Sobre compromissos

E reflexões matinais das 5h.

Camila Rocha Vendrametto
An Idea (by Ingenious Piece)
3 min readOct 24, 2020

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Meu pai e eu acordamos todos os dias no mesmo horário. Quando ele vê que eu estou na cozinha, logo vem tomar a sua berinjela em pó, encher sua garrafinha d’água e se preparar para a sua caminhada matinal enquanto me arrumo para o trabalho.

Todos os dias eu acordava com uma raiva leve, até que comecei a me questionar sobre isso e a chegar a dois pontos:

1) Eu sempre gostei de estar sozinha pela manhã, tomar meu café sozinha, ouvir rádio sozinha, tudo tudo tudo sozinha. De repente, os meus passos e os do meu pai passeiam pelo mesmo chão ao mesmo tempo: o meu momento solitário da manhã havia acabado.

2) Poxa, ele fica tranquilo o dia inteiro, por que inventa de se arrumar ao mesmo tempo que eu e sair quase no mesmo horário? Ele não poderia fazer isso depois que eu saísse?

A raiva leve logo se tornou uma reflexão (o que tenho sempre feito com os sentimentos negativos e até tem dado certo, às vezes).

Eu havia criado uma competição silenciosa com meu pai — ver quem passa pelo corredor da cozinha primeiro, quem chega no banheiro primeiro, quem abre a porta primeiro. Como se o seu compromisso fosse menos importante que o meu, e o seu tempo também.

Compromissos se tratam de tempo. O tempo que reservamos para o tempo.

Na minha cabeça, a única alternativa era: meu pai pode mudar o horário da caminhada dele para eu me arrumar tranquila, já que ele é aposentado e consegue rever seus horários.

Hoje penso de outra maneira: ele gosta de caminhar às 6h da manhã. E ele gosta de me dar bom dia, e de dizer vai com Deus, e de fechar a porta da sala quando estou com pressa.

A gente quase nunca se vê. O momento em que eu estou me ajeitando para o trabalho e ele está se arrumando para a caminhada já é um compromisso. É o nosso.

Agora, vejo nossas manhãs de uma maneira mais leve e entendo que compromissos são importantes, independente de quem, do lugar e da hora marcada.

E, agora, me convido — e te convido também — a pensar em algumas questões: Quais são os meus compromissos? Qual prioridade atribuo a eles? Como enxergo o compromisso do outro?

Ainda não encontrei as respostas para essas perguntas, nem sei se vou encontrar. Mas a única certeza que tenho hoje é que sempre há tempo de enxergarmos a vida de outra forma. De viver nossos compromissos e entendê-los melhor.

Nem que seja um momento consigo mesmo, com o pai ou com a vida. Com o tempo que reservamos para o tempo e que nem o relógio conta.

Escrevi esse texto em março de 2019 para compartilhar minhas reflexões, agora, com você. Talvez, uma coesão mais afinada fique para outro compromisso. Obrigada por compartilhar esse comigo.

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