Ser centrado no usuário é desconfortável

Anderson Gomes
Anderson Gomes
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6 min readJul 31, 2017

Muitas startups me procuram para pedir dicas sobre como modelar negócios centrados no usuário. A cada dia percebo que este desafio é conflitante em relação à métricas de sucesso tradicionais. Normalmente, empresas tradicionais utilizam métricas de negócio que representam seu próprio sucesso e o paradoxo começa exatamente quando precisamos incluir a variável “sucesso do cliente” nesta equação.

Fazer coisas que as pessoas precisam é maior do que fazer as pessoas precisarem de coisas.

Em um mercado repleto de alternativas e canais de comunicação distribuídos, os clientes influenciam as escolhas de outros clientes. Sendo assim, o cliente está mais volátil, menos fiel a marcas tradicionais e com muito mais poder. Estar na zona de melhor benefício é o que guia suas decisões. Diversas empresas disputam a atenção destes clientes, posicionando-se como melhor opção. Porém, o problema começa quando o sucesso do clientes exige inovações cada vez mais rápidas em busca de diferenciação. Agora, não basta ser a melhor opção por um instante, é preciso ser melhor a partir daquele momento de encantamento.

Portanto, já não basta entender os desejos e ambições dos clientes. É preciso entender as rotinas, comportamentos e influenciadores de seus clientes para criar experiências assertivas, que fazem parte dos micromomentos de interação entre seu cliente e a sua marca.

E porque as empresas não fazem isso?

Custa mais caro

Recrutar usuários de um perfil preciso, modelar entrevistas, sintetizar dados qualitativos não são tarefas simples. Profissionais capazes de fazer isso estão cada vez mais valorizados no mercado. As grandes corporações já entenderam a relevância de mantê-los próximos à tecnologia e negócios. O custo é alto, porém, bem menor do que lançar um produto no mercado investindo milhões e perceber que ninguém precisava daquilo.

É mais complexo

Nossas tecnologias atuais ainda não são capazes de interpretar diferenças semânticas entre o discurso das pessoas e seus comportamentos. Por isso, ainda precisamos entrevistar pessoas sendo o mais imparcial possível para captar suas reais necessidades, muitas vezes por trás do que falam. Este tipo de entrevista precisa ser muito criteriosa, funciona como uma bússola, 1º de erro de interpretação pode levar a um desastre estratégico no futuro.

Reduz alguns lucros a curto prazo

Em muitos casos, para encantar o cliente, teremos que abrir mão de uma parte do lucro. Surpreender positivamente é estar do lado do seu cliente nos momentos mais críticos, é assumir seus próprios erros de serviço de forma transparente diante de uma comunidade cada vez mais atenta. A teoria do Net Promoter Score afirma que para cada detrator da sua marca, você precisa de oito promotores para neutralizar a percepcão do mercado. Reverter detratores abrindo mão de pequenos lucros é mais barato e eficiente do que conquistar oito novos clientes promotores.

Porque isso é importante?

Tornar-se essencial para a vida do seu cliente e entrar na rotina é a mais nova forma de poder, maior do que só dinheiro. Ter uma grande carteira de clientes que usam seu serviço por preço é a maneira mais arriscada de investir em algo que derrepente… Puff! Algum outro serviço despertou mais interesse e sua carteira simplesmente migrou (Como no caso do Paypal e as startups Wepay e Stripe).

Obviamente que o caminho mais confortável para construir um produto/serviço é arriscar numa ideia que você teve ontem, focar-se em lucros rápidos, esquecer quem irá usar e fazer tudo pensando nos próprios casos de uso. Porém, o caminho mais fácil nem sempre é o melhor!

Além disso, as métricas mais utilizadas abordam somente conversão, churn e ticket médio. Em algumas empresas, fala-se em Net Promoter Score (NPS), que apenas mensura a propensão do cliente a indicar um serviço a um amigo, não exatamente se o cliente está satisfeito. Em negociações que vivenciei, métricas como sucesso do cliente dificilmente se equiparam com “dinheiro na mão agora”.

Start with user needs

The hardest part of design… is keeping features out.

— Donald Norman

A melhor maneira de saber se está sendo centrado nos clientes, é começar por eles. Diversas empresas como Starbucks, Natura, Marvelapp estão criando plataformas colaborativas para que clientes sugiram ideias, votem e discutam sobre as dores cotidianas com o serviço prestado.

Outra linha de pensamento está caminhando para o monitoramento de redes sociais, partindo do princípio que seu cliente não entrará em contato contigo para reclamar do seu serviço. Ele reclamará para seu próprio círculo de amizades, o que pode ser bom ou ruim dependendo da sua postura nas redes sociais. Ferramentas como www.sprinklr.com ajudam a monitorar e responder estas reclamações indiretas, surpreendendo seus promotores e detractores, fazendo parte da sua vida social online.

Iterate, than iterate again

Make sure you are building The Right It before you build It right.

— Alberto Savoia

Quando estamos construindo algo nossas chances de cair numa “bolha de distorção da realidade” é muito grande. Naturalmente ficamos apegados e apaixonados pelas coisas nas quais dedicamos muita energia. Alberto Savoia explica que quanto mais tempo nos dedicamos a algo, menor a chance de abandonarmos, estando certos ou errados.

Quanto mais tempo gastamos, mais tendemos a continuar gastando.

Por isso é muito importante começar com pequenos experimentos rápidos para entender se um produto ou serviço faz sentido para alguma parcela de potenciais clientes. Alberto Savóia trabalhou durante muitos anos no núcleo de inovação do Google e descobriu que os principais motivos de falhas estão nas premissas do projeto, na operação e no lançamento. Em seu site Pretotyping.org, o autor explica detalhadamente a diferença entre prototipar para validar o funcionamento de algo e pretotipar para entender se alguém gostaria de usar/comprar algo. Recomendo muito a leitura deste conceito, pois pode economizar muito dinheiro e energia nos seus próximos projetos.

Data Driven Design

“Not everything that can be counted counts.
Not everything that counts can be counted.

— Albert Einsten

Muitos pontos de contato da experiência de uso são difíceis de medir quantitativamente. Mensurar a satisfação do serviço e entender quanto a sua marca faz parte do dia a dia dos clientes não é trivial. Porém, existem métodos que nos permitem ir além das métricas tradicionais focadas no sucesso da empresa e começar a olhar também para o sucesso dos clientes.

Love is in the HEART

Em 2015, Kerry Rodden do Google Ventures escreveu um artigo explicando como mensurar a qualidade de experiência de uso. O framework HEART é um acrônimo para Happiness, Engagement, Adoption, Retention e Task Completion. Estas dimensões vão muito além das métricas tradicionais de conversão e se focam em medir a qualidade da experiência, entendendo que tipo de sinais demonstram que clientes ainda QUEREM estar contigo.

Se seus clientes adotaram a sua solução, se engajaram no uso contínuo, estão felizes com a sua marca e conseguem fazer o que precisam, eles tenderão a ficar contigo por um bom tempo. O grande diferencial do HEART está em descobrir como medir estas dimensões para a sua empresa e guiar seus experimentos para melhorar cada um destes fatores. Obviamente que isso não elimina a necessidade de fazer testes AB para seus experimentos, porém o parâmetro de sucesso transcende conversão.

Ufa… Concluindo :)

Este assunto me inspira muito, principalmente quando visito clientes e saio da bolha de distorção da realidade que vivemos dentro do escritório. Me sinto vivendo o Mito da Caverna e tendo que contar para minha tribo o que ví no mundo real… hahaha!

Se você chegou até o final deste artigo, se considere um guerreiro. Fico a disposição para trocar uma ideia sobre estes assuntos. Basta mandar um email para anderson.silva@youse.com.br e marcamos um papo.

Todas as ilustrações foram feitas pela minha querida amiga Debora Dias

:)

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