Carta Aberta aos Jovens Vândalos que Invadiram Escolas em São Paulo*
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“Aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o, para torná-lo teu.”
Goethe
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por André Camargo
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Quantas já são? Setenta? Oitenta?
É escola pra cacete. Pense.
Vocês, jovens, estão ocupando as escolas! Estão se apropriando de algo…
…que já é de vocês.
Apropriar-se do que já é seu, de direito, poderia ser um selo de qualidade do processo de amadurecimento.
Que oportunidade para um salto de consciência!
Olha, apesar das caras feias que vocês devem cruzar por aí, eu e muita, muita gente estamos orgulhosos de vocês.
Então alguém teve a ideia de invocar o poder da Rede para viabilizar o apoio da comunidade a vocês. As pessoas se oferecendo para dar aulas, oficinas, palestras.
UAU! (e que inveja! — queria eu ter tido essa ideia)
Da noite para o dia, eram mais de 1200 pessoas de todo canto acenando com apoio.
Acho extraordinário. Um movimento de enraizamento, territorialização e entrelaçamento dos mundos da escola e da comunidade.
Que viviam dissociados.
Putz, deixa eu contar pra você meu sonho.
Na verdade, falta só um degrauzinho. Tá quase lá.
Sabe qual é meu sonho?
É nós todos sacarmos que vocês não precisam de aula.
Aliás, são vocês que estão dando uma aula pra gente.
Vocês estão demonstrando mais consciência sobre o papel do Estado, sobre direitos e deveres, e sobre como condições históricas e sociais configuram realidades, quer dizer, estão demonstrando mais consciência política que um governo cuja truculência intransigente só se dispõe ao diálogo na base do spray de pimenta, dos cassetetes e balas de borracha.
Então, a gente precisa é do reconhecimento da comunidade sobre o significado do que está acontecendo.
A comunidade precisa afirmar o protagonismo de vocês. E apoiá-los para que sua formação humana seja auto-organizativa.
Porque, é óbvio, vocês são capazes de decidir o que é melhor para vocês e buscar as condições necessárias para evoluírem. Sobretudo se contarem com o apoio das gerações anteriores.
Sem condescendência.
Nós, adultos, não precisamos fazer muito. Na verdade, precisamos fazer menos. Parar de fazer o que temos feito nos últimos séculos.
Só isso.
Imagine comunidades de aprendizagem porosas (em diálogo vivo com a comunidade maior), emancipadas, auto-organizativas.
Adolescentes dedicados a melhorar o que está ruim em suas comunidades, no mundo real, e não dentro de uma sala de aula, como faz de conta.
A gente começa rompendo com o modelo conteudista — que, no fundo, é apenas pretexto para o controle.
Tirar o foco do conteúdo e cultivar conversas sobre a forma, isto é, sobre o tipo de educação que gostariam de experimentar.
Eu me pergunto como seria se os jovens pudessem deliberar coletivamente sobre como sua “escola” deve funcionar. Sobre a organização das rotinas e dos processos. Dos tempos e espaços. Sobre conteúdos e estratégias. Sobre o sentido dessa p*rra toda.
Afinal, os maiores interessados são vocês.
Precisamos parar de tratá-los como café com leite.
O que não significa abandoná-los, mas inverter a lógica paternalista da educação, que trata vocês como incapazes, até que tenham diplomas.
Somos nós, adultos, os figurantes.
Vocês devem protagonizar as experiências de aprendizagem e a comunidade e o território devem se organizar para dar sustentação a seu processo.
O processo de encontrarem seu lugar no mundo — transformando-o.
O futuro se configurando bem diante dos nossos olhos.
Percebe?
Seriam sementes autênticas de uma cidade-educadora (de fato, não apenas na propaganda), desdobrando-se organicamente, de dentro para fora.
Agora imagine cada escola ocupada se conectando com as outras em um extenso ecossistema de aprendizagem. Uma rede social que perpassa toda a cidade (e também os ambientes rurais), potencializando e aprofundando os processos afirmativos, pró-vida, que já temos testemunhado pela tv e pelos jornais.
Como seria se a gente dissesse Caras, é isso, vocês percorreram o caminho do coração, capturaram a Espada e evidenciaram seu caráter heroico.
O portal da transformação se abriu diante de vocês.
Vocês provaram do Elixir que tem o poder de curar a hipocrisia, a escrotidão, a ignomínia desse mundo decadente.
Estão prontos para se despedir do agonizante e parir o emergente.
Agora, o que querem?
Como podemos ajudá-los/as?
Como seria abraçar de vez a crise de representatividade, desse sistema podre com essa gente — Dilma, Alckmin, Cunha — que, definitivamente, não nos representa?
E chamar para a roda de sonhos a comunidade, convidar os professores e os policiais para entrar, sentar, pensar e sentir junto.
Para co-criar um modelo de formação humana que atenda aos sonhos e aspirações da gente comum (e não aos interesses dos tecnocratas calculistas e manipuladores).
Para co-criar o futuro compartilhado, sem a intermediação de empresas e políticos de carreira.
Como seria?
* O título pode conter ironia.
Gostou do texto? Então sinta-se à vontade para clicar no coraçãozinho verde logo abaixo.
Fazendo isso, você chama mais gente para a conversa sobre o tipo de futuro que estamos construindo junto.