticas ou mesmo as contas pessoais dos agentes públicos em troca de subsídios, empréstimos a juros baixos e outras “bondades”?

O estado inchado diminui a capacidade de investimento do governo, que precisa cada vez mais se afundar em empréstimos, e a atuação do estado favorecendo alguns setores da economia gera desequilíbrios e tira a motivação daqueles empresários que insistem em agir de forma correta.

Outros políticos iriam advogar pelo aumento da carga tributária, mas isso só ampliaria a recessão. Poderiam argumentar que os impostos recairiam apenas sobre os ricos, mas como já dissemos, trata-se de um país pobre, então aumentar a carga tributária sobre os ricos só incentivaria a fuga de capitais.

Outras pessoas poderiam sugerir políticas ainda mais heterodoxas, como ampliar a base monetária (isso mesmo, imprimir dinheiro), mas já conversamos sobre isso por aqui, e os efeitos colaterais desse tipo de política costumam ser catastróficos.

É certo que a base monetária deve acompanhar a produção de bens, mas sabemos que na prática, é difícil o governo resistir à tentação de imprimir cada vez mais dinheiro para pagar suas dívidas e investir em novas obras.

Como podemos observar, a política keynesiana funciona muito bem no curto prazo, e pode ser utilizada para dar “a partida” em uma economia parada, mas trata-se de um analgésico, e não uma cura.

A coisa fica ainda pior se estivermos falando de um país com problemas como corrupção, estado inchado e grupos poderosos com interesses escusos.

Acreditar que se pode resolver todos os problemas econômicos de um país com gasto público é inocência pura, ou desonestidade.

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Cleber Veiga
Análise Normativa

Administrador, Especialista em Inteligência Financeira, estudante de economia, músico (wannabe) e mestre de RPG nas horas vagas.