Os discursos empoderados de mulheres que mudaram a história

Ana Caroline Oleski
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12 min readOct 30, 2017

Publicado em Widoox

A busca das mulheres pela igualdade de direitos não é assunto de hoje. Ao longo dos anos, muitas mulheres corajosas e poderosas dedicaram boa parte de suas vidas para mudar a história. Mas, se essas mulheres existem, por que ouvimos falar tão pouco sobre elas?

Durante muito tempo a história foi escrita sob a ótica masculina, e a figura feminina raramente era apresentada. A oratória proporcionou às mulheres, assim como a todos que foram silenciados pela história, a oportunidade de sair do anonimato a que estiveram confinadas durante séculos.

Com discursos empoderados, as mulheres a seguir se opuseram às restrições de suas épocas e abriram espaço para a voz ativa na sociedade no que diz respeito a educação, mercado de trabalho, ciência, política… No entanto, ainda há muito que avançar para se alcançar a igualdade de direitos entre homens e mulheres na sociedade.

Conheça oito mulheres empoderadas e de oratória afiada que, de 1851 até a atualidade, marcaram a luta desse gênero que de frágil não tem nada.

Oito mulheres e seus discursos empoderados ao longo da história:

1851 — Sojouner Truth, “Eu não sou uma mulher?”

Sojourner Truth nasceu escrava em Nova York e, depois de livre, se tornou pregadora pentecostal, ativista abolicionista e defensora dos direitos das mulheres em uma época em que mulheres, em geral, eram proibidas de falar em público.

Em 1851, proferiu seu famoso discurso na Convenção dos Direitos das Mulheres, onde já apontava para as diferenças entre os gêneros e para a difícil questão sobre o que é ser uma mulher. A fala foi feita em resposta a um dos palestrantes do sexo masculino que estava na plateia.

Dizia ela:

Sou uma mulher de direitos. Tenho tantos músculos quanto qualquer homem, e posso trabalhar tanto quanto qualquer homem. Tenho arado, ceifado, cortado e aparado, e pode algum homem fazer mais do que isso? Tenho ouvido falar muito sobre igualdade dos sexos.

Posso carregar tanto quanto qualquer homem, e posso comer tanto quanto também, se conseguir o que comer. Sou tão forte quanto qualquer homem. (…) Os pobres homens parecem estar em total confusão e não sabem o que fazer. Porque, crianças, se existem direitos das mulheres, deem-nos a elas e irão se sentir melhor. Vocês terão seus próprios direitos e eles não serão um grande problema.

Posteriormente, versões diferentes foram surgindo e se popularizando, incluindo repetidamente a frase “Ain’t I a Woman?” (eu não sou uma mulher?), que acabou nomeando o famoso discurso.

1911 — Marie Curie, Segundo Nobel

Pioneira, Marie Curie abriu espaço para a presença ativa das mulheres na física e na química, duas áreas da sociedade que eram dominadas pelos homens em uma época extremamente machista e conservadora.

Mas, apesar das inúmeras conquistas no campo da radioatividade, Marie foi muitas vezes lembrada como ajudante de seu marido, mulher nobre, esposa devota, mãe dedicada…

Depois de dividir o Nobel de Física com o marido e Henri Becquerel, a premiação de química em 1911 foi exclusivamente para Marie que, não apenas foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel, como também a primeira pessoa a ganhar duas vezes essa condecoração.

Não é para menos que em seu discurso ela não fizesse nenhuma menção ao seu gênero. Pelo contrario, ela deixou claro que as pesquisa dela e do marido eram separadas, e fez uma ressalva no mérito por seus êxitos científicos.

Há 15 anos, a radiação do urânio vinha sendo descoberta por Henri Becquerel. Dois anos depois, o estudo desse fenômeno era estendido para outras substâncias, primeiramente por mim, e então por Pierre Curie e eu.

(…)Graças à descoberta dessas novas e muito poderosas substâncias radioativas, em particular o rádio, o estudo da radioatividade progrediu com uma rapidez maravilhosa: descobertas se seguiram uma a outra sucessivamente, e era óbvio que a nova ciência estava em desenvolvimento

Marie foi vítima da sua dedicação: morreu de anemia aplástica em 1934, devido ao contato intensivo com materiais radioativos. Mas suas conquistas serão eternizadas na história.

1914 — Nellie McClung, “Parlamento das Mulheres”

O processo de aprovação do voto feminino no Canadá foi muito difícil, mas Nellie McClung e suas companheiras sufragistas, conhecidas como as Cinco Mulheres de Alberta, foram de extrema importância para essa luta no início do século 20.

Entre os principais opositores do movimento estava o premiê Rodmand Roblin, que dizia frases como “Eu não quero uma hiena de anáguas falando comigo. Quero uma criatura agradável, suave, para trazer meus chinelos”.

Mas Roblin pagou um preço caro no quesito sarcasmo por tentar competir com Nellie, que respondeu à altura com bom humor e uma poderosa oratória.

Em 1914, as mulheres juntaram-se para encenar a peça ‘Parlamento das Mulheres’, que trazia um grupo de homens pedindo ao ‘parlamento feminino’ direito ao voto. O discurso do premiê foi praticamente repetido na peça, porém a palavra ‘mulher’ foi substituída por ‘homem’.

Nellie desnuda o preconceito dizendo:

Ah, não, homens foram feitos para algo maior e melhor do que votar. (…) O problema é que se homens começarem a votar, eles vão fazê-lo demais. A política perturba os homens, e homem perturbado significa contas perturbadas, móveis quebrados, votos quebrados, e divórcio. O lugar do homem é na fazenda. (…) Se os homens estivessem aqui para votar, quem sabe o que aconteceria? Já é difícil suficiente mantê-los em casa agora!

Em 1915, Roblin acabou afastado do cargo, e no ano seguinte as mulheres de Manitoba se tornaram as primeiras no país a conquistarem o direito de voto na eleição provincial e ocupar cargos eletivos.

Mas, para se ter uma ideia, o último estado canadense a atingir o voto feminino foi Quebec, em 1940. Sim, 26 anos depois!

1934 — Carlota Pereira de Queiroz, Primeira Deputada Brasileira

A primeira mulher brasileira a ser eleita deputada federal nasceu em São Paulo. Carlota Pereira de Queirós foi médica, escritora, pedagoga, e estudou em centros médicos da Europa, onde alimentou as idéias feministas e sufragistas.

Em 1933, foi a única mulher eleita deputada à Assembléia Nacional Constituinte, integrando a Comissão de Saúde e Educação no trabalho de alfabetização e assistência social.

Nas eleições de 1934, foi eleita pelo Partido Constitucionalista de São Paulo, tornando-se a primeira deputada federal eleita na história do Brasil. Seu mandato foi voltado para a defesa das mulheres e crianças.

Confira um trecho do discurso pronunciado na data de sua eleição:

Além de representante feminina, única nessa Assembléia, sou, como todos os que aqui se encontram, uma brasileira integrada nos destinos do seu país e identificada para sempre com os seus problemas. (…)

Quem observa a evolução da mulher na vida não deixará por certo de compreender esta conquista, resultante da grande evolução industrial que se operou no mundo e que já repercutiu no nosso país. (…) O lugar que ocupo neste momento nada mais significa, portanto, do que o fruto dessa evolução.

Carlota permaneceu na Câmara por mais três anos, até que o Estado Novo foi instaurado, e então passou a lutar pela redemocratização do país.

1949 — Eleanor Roosevelt, Direitos Humanos

Eleanor Roosevelt foi esposa do ex-presidente norte americano Franklin Roosevelt, mas não ouse restringi-la à condição de primeira dama. Eleanor foi ativista na área de Direitos Humanos por toda sua vida, e foi decisiva na formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Quando Roosevelt morreu em 1945, Eleanor chegou a dizer que se afastaria da vida pública, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. Ela se tornou mais envolvida em causas internacionais, atuando como diplomata na Assembleia Geral da ONU e presidenta da Comissão de Direitos Humanos.

Em um discurso na Universidade da Columbia, ela explicou o processo que resultou na Declaração dos Direitos Humanos, e comentou o impacto da Declaração de Independência dos Estados Unidos, que diz “Todos os homens…”:

Neste documento não vamos dizer ‘todos os homens’, porque em alguns dos nossos países, estamos lutando por reconhecimento e igualdade. Algumas de nós chegaram até o topo, mas outras ainda têm muito pouca igualdade, reconhecimento e liberdade. Se dizemos ‘todos os homens’, quando chegarmos em casa será ‘todos os homens’. Então, nesta Declaração você encontrará que o artigo 1 começa com ‘todos os seres humanos’, e em todos os outros artigos dizem ‘todos’ ou ‘ninguém’.

Eleanor trabalhou até o fim de sua vida pela aceitação e implementação dos direitos estabelecidos na Declaração. O legado das suas palavras e seu trabalho aparece nas constituições de grande número de nações e num corpo de lei internacional em evolução que agora protege os direitos dos homens e das mulheres por todo o mundo.

1969 — Shirley Chisholm, Primeira Candidata à Presidência dos EUA

Apesar de nenhuma mulher ainda ter ocupado a presidência dos Estados Unidos, uma representante feminina já tentava quebrar os paradigmas no país há 50 anos.

Shirley Chisholm nasceu em uma sociedade moldada pelo preconceito e pela segregação. Porém, ela conseguiu superar os obstáculos e se eleger a primeira mulher negra a ocupar a Câmara dos Deputados.

Um ano depois de integrar o Congresso, Shirley apresentou aos membros da Casa um discurso importante onde ela falou sobre os dois tipos de discriminação que enfrentou.

É obvio que a discriminação existe. Mulheres não tem as mesmas oportunidades que os homens têm. E as mulheres que não se conformam com o sistema, que tentam quebrar os padrões aceitáveis, são tachadas como “estranhas” e “não femininas”. O fato é que uma mulher que aspira a ser presidente do conselho, ou membro da Casa, o faz pelas exatas mesmas razões que qualquer homem. Basicamente, porque ela acha que pode fazer o trabalho e ela quer tentar.

Suas conquistas representaram uma enorme mudança na política estadunidense, mas sua maior “vitória” veio quatro depois. Em 1972, se tornou a primeira mulher a concorrer à presidência dos Estados Unidos pelo partido Democrata.

Antes dela, outras tentaram a vez. A primeira candidata à presidência dos Estados Unidos da história surgiu há mais de 140 anos. Em 1972, Victoria Woodhull se candidatou à Casa Branca pelo Partido pelas Igualdades de Direitos. Quase meio século antes o direito de voto às mulheres começar a ser liberado.

1971 — Gloria Steinem, “Endereçada às Mulheres da América”

Autora da famosa frase “uma mulher sem um homem é como um peixe sem uma bicicleta”, Gloria Steinem é reconhecida como ativista, jornalista, escritora e, acima de tudo, uma mulher de força que inspira mudança.

No início dos anos 70, Gloria fundou, juntamente com Dorothy Pitman Hughes, a Ms. Magazine, uma revista que moldou o feminismo dos dias de hoje, ao levá-lo de um movimento das ruas para as bancas de revista.

Em 10 de julho de 1971, na inauguração da Convenção Política Nacional das Mulheres, Gloria emitiu uma mensagem “Endereçada às Mulheres da América”, o que se tornaria um dos pronunciamentos mais memoráveis da época.

O discurso abordou não só questões do sexismo e misoginia, mas também racismo e classes sociais. A citação a seguir é a mais lembrada:

Esta não é uma simples reforma. É realmente uma revolução. Sexo e raça são diferenças que têm, visivelmente, sido as principais maneiras de organizar os seres humanos em grupos superiores e inferiores, e para o trabalho barato que este sistema ainda depende. Estamos falando de uma sociedade em que não haverá papéis diferentes dos escolhidos ou merecidos.

1995 — Hillary Clinton, “Os direitos das mulheres são direitos humanos”

Em 1995, o pronunciamento de Hillary Clinton na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres das Nações Unidas, em Pequim, foi um divisor de águas para os direitos das mulheres.

Na ocasião, ela criticou as violações de direitos humanos, incluindo a política de controle de natalidade conhecida como “um filho por casal” imposta na China, argumentando com ênfase contra os abortos forçados e os limites à liberdade de expressão.

O discurso surpreendeu pela intensidade. Hillary não citou em momento algum a China, embora tenha deixado seu alvo bem claro. Perante representantes de mais de 180 países, ela falou:

Se há uma mensagem que ecoa perante esta conferência, é que os direitos humanos são os direitos das mulheres, e os direitos das mulheres são direitos humanos, de uma vez por todas.

Não vamos nos esquecer que entre esses direitos está o direito de falar livremente — e o direito de ser ouvida. (…) Enquanto a discriminação e as desigualdades continuarem comuns em todo o mundo — enquanto as meninas e mulheres forem menos valorizadas, menos alimentadas ou alimentadas por último, trabalhando mais, sendo mal pagas, não escolarizadas e submetidas a violência dentro e fora de suas casas — o potencial da família humana para criar um mundo pacífico e próspero não será realizado.”

2010 — Zilda Arns, Pastoral da Criança

Zilda Arns Neumann foi uma médica pediatra e sanitarista brasileira, indicada três vezes ao Prêmio Nobel da Paz pelo Brasil. Fundou e coordenou a Pastoral da Criança, organismo que tem como objetivo o desenvolvimento integral de crianças entre zero e seis anos de idade.

Seu trabalho serviu de modelo para vários países, como Argentina, Venezuela, Bolívia, Peru, Filipinas, Angola, Moçambique, Equador e México. Em algumas dessas nações, ela própria ministrou cursos de como estruturar as ações da Pastoral.

Em janeiro de 2010, Zilda estava discursando em Porto Príncipe, no Haiti, com o intuito de introduzir a Pastoral da Criança no país. Pouco depois de proferir a palestra, um violento terremoto atingiu o país. As paredes da igreja em que estavam desabaram, e ela foi uma das vítimas da catástrofe.

Em seu último discurso, disse as seguintes palavras:

Não existe ser humano mais perfeito, mais justo, mais solidário e sem preconceito que a criança. (…) Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe de predadores, ameaças e perigos, e mais perto de Deus, deveríamos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado, promover o respeito a seus direitos e protegê-los.

2013 — Malala Yousafzai, Direito ao Estudo

No Paquistão, apenas meninos possuem o direito de ensino, e uma garota querer estudar é o mesmo que desafiar uma das mais violentas milícias extremistas, o Taliban.

Mas Malala não desistiu, e lutou com todas suas forças para defender o direito a educação das meninas e adolescentes em seu país. Como “punição”, militantes do grupo atiraram na cabeça da estudante, que tinha apenas 15 anos de idade.

Após cirurgias, a garota sobreviveu sem problemas e, nove meses depois do ocorrido, deu seu primeiro discurso público. Durante a Assembleia de Jovens da ONU, no dia em que completava 16 anos, Malala pediu mais esforços globais para que crianças tenham acesso à escola.

Confira um trecho do discurso:

Não podemos nos esquecer de que milhões de pessoas estão sofrendo com a pobreza, a injustiça e a ignorância. Nós não devemos nos esquecer de que milhões de crianças estão fora da escola.Nós não devemos esquecer que nossos irmãos e irmãs estão esperando por um futuro brilhante e pacífico.

Deixem-nos, portanto, travar uma luta gloriosa contra o analfabetismo, a pobreza e o terrorismo. Deixem-nos pegar nossos livros e canetas porque estas são as nossas armas mais poderosas. Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo.

A ONU declarou esta data, 12 de julho, como “Dia Malala”. Em 2014, ela e o indiano Kailash Satyarthi foram condecorados com o prêmio Nobel da Paz, por “sua luta contra a supressão das crianças e jovens e pelo direito de todos à educação”.

2014 — Emma Watson, “HeForShe”

A atriz Emma Watson já é querida por todos e conhecida por ser a eterna Hermione da saga Harry Potter. Porém, como embaixadora da Boa Vontade da agência ONU Mulheres, ela conquistou ainda mais o público.

Em 2014, Emma lançou a campanha HeForShe, um projeto que visa a participação de homens na luta feminista e na discussão da igualdade de gêneros. Em um evento para a apresentação da campanha realizado na ONU, ela pronunciou um discurso maravilhoso onde falou sobre o feminismo e liberdade.

A embaixadora disse:

É hora de começar a ver gênero como um espectro, ao invés de dois conjuntos de ideais opostos. Deveríamos parar de nos definir pelo que não somos e começarmos a nós definir pelo que somos. Todos podemos ser mais livres, e é sobre isso que é o HeForShe. É sobre liberdade. Eu quero que os homens comecem essa luta para que suas filhas, irmãs e esposas possam se livrar do preconceito, mas também para que seus filhos tenham permissão para serem vulneráveis e humanos e, fazendo isso, sejam uma versão mais completa de si mesmos.

“Se há uma injustiça e desigualdade, alguém precisa dizer alguma coisa — e por que não você? Devemos ser feministas globais e incluir homens e meninos”

A lista tem apenas oito nomes, mas poderia ter milhares de outros. Seria impossível listar todas as outras mulheres que tiveram papeis importantes na história).

A luta delas não será esquecida, ignorada, nem apagada. Esperamos que, no futuro, mais mulheres sejam lembradas com tanta admiração por terem mudado o mundo com seus discursos poderosos.

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Ana Caroline Oleski
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