Chrono Trigger

Angelo Dias
angelocria
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7 min readApr 8, 2015

Já joguei a introdução várias vezes. A cena do tribunal — cuja função é sugar o jogador para a maravilha que é Chrono Trigger — não me afetou dessa vez. Fui tido como culpado e inocente em outras tentativas de começar o que muitos chamam de o melhor RPG da história dos videogames. Mas dessa vez… dessa vez eu queria jogá-lo até o fim.

Não há nada de inovador em uma resenha de um jogo lançado em 1995. Portanto não vou fazer uma resenha, com os pontos altos e baixos, classificação em forma de estrelas, ficha técnica (que pode ser lida aqui, prontinha e completa) ou detalhes tentando não dar spoilers. Minha experiência com Chrono Trigger nunca será a de quem o jogou no console, lá atrás, sem entender bulhufas do que estava acontecendo.

Eu trapaceei em prol da história. Eu joguei com um detonado. Não vou me alongar e me desculpar por ter seguido um walkthrough, isso será feito em outro texto (ah, as promessas).

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Festa, navio, floresta, castelo

ANDAR COM FÉ

Chrono Trigger conta a história de um menino que viaja pelo tempo, inicialmente, com uma sabe-tudo nerd e uma patricinha rebelde. Chrono é ninguém, um protagonista silencioso que caminha pelo continente. Aliás, que mapa legal. Nos outro RPGs que joguei, o mapa principal era salpicado com cidadezinhas. Você entrava nas cidades e aí então entrava nas lojas, estalagens e outros edifícios. E sempre haviam encontros aleatórios. ODEIO encontros aleatórios.

O interessante de jogar Chrono Trigger 20 anos após seu lançamento é perceber como os desenvolvedores não aprendem. Ele, em sua simplicidade, o faz mais dinâmico e interessante, trazendo o mapa do mundo em que você pode entrar nos edifícios sem precisar da cidade intermediária. Ela está lá, no mapão, facilmente acessível. Eu posso andar livremente entre cidades sem medo de tomar um TARANANANA e pronto, encontro aleatório. Que delícia.

CAPA1

GENTE COMO A GENTE

Os personagens, jogáveis ou não, são interessantes. Você quer passar na casa da Lucca e ver qual a nova invenção de seu pai. Quer gastar 10 mil dinheiros para ver o que vai acontecer com o prefeito mal humorado do futuro. Você quer conversar com os monstros, entender a razão da guerra, recrutar o inimigo para sua equipe. Todos ali parecem ter motivações e razão para existir. Exceto Chrono.

O pingente (que faz com que o protagonista viaje no tempo) não é dele. A tecnologia que desencadeia o primeiro portal não é dele. Sua morte (SPOILER SURPRESA, RÁ) parece mais um ataque de misericórdia do que uma ação heroica. Chrono é… o jogador. Essa falta de relevância o faz ainda mais relevante, já que é nele que o jogador se projetará e acompanhará a história.

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São sete personagens jogáveis e interessantes. Marle, a princesa, segue o clichê “quero viver a vida como gente normal” mas ainda assim consegue cativar. Lucca, a inventora, carrega uma pistola e sempre é a mais tecnológica. Robo, um constructo, quer ser gente (e é o menos interessante, em minha opinião); Ayla, a pré-histórica, é mulher forte, lutadora e sensual (minha personagem favorita pelo ótimo humor); Frog, o sapo que não é príncipe, é peculiar por si só e merece um trecho só para ele; Magus (EITA SPOILER), o vilão, me lembra esse cara aqui por algum motivo então não o levei muito a sério, mesmo gostando bastante dele como antagonista.

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SAPO CURURU

De todos os personagens, o que mais gostei foi o Frog. Tudo nele me cativou: sua história de vingança e redenção, sua aparência grotesca, a questão da honra do cavaleiro, a evolução do personagem, Masamune. Até o tema musical do personagem é o meu preferido. Seu envolvimento na história é tão intenso que nunca quis tirá-lo da minha equipe. Ele bate forte, cura, abre rachadura na parede, xinga o vilão e chama no 1x1, quer acabar com Lavos (putz, nem falei, ele é o vilão de verdade, depois chego nele), quer vingar o amigo e ainda não liga de comer moscas de vez em quando.

A presença de Frog dá outra profundidade ao jogo. Enquanto os outros personagens querem salvar o mundo, uma missão grandiosa e quase impossível que bate de frente com uma força cósmica descomunal, o sapo quer sua honra de volta. Se parar para pensar, Chrono, Marle, Lucca e Ayla não veriam o fim do mundo. Eles viveriam suas vidas e morreriam sem sofrer com a presença de Lavos (exceto Ayla, mas ela morreria de qualquer jeito com o estilo de vida selvagem). Robo continuaria quebrado e um dia seria soterrado pelas ruínas. Magus, que sofreu com Lavos diretamente, continuaria seu plano de matá-lo e morreria no processo. A dimensão da missão é tão abrangente que se torna fina e imperceptível.

Frog não. Ele não precisa viajar ao futuro. Ele não quer ir ao passado. A questão dele é aqui e agora, tête-à-tête, com unhas e dentes. Magus, esse filho de uma égua, tem que morrer nas mãos de Frog. Se ele precisar derrotar o comandante dos demônios, melhor ainda. Sua missão é sólida, tangível, perceptível aos olhos dos companheiros e das pessoas daquele mundo. Ele não tem a opção de ser passivo e viver seus dias até que eles acabem. Ele precisa completar sua tarefa, vingar o companheiro e reencontrar sua dignidade. CACETA QUE PERSONAGEM DAORA.

bagulho besta
bagulho besta

CARAMUJO DO INFERNO

A ideia de Lavos ter caído do céu no passado é muito boa. Que ele se manteve na dele por tanto tempo também. Toda a história de Magus tentando encontrá-lo para se vingar é convincente e me fez repensar minhas motivações e recrutar o ex-vilão. Agora convenhamos, não é possível que a mesma equipe que desenhou a expressiva Ayla, no alto de seus poucos pixels, e o maléfico Magus, com sua capa e foice, possa ter feito o maior vilão do mundo ser um caramujo-aranha-tartaruga-espinhosa. Sério, eu achei o design de personagem péssimo! Até o momento que você descobre que aquele corpo é só um invólucro — EITA SPOILER — e entra no “corpo” de Lavos até encontrá-lo em outras formas… não me convenceu. É um vilão mega poderoso que não me aterrorizou nadica de nada.

Dá trabalho para matar mas dá zero medo
Dá trabalho para matar mas dá zero medo

Os chefes do jogo são criativos. Cada um tem um jeitinho de matar, cada qual com sua peculiaridade e estratégia. Lavos não, ele é uma amálgama de todos eles tudo junto e misturado. Lutar contra ele não foi fascinante (como queria que fosse) e acabou sendo cansativo e repetitivo. Quando Lavos morreu, não pensei “YEAH, SALVEI O MUNDO”. Pensei “ufa, acabou”.

MISSÕES DE LADO

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Sobre jogar com um detonado: vale a pena. Eu queria experimentar a história sem me perder por horas em um labirinto ou não saber exatamente o que fazer. Segui o walkthrough através do jogo todo e, em um certo momento, ele me informou que havia terminado a missão principal. “Só falta você matar Lavos”, dizia, “Mas antes você tem esse trilhão de sidequests para fazer”. Vou confessá-los que Chrono Trigger é inacreditável e inovador, mas não tem uma duração perfeita. Nesse momento eu não queria fazer sidequest nenhuma, só queria entrar e acabar com o ser horrendo que queria acabar com o mundo.

Não fiz nenhuma sidequest e me sinto mal por isso. Não tive saco, mesmo com o detonado, de continuar o jogo por horas e horas. A história principal foi suficiente para me cativar e, mesmo sem correr atrás das missões (o que deve ser quase impossível na vida real, já que quem te fala sobre elas só diz enigmas nebulosos), ainda achei Chrono Trigger incrível.

Culpado ou inocente?
Culpado ou inocente?

1999 A.D.

Chrono Trigger é uma das melhores coisas que já joguei. Não é a toa que é caracterizado por muitos como o melhor RPG do mundo, com nota 9,5 no IGN, 92 no Metacritic e 200 milhões segundo o Robson. É bonito, tem uma história cativante, plot twists, viagem no tempo sem se preocupar com paradoxo temporal, corrida, batalha, voo, hacker, ódio, vingança e alegria. É um RPG sem encontro aleatório e com monstros interessantes (que vão além do hack ‘n slash). Como experimentei a versão do DS, tive o prazer de ver as curtas animações que interpretam o que acontece no jogo. Já disse que a arte é do Akira Toriyama (Dragon Ball)?

O jogo é tão completo que nem sei como terminar esse texto. Ele é bom demais. Vale a pena. Jogue o mais rápido o possível. Tchau.

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Angelo Dias
angelocria

Designer e escritor. Edito e escrevo um jornal de ficção especulativa em www.temposfantasticos.com. Conheça meu trabalho em www.angelodias.com.br