Geração milénio portuguesa

Comparação com a crise de empregabilidade jovem internacional

Ana Catarina Margarido
NitaAbroad
6 min readSep 12, 2017

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Como habitualmente a Internet teve o dom de me fazer navegar por um conjunto de informação para a qual não procurei. Acordei e fui ver as minhas notificações nas redes sociais… este era para ter sido apenas mais um dia de folga a fazer algo que me desse prazer. Pois dei por mim a “perder” horas a ler documentação com as tendências internacionais no emprego jovem — isto é, desemprego. A maioria das pessoas talvez desconheça mas eu realmente gosto do “lamber papel”. Assim, da próxima vez que falar sobre a minha experiência internacional, envolvendo os seus prós e contras, apresento alguns dos dados que justificam as minhas opiniões e me tornam mais confiante das minhas escolhas.

Oportunidades Internacionais: Erasmus, Gap Years e Emigração

Ouvimos muitas pessoas dizer que acreditam que viver e trabalhar em contexto internacional desenvolve skills essenciais e valorizados para o mercado de trabalho.

Quantos são os estudantes de Erasmus, por exemplo, que tentam usar esta linha de pensamento para justificar que não fizeram um semestre de férias? E que não foram para obter um 20 num estágio lá fora em vez do típico 14 português? Será que isto é uma realidade? Serão mesmo os programas Erasmus uma valorização no CV do ponto de vista das empresas ou é só mais uma fantochada das Instituições de Ensino que demonstram uma plena desregulação no momento da avaliação e do Espaço Europeu do Ensino Superior?

Outra das questões que muitas vezes se questiona são os Gap Year ou ano Sabático. Quem nunca julgou um ano sabático com as seguintes percepções: “isso é só para os meninos ricos”, “um ano de férias, uma perda de tempo” ou então: “passado um ano serei a mesma pessoa e perdi 1 ano de experiência profissional em comparação com um colega de faculdade”.

Então e a emigração? Permanente? Temporária? Será que emigrar é de facto uma mais valia e me trará o emprego que eu procuro no futuro? Será verdade que quem emigra tem condições de emprego que não aceitaria no país de origem em troca de mais dinheiro?

Pois, ficam a saber que segundo o Youth Global Employability Report realizado pela AEISEC e publicado este ano 2017, os resultados mostram que “skills desenvolvidos durante a vida do jovem além fronteiras são também os skills mais procurados pelos empresários. (…)As oportunidades internacionais podem ser vistas como uma plataforma rápida na obtenção de muitos dos soft skills desejados no âmbito profissional”.

Educação Inadequada às necessidades

Muitas vezes colegas e amigos me viram contrariar as opiniões de que a nossa educação não estava adequada. Não foi bem pensada e não faz sentido. Sou um exemplo em milhares, mas a minha experiência individual só demonstrou uma vez mais que os números que apresento abaixo são verdadeiros. Estive 6 meses desempregada, num país que não entende o que significa a minha Licenciatura e que é reconhecido internacionalmente por ter uma das melhoras da Europa. Não consegui um emprego nem numa loja de roupa local.

Segundo World Employment Outlook: Trends for youth by International Labour Organization publicado em 2016 os jovens dos 20–29 anos representam a maior fatia de NEET (neither employed, nor in education or training). Um status que leva à deterioração de skills, subemprego e desencorajamento — no meu caso levou-me quase à depressão. Curioso ainda referir que Portugal é o único país da OCDE (com a excepção da Suécia — país que por sinal é a base da pirâmide e representa a menor percentagem de NEET’s dos países desenvolvidos) em que o NEET é mais alto para a faixa etária dos 20–24 em comparação com a faixa etária dos 25–29.

Jovens com alto nível de qualificação estão cada vez mais a exercer profissões para as quais são sobre-qualificados. O crescimento do fenómeno da sobre-qualificação está, por isso, a conduzir para um congestionamento dos jovens da base da pirâmide educacional. Os jovens menos qualificados encontram-se no fim da fila até para empregos para os quais têm a melhor qualificação. Global Employment Trends for Youth by International Labour Organization, 2013

E o problema não é só do país. A Licenciatura apesar de ser das melhores da Europa não dá acesso a acreditação internacional directa. Como se pode pedir que num país com taxas de desemprego tão altas se queiram formar os melhores técnicos de Medicina Nuclear da Europa e para além de não existirem oportunidades de emprego no país de formação, depois também não os dotam de um acesso de acreditação internacional? Que credibilidade tenho eu neste contexto, em dizer que tenho a melhor formação da Europa?

Uma Instituição dotada de professores que não viam oportunidades de emprego para a minha formação para além da óbvia “técnica de Medicina Nuclear/PET-CT”. Ora, sou defensora que a minha Licenciatura me dotou de inúmeras competências tão ou mais importantes do que as que me dão acesso ao exercício do quotidiano de um técnico de Medicina Nuclear.

Tentei explicar ao mundo, que a minha licenciatura é uma prova de que sou capaz de uma série de competências que me poderiam dar acesso a um emprego completamente diferente daquele que foi o propósito para o qual esta foi criada.

Pois, este tipo de pensamento é hoje evidente em inúmeros estudos sobre a geração milénio. A geração milénio não acredita que a formação base seja um handicap para chegar a um emprego. E as empresas? Será que percebem este pensamento? Será que procuram candidatos às suas posições de gestão, administração ou marketing com uma formação base numa tecnologia de diagnóstico e terapêutica? Será que as empresas percebem e valorizam o ensino politécnico?

Mais uma vez, segundo o Youth Global Employability Report realizado pela AEISEC e publicado este ano 2017, As empresas estão largamente insatisfeitas com a preparação oferecida pelas instituições de ensino. Os resultados mostram que existem dois lados do problema: os educadores falham na preparação do jovem para o futuro e as empresas não são capazes de encontrar talentos qualificados. As instituições de ensino precisam de entender os requisitos para o mercado de trabalho e suportar os jovens não só a terminar os estudos, mas também a encontrar oportunidades de emprego após licenciados”. Acreditem que depois de ler isto deu vontade de enviar uns e-mails informativos a alguns professores.

Empregos temporários ou regime part-time

Na Europa, existe uma crescente proporção de jovens empregados em condições de trabalho temporário ou part-time e evidencias mostram um significante crescimento que este é involuntário ao invés de “por opção”. Trabalho em regime part-time representava 25% da empregabilidade jovem na Europa em 2011. Outros 40.5% da empregabilidade jovem sob contratos temporários segundo o Global Employment Trends for Youth by International Labour Organization publicado em 2013.

Foquemo-nos em Portugal que segundo o World Employment Outlook: Trends for youth by International Labour Organization publicado em 2016 o trabalho em regime temporário representa 70% da empregabilidade jovem sendo que apenas 20% desses o têm por opção.

Portugal está em comparação com a média europeia EU-28, com mais 30% de empregabilidade temporária.

A boa notícia é que em relação ao regime part-time Portugal está abaixo da média europeia, ainda que com uma média 50–50 para trabalho part-time voluntário ou involuntário.

Conclusão

Todos estes valores mostram que o meu grupo de amigos não foi escolhido a dedo. É uma realidade. Os números falam por si. A prosperidade jovem está em decadência e é importante demonstrar, que esta geração sofre não só de falta de oportunidades de emprego como de boas condições de trabalho a nível mundial. Uma geração milénio que teve de se adaptar ao mercado dos empregos temporários involuntários, ainda que gritemos a pés juntos que nos cansamos rápido dos nossos empregos, que procuramos experiências diferentes e que emigrar é só uma desculpa para viajar. Não, não é. Só sabe melhor se o virmos dessa forma.

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