Invalidade dos negócios jurídicos

Direito Civil

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Anotações de Direito

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O negócio jurídico que se apresenta de forma irregular, defeituosa, é ineficaz; isto é, não produz os efeitos que produziria caso perfeito. Quando o negócio defeituoso é declarado judicialmente como tal, dada a sua ineficácia, é anulado e torna-se INVÁLIDO.

A invalidade é gênero de anulação para suas duas espécies: a NULIDADE e a ANULABILIDADE. Na mais branda, a ANULABILIDADE, o ato é admitido ainda que defeituoso, pois seu defeito é leve e interessa apenas às partes envolvidas; este prosseguirá válido a menos que um interessado demande sua anulação. Já a NULIDADE é mais grave, com a lei removendo o ato do mundo jurídico, dado o interesse público de que este não tenha produzido efeitos.

Finalmente, a ineficácia mais grave é a da INEXISTÊNCIA, em que a lei simplesmente ignora o ato. Não concordamos com a tese dos atos inexistentes.

RESUMO DAS DIFERENÇAS ENTRE NULIDADE E ANULABILIDADE

Diferenças entre nulidade e anulabilidade. Admitem-se exceções.

Nulidade é de interesse público, podendo ser alegada por todos os interessados ou pelo MP e declarada pelo juiz de ofício, dado o seu vício grave — salvo exceções. Anulabilidade é de interesse particular, podendo ser alegada apenas por aqueles diretamente interessados e exigindo sentença declaratória, dado o seu vício brando.

No mesmo sentido, os atos nulos não permitem a confirmação, seja pelas partes ou pelo juiz, e não convalescem com o tempo. Já os atos anuláveis permitem a confirmação e convalescem após prazos determinados, numa confirmação presumida. Finalmente, a recomposição de atos nulos retroage à formação do ato, enquanto o ato anulável só recompõe (restitui/indeniza) de forma seletiva.

NULIDADE

A função da nulidade é tornar sem efeito o ato ou negócio jurídico, fazendo-o desaparecer como se nunca houvesse existido. Portanto, a sentença que decreta a nulidade retroage ao momento de formação do ato: é ex tunc (“desde então”, em latim). Isto se dá por respeito à ordem pública, dado que a nulidade pressupõe interesse social no ato viciado. No mesmo sentido, a nulidade não pode ser retificada, com o ato adquirindo eficácia por meio de um “conserto”, tampouco convalesce com o tempo. Dividem-se em quatro classificações as nulidades: totais/parciais, textuais/virtuais, de pleno direito/não e absolutas/relativas.

NULIDADES TOTAIS/PARCIAIS: É total a nulidade que afeta todo o negócio, e parcial a que se limita a uma ou algumas de suas cláusulas. Seguindo o art. 184, respeita-se nisto a intenção das partes, exigindo prova e também o exame da separabilidade das cláusulas do todo do ato. Há aí um reflexo do princípio de acessoriedade: o acessório segue o destino do principal, mas o principal não é afetado pelo destino do acessório.

NULIDADES TEXTUAIS/VIRTUAIS: É textual a nulidade expressamente disciplinada pela lei, e virtual a implícita no ordenamento. Segundo o art. 426, é nulo o negócio cujo objeto é a herança de alguém que ainda não morreu; trata-se de nulidade textual. Já o art. 774 expressa que apenas a recondução tácita de um contrato não poderá operar mais de uma vez; entende-se que, a partir da segunda, há nulidade.

PRESCRIÇÃO E CONFIRMAÇÃO: A nulidade, segundo o art. 169, não está sujeita nem à prescrição, nem à confirmação, não podendo ser ratificada pelas partes ou pelo tempo. Nada conserta a nulidade. Isto é problemático, dado que ameaça a segurança jurídica um ato poder ser considerado nulo mesmo após décadas de firmado.

INTERESSE SOCIAL: A gravidade da nulidade, visando extinguir todos os efeitos do ato como se este não houvesse existido, se dá pelo interesse social no ato. No mesmo sentido, qualquer interessado pode alegar nulidade, assim como o Ministério Público, num ato que não interesse somente às partes e sim à ordem pública. Da mesma forma, o juiz é determinado pelo art. 168 a pronunciar a nulidade de ofício, sem provocação, quando for do seu conhecimento.

Observa-se, no entanto, que tanto a questão da alegação quanto da anulação admitem exceções. A nulidade de conhecimento do juiz é aquela “visível a olho nu”, por assim dizer — uma nulidade óbvia. Já a nulidade que não seja óbvia requer processo, para que haja produção de provas. É a diferença entre as nulidades DE PLENO DIREITO e NÃO DE PLENO DIREITO. No mesmo sentido, o juiz não pode reconhecer de ofício a nulidade matrimonial, pois há um interesse social maior em evitar o casamento nulo. Já a alegação por parte de qualquer interessado não se aplica, por exemplo, ao art. 1691, da administração dos bens dos filhos. São estas as nulidades RELATIVAS, opostas às ABSOLUTAS, em que todos podem alegar nulidade.

Finalmente, o próprio caráter ex tunc da nulidade pode não se aplicar, como é o caso dos casamentos putativos. Um homem que casa com a irmã sem sabê-lo, de boa-fé, não tem os efeitos do casamento anulados de forma retroativa, mas apenas a partir da anulação: ex nunc (“a partir de agora”, em latim).

CAUSAS DE NULIDADE: Ressaltamos algumas causas de nulidade elencadas pelo art. 166. Uma é a III, de motivo ilícito. Vender cocaína é um ato nulo por tratar de objeto lícito; já emprestar dinheiro para a compra da cocaína não tem como objeto a compra subsequente, mas sim o empréstimo. Não seria nulo por objeto, mas por motivo ilícito. Este motivo deve ser de conhecimento comum entre as partes.

Já a dos incisos IV e V podem se confundir, caso o leitor tenha por sinônimos solenidade e formalidade. A forma do negócio jurídico, quando prescrita em lei, é ou complexa, ou por instrumento particular, ou por escritura pública. Já a solenidade se refere a aspectos que não se resumem à forma, como a presença de testemunhas instrumentárias no testamento. Assim, um testamento realizado na forma prescrita por lei pode não atender às solenidades essenciais.

Finalmente, a causa de nulidade do inciso VI é de objetivo de fraudar a lei. A fraude à lei é um ato similar ao da simulação, no tocante a ambos visarem burlar a lei. No entanto, a simulação é uma mentira, um ato falso, enquanto a fraude se dá por meio de negócio verdadeiro com o objetivo último de burlar uma lei.

RECOMPOSIÇÃO: A regra de que o que é nulo não pode produzir nenhum efeito deve ser temperada, dado que a criação inválida não deixa de ser um fato jurídico que produz efeitos materiais. Assim, segundo o art. 182, há de se restituir as partes ao estado anterior à anulação, dado que a simples anulação não o fará. Trata-se da restituição ou da indenização. Em casos de revenda, por exemplo, se a venda original foi nula, a revenda também o é; e uma locação nula gera a devolução de aluguéis.

CONVERSÃO: Ainda que não se possa confirmar um ato nulo, este pode ser transformado e reaproveitado em ato de natureza diversa, quando isto não for proibido. Uma escritura pública nula de compra e venda pode ser admitida como compromisso de compra e venda, para o qual não há necessidade de escritura, e portanto o vício de forma não se aplicaria. É diferente de uma confirmação por se tratar de um ato de outra natureza, e não uma ratificação do ato já existente. Para que a conversão ocorra, o juiz deve considerar não apenas que o negócio contenha os requisitos do outro, mas que as partes teriam querido o outro caso se dessem conta da nulidade do primeiro, no evento deste.

ANULABILIDADE

A anulabilidade é a sanção mais branda, coerente com o vício menos grave — da incapacidade relativa do agente ou de vícios de consentimento ou sociais. Nestes casos, não há interesse público envolvido; apenas o privado, das partes. Além disto, os efeitos do ato se produzem até que este seja anulado — ex nunc.

INTERESSE PRIVADO: Dado o interesse privado, a anulabilidade não pode ser requerida por todos, mas apenas pelas partes ou por aqueles diretamente afetados. Da mesma forma, ela não pode ser declarada de ofício pelo juiz, com o art. 177 exigindo sentença.

CAUSAS DE ANULABILIDADE: São duas as causas de anulabilidade — a da incapacidade relativa e a dos vícios de consentimento ou sociais. Para a incapacidade relativa, admite-se a validade caso o menor minta sobre a própria idade de forma dolosa (art. 180).

PRAZO PARA ALEGAÇÃO: Ao contrário das nulidades, as anulabilidades contam com um prazo para alegação de 2 anos, em regra, após o qual se considera o ato convalidado pelo tempo.

RATIFICAÇÃO: Atos anuláveis podem ser ratificados tanto pelo decurso do tempo, numa ratificação presumida ligada à inércia das partes, e pela ratificação em si, numa confirmação do negócio anulável. Esta confirmação cabe àqueles que teriam o direito subjetivo de alegar a anulabilidade, e consiste justamente na renúncia à faculdade de anulação. Não requer, portanto, a presença do responsável pelo vício, podendo se dar de forma unilateral.

Pode a confirmação ser expressa ou tácita: é EXPRESSA a confirmação que se dá por intenção manifesta de tornar o ato válido, como quando o coacto, após cessada a coação, concorda em convalidá-lo. Esta confirmação precisa se adequar aos mesmos requerimentos do ato em si; caso este exija forma pública, ela se dará por forma pública. Já a confirmação TÁCITA trata-se do início do cumprimento da obrigação por parte do obrigado que está ciente dos vícios do ato e da sua anulabilidade. A sua ciência é matéria de prova.

RECOMPOSIÇÃO: A recomposição do ato anulável é diferente dado o seu caráter ex nunc. Assim, em caso de revenda cuja venda original seja anulável, sendo os efeitos de anulação a partir da sentença, a revenda se mantém, ocorrendo indenização ao proprietário original. Da mesma forma, uma locação anulável não demanda devolução dos aluguéis já pagos. Nota-se, no entanto, que cancelado o registro de imóveis original, os subsequentes também caem; portanto, uma melhor solução, segundo GODOY, seria considerar a boa fé de terceiros.

INEXISTÊNCIA

Segundo esta tese, o ordenamento não se ocupa da inexistência dos atos porque esta implica justamente na sua irrelevância no campo jurídico. Não se trata de uma simples nulidade, em que o ato é nulo, mas sim de um defeito tão grave que não há ato em si para se anular. Somente a ausência de um dos dois requisitos elementares ao ato justifica a sua inexistência: a VONTADE e o OBJETO.

NULO OU INEXISTENTE: Na grande maioria das vezes, os defeitos mais graves dos atos jurídicos consistem em nulidade, não inexistência, pois mesmo a vontade de um coacto ou de um incapaz é uma vontade, e mesmo o objeto ilícito é objeto. A teoria dos atos inexistentes se aplica mormente a defeitos elementares e surgiu para reprimir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Trataria-se de mera aparência de ato jurídico, que não poderia ser declarado ato nulo, pois sequer ato é.

CONSIDERAÇÃO PESSOAL: A inexistência do ato jurídico é uma teoria restrita, principalmente, à questão do casamento com igualdade de sexos, que foi justamente a razão de sua criação. Portanto, consideramos que a nulidade é suficiente para abarcar mesmo os vícios mais graves, e que a inexistência se trata de uma tese discriminatória e inútil.

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