A corrida

Antropologia de coletivo urbano, insghts e nova vida.

Joab Freire
canhenho
3 min readNov 1, 2018

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Campina Grande, 31 de outubro de 2018

A cidade é escura às quase cinco da manhã. No rádio entre um ruído e outro na sintonia, o som da viola me agradou. Pela primeira vez eu estava botando para ferver a água para passar um café forte e amargo para, pela primeira vez, sair em um compromisso profissional na Rainha da Borborema. Campina sempre me pareceu rústica demais para ser grande e grande demais para ser interior e, as primeiras notícias do dia, que davam conta do começo da chipagem de veículos de tração animal na cidade, fez com que isso, de certa forma, se confirmasse na minha cabeça.

Sem a menor noção de tempo e espaço, sai às 6:40 para o compromisso marcado para as 8:20; hoje em dia, o Google nos dá essa noção no entanto, para quem sai de uma realidade analógica de transporte público, não há como confiar ou deduzir se esse ou aquele coletivo estará à disposição no horário que se precisa.

Sem sombra de dúvidas, o sentimento de emancipação da grande maioria das pessoas é aquela viagem sem a companhia dos pais, ou o momento em que você se vê só, num apartamento, em outra cidade, com mais responsabilidades que certezas. Meu insight sobre minha nova realidade, em Campina Grande, no entanto, se deu quando eu me sentei no ponto do ônibus para esperar o — 303 ou 333 — que me levaria para perto de meu primeiro e mais significativo destino na cidade.

Não foi demais para me colocar no lugar de um motorista de ônibus que trace a mesma rota todos os dias. (Foto: Joab Freire / acacrônica)

Tão somente, quando o ônibus parou, e eu subi e me dirigi ao meu assento, que pude me aperceber dos rumos que aquela viagem, aquela específica viagem, me levaria. Eu olhei bem para cada pessoa que subia e descia daquele ônibus, naquela manhã, a fim de testar — na imaginação — que aquilo que pudera ser o que há de mais corriqueiro para aquela gente poderia também fazer alguma diferença positiva para elas naquele dia.

De certo, o condutor do veículo, que de gentileza em gentileza, esperava alguém que acenava de longe, ou parava fora dos locais certos para pessoas subirem e descerem, e respondia cada bom dia com a mesmíssima euforia para todas as invocações.

Não foi demais para me colocar no lugar de um motorista de ônibus que trace a mesma rota todos os dias, acostumado a ver as mesmas pessoas, os mesmos caminhos, essa empatia e gentileza, talvez, e para mim, poderia estar ligada a essa natureza cíclica — ossos do ofício do condutor de transporte público.

Neste momento, não me recordo do rosto de ninguém, nem dos passageiros a quem observei criteriosamente nem do motorista a quem passei a admirar pela conduta, mas certamente, e este é meu palpite mais certeiro, eu jamais me esquecerei desta corrida, que me levou para meu primeiro emprego em Campina Grande.

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Joab Freire
canhenho

Distribuidor de versos, prestador de atenção, contador de histórias, arteiro e buliçoso. Estuda jornalismo, pesquisa cultura e atua imprensa da PB desde 2010.