Uma mulher a usar o seu Cartão de Crédito

Como “pagamentos eletrônicos” danificam o Cenário Digital angolano

Amarildo Lucas
Made in Angola
Published in
7 min readMar 28, 2015

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Se usar Cartões de Crédito já é incomum, agora tornou-se numa missão impossível.

Se quisermos montar um negócio devemos ter a habilidade de perguntarmo-nos as perguntas certas, deduzir e estudar algumas respostas ou soluções e traçar o caminho pelo qual queremos mover o nosso negócio. É tudo acerca de criar um modelo de negócios efetivo para determinado mercado.

Replicar um modelo de sucesso de uma empresa americana, brasileira ou portuguesa por exemplo não funcionará em Angola.

Realidade, mercado e sociedade completamente diferentes.

Eu aposto que muitos empreendedores angolanos já se posicionaram face à este problema: pagamentos por cartão de crédito ou eletrônicos é um enorme problema na nossa sociedade. Mas a minha pergunta é:

Como os empreendedores estão se posicionando face à este problema?

Estamos estudando meios e soluções face à nossa realidade? Ou estamos parados na famosa frase: Isso é Angola!

Os dois principais fatores que influenciam o empreendedorismo digital angolano de tal maneira admirável e estupefata que os empreendedores não estejam a busca de soluções que melhorassem seus negócios ou que os tornasse mais rentáveis são exatamente esses:

  • A resistência cultural (sociedade) face aos últimos avanços tecnológicos.
  • A dificuldade de implementar novas soluções de pagamentos e a necessidade de soluções ao problema de pagamentos eletrônicos.

O Problema

Durante as últimas semanas eu precisei carregar o meu cartão de crédito para poder organizar e gerir algumas campanhas e adquirir alguns produtos via internet. Fui ao banco onde fui atendido por uma senhora simpática e expliquei a minha situação. “Gostaria de transferir determinada quantia da minha conta para o meu cartão de crédito.” Rapidamente recebi a resposta de que não era possível carregar o meu cartão a não ser que tivesse os seguintes motivos:

  • Estar viajando, e precisaria de mostrar o meu passaporte com o visto e bilhete de viagem com data marcada (e ainda assim não carregaria no mesmo dia, eles dariam um prazo até que o cartão fosse carregado).
  • Urgência familiar ou um forte motivo relacionado à minha saúde.
  • Ter filhos estudando no estrangeiro com documentação que comprovasse tal situação.
  • etc…

Ao ouvir os motivos da senhora minha mente viajou por alguns instantes:

Como as pessoas que fazem constante uso do cartão de crédito estão gerindo os seus negócios?!

Cordialmente expliquei novamente a minha situação e a necessidade que tenho em usar o cartão de crédito, como isso afetaria o meu trabalho e que não era uma necessidade caprichosa mas talvez de sobrevivência. E claro! Não levou a resultado algum…

Pagamentos via cartões de créditos ou eletrônicos sempre foi uma pedra no sapato do empreendedorismo digital em Angola e agora tornou-se quase que impossível.

Hora de ligar ao Tom Cruise a fim de resolver essa missão impossível. ☺

A Resistência Cultural

Um dos maiores desafios em iniciar um negócio em que se precisa pagamentos eletrônicos em Angola é o incomum uso dos cartões de créditos. A maioria dos angolanos não o tem, não está interessado em adquiri-los pois não é uma necessidade urgente para eles. Diferente do que acontece em outros países africanos ou mesmo ao redor do mundo em que pagamentos eletrônicos já é uma rotina na vida dos cidadãos, e que face a cultura já é uma grande vantagem para vários negócios desde E-Commerce à simples desenvolvedores independentes que vendem seus aplicativos na App Store, Google Play ou alguma outra loja pela internet.

A necessidade que nasceu foi despertar à sociedade ao uso do cartão de crédito, quais vantagens teria para o seu quotidiano, etc… É meio que óbvio as vantagens de se ter um cartão de crédito mas ainda é importante disciplinar e criar esta necessidade na sociedade angolana.

Durante este último ano eu vi surgir vários websites E-Commerce, desde lojas que vendem roupas, materiais eletrônicos, livros, etc. Nunca investiguei se o modelo usado por essas empresas está sendo rentável e se as pessoas estão adquirindo seus produtos via cartão de crédito e se o número de pessoas é considerável. Mas a certeza é uma, não há como chegar nem no máximo à 60% da sociedade mesmo só contando com Luanda. Claro! Esta é uma percentagem empírica mas que ainda assim acredito ser modesta.

A Crise

Nos últimos meses chegou à chamada Crise. Os preços do combustível começaram a subir devido aos problemas com o petróleo que é um dos pilares da economia angolana afetando muitos outros negócios desde empresas grandes à negócios particulares.

Os bancos começaram a criar diversas medidas de restrições e muitas dessas dificultavam pessoas com contas particulares e empresas. A importação de produtos do estrangeiro começou a ser uma dificuldade para muitos negociantes uma vez que muitos dos pagamentos são feitos por transferência bancária ou mesmo usando cartões de créditos.

A crise é um tema bastante noticiado nos portais de notícias angolanos, na televisão, então você já deve estar bem apurado sobre o assunto, não me vou debruçar tanto mas ela veio tornar o uso de pagamentos eletrônicos quase impossível.

A Solução

Mobile Banking

A solução temporária que arranjei para mim é o uso do Mobile Banking. Ainda não entendi a diferença mas assinando este serviço em alguns dos bancos nacionais você pode transferir via internet determinada quantia da conta para o cartão.

Estes são os benefícios do Mobile Banking lembrando que nem todos estão disponíveis em bancos angolanos.

  • Consulta de saldos;
  • Visualização de extrato de conta;
  • Listagem de cartões de débito;
  • Visualização de valores a cobrança;
  • Cancelamento de cartões de débito;
  • Transferências intra-bancárias;
  • Transferências inter-bancárias;
  • Listagem de valores cativos;
  • Requisição de cheques;
  • Pagamento antecipado de crédito;
  • Pagamento de serviços (Multichoice, INSS e JUE). Brevemente: Água, Credelec, TV Cabo, TDM, entre outros;
  • Informação sobre Depósito à Prazo;
  • Informação sobre Empréstimos Bancários;
  • Compra de recargas de telemóveis (Mcel e Vodacom);
  • Serviço de notificação de pagamentos;
  • Localização geográfica dos Balcões e POS;
  • Serviço de notificações (sms e emails);
  • Informação sobre produtos e serviços Bancários.

Você deveria dar uma olhada e informar-se em seu banco sobre ele.

O Papel dos Empreendedores

“Os angolanos que se acham com vocação para a vida empresarial têm dado já alguns passos, por via da criação de pequenos negócios, estando o Estado atento à emergência de empreendedores, proporcionando-lhes, através de medidas concretas, um ambiente em que possam concretizar os seus projetos, no interesse do crescimento e diversificação da economia.
Os empreendedores constituem um segmento que não é subestimado pelo Estado, que cria incentivos de natureza diversa para que o país passe a contar com novos empresários com capacidade para produzir bens e serviços.”

Precisamos passar a olhar também para a sociedade de forma a criar mecanismos que possam posicionar estes negócios da melhor forma. O principal fator deixa de ser simplesmente o empreendedor, pois sem clientes ou usuários seus negócios não são nada.

Precisamos conhecer nossos clientes, usuários e acima de tudo criar um plano dinâmico de forma a solucionar este problema de pagamento eletrônico. Principalmente empresas que apostam no empreendedorismo digital que hoje em dia é uma realidade que não pode ser ignorada.

Criar, estudar e testar alguns mecanismos que possam solucionar este problema. E então os bem sucedidos serem aplicados. Isto precisa ir desde educar a sociedade e mostrar as vantagens que isso tem para cada cidadão, seja por universidades, fóruns, etc.

Os bancos teriam um papel importante aqui não dificultando o processo de adquirir cartões de crédito por exemplo. Devia ser tão fácil adquirir um cartão de crédito tanto como é adquirir um multi-caixa.

Uma das características do empresário é enfrentar desafios e lutar para superar as dificuldades, porque estas vão existir sempre.

Só não se deve estar parado. Certo?

“Os empreendedores devem estar preparados em termos de competências que os habilitem a desenvolver o seu negócio. Mas não basta só vontade para criar e manter uma empresa. É preciso que o empreendedor tenha também conhecimentos para que se movimente mais facilmente no mundo empresarial.”

A Sociedade

Esta dificuldade entende-se uma vez que em Angola ainda existe muita pobreza e desigualdade social.

Apesar das notícias bonitas sobre o crescimento econômico, ainda nota-se que este crescimento e rápido enriquecimento é mais por parte da elite política e não um crescimento a nível de vida social.

A economia em Angola não é diversificada.

Educação, salários baixos, sobrecarga de trabalho, todos estes fatores parece que não mais influenciam muito na dinamização deste processo. Nós temos muita população nos meios rurais com uma diferença enorme em relação ao meio urbano.

Então algumas soluções só fariam sentido para determinados modelos de negócios. Mas atenção, diversos países africanos são mais pobres que Angola mas estão criando diversas soluções de sucesso. Devíamos nos espelhar?

“Nós estamos a caminhar para um desastre político e social, porque ao invés de o Presidente se abrir ao diálogo e chamar outros setores da sociedade no sentido de encontrarmos soluções comuns e inclusivas para se lidar com a crise, fecha-se cada vez mais”, afirmou Rafael Marques.

“A situação económica vai agravar-se porque Angola não produz nada. Angola vive de importações. Como é que o governo vai lidar com estas restrições, não tendo feito investimentos em áreas básicas como na indústria alimentar? E porque é que não se fizeram investimentos e não temos uma economia competitiva”, questiona.

Conclusão

É essencial estimular a atividade empreendedora da população angolana, de modo a permitir o crescimento de negócios novos e inovadores, contribuindo assim para reduzir a dependência do País relativamente ao petróleo e mantendo as mais elevadas taxas de crescimento a nível mundial.

Se você quiser juntar-se a este debate ou tiver algumas ideias ou soluções face a este problema, meu nome é Amarildo Lucas e você pode falar comigo ou trocar idéias diretamente, seguindo-me no Twitter ou facebook! Vamos falar.

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