Obrigações, Conceito

Obrigações

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Anotações de Direito
5 min readApr 15, 2017

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O Direito das Obrigações disciplina essencialmente três coisas: as obrigações negociais, das relações de intercâmbio de bens e prestação de serviços; a responsabilidade civil, das reparações de danos; e o enriquecimento sem causa, de benefícios obtidos indevidamente. (Noronha, 2003)

É destas relações jurídicas que trata o Livro I da Parte Especial do Código Civil, arts. 233 a 965. São obrigações em sentido estrito e técnico, regulando as relações jurídicas mencionadas. Existem, portanto, obrigações jurídicas de outras naturezas, como as do Direito de Família, e mesmo obrigações que não são jurídicas, como as religiosas e morais. Estas não dizem respeito ao estudo do Direito das Obrigações. Como define Monteiro (1979),

Obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativamente, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio.

Vamos examinar melhor os elementos desta definição.

Relação jurídica

A obrigação é relação jurídica. Tratamos aqui dos interesses contemplados em lei, que comportam coerção em seu cumprimento. Não é o caso da obrigação moral, cujo cumprimento é garantido pelo repúdio social, nem da obrigação religiosa, que prevê castigo sobrehumano.

Caráter transitório

Não existe obrigação permanente. A obrigação visa um fim; uma vez alcançado este fim, ela se extingue. Distingue-se aí o direito obrigacional do direito real, que é permanente.

Devedor e credor

Credor e devedor são os dois pólos da obrigação. Credor é o sujeito ativo, aquele que tem interesse que a prestação seja cumprida — o titular do crédito. Já o devedor é o sujeito passivo, aquele que tem o dever de efetuar a prestação — o titular do débito. Apenas pessoas naturais e jurídicas podem participar dos pólos da obrigação.

Estes dois pólos, ou centros de interesse, reúnem um mínimo de duas pessoas. Tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo podem ser múltiplos, constituindo co-credores e co-devedores.

Objeto

O objeto da obrigação é a prestação a ser cumprida pelo devedor. Consiste em um comportamento: dar, fazer ou não fazer algo. Já o objeto da prestação pode ser tanto um comportamento quanto uma coisa; tanto imaterial quanto material.

Assim, na compra de um carro, o objeto da obrigação não é o carro em si, mas a sua entrega. O carro é o objeto da prestação, que por sua vez é objeto da obrigação.

Esta é uma distinção quanto aos direitos reais, que permitem o exercício direto sobre a coisa. Nos direitos obrigacionais, exerce-se o direito sobre uma conduta esperada, não sobre a coisa em si; a prestação é um COMPORTAMENTO. Exige-se que o carro seja entregue.

Prestação pessoal econômica

Apenas o devedor é obrigado ao cumprimento da prestação, e é com seu patrimônio que responde pela prestação. Assim, o vínculo obrigacional biparte-se em elementos pessoal e patrimonial.

Este caráter pessoal da relação obrigacional é outra distinção quanto aos direitos reais. A responsabilidade pelas obrigações recai principalmente sobre as pessoas envolvidas, enquanto o respeito à propriedade da casa, por exemplo, é exigido de todos — uma sujeição universal. Não é que qualquer terceiro possa interferir e prejudicar a relação de obrigação; é que, no direito real, existe a presunção de que este direito é conhecido por todos. Esta não é uma distinção perfeita; a sujeição universal dos direitos reais (erga omnes) tem suas exceções, como a hipoteca, que possui sujeitos determinados.

Já seu caráter patrimonial é uma questão prática ligada ao cumprimento da obrigação. Sendo as obrigações, como o contrato, instrumentos de transferência de riqueza, o interesse que estas tutelam costuma ser patrimonial — relativo a patrimônio. No entanto, não é necessário que o interesse seja patrimonial; é necessário apenas que este possa ser avaliado em dinheiro.

Assim, mesmo débitos personalíssimos ou de conteúdo moral podem ser cumpridos por meio de indenização, de forma substitutiva. Uma procuração para efetuar matrícula na faculdade não tem em si caráter econômico-patrimonial, mas pode ser avaliada em dinheiro para fins de indenização. Da mesma forma, um pintor não pode ser forçado a pintar o quadro que lhe foi encomendado, e sim a indenizar o credor pelas perdas e danos.

Responsabilidade, débito e deveres anexos

Já aludimos aos aspectos da relação jurídica chamados responsabilidade e débitoSchuld e Haftung. Débito é aquilo que é devido; já a responsabilidade diz respeito à exigência do credor perante o devedor. Caso a prestação não seja cumprida espontaneamente, “por bem”, sofrerá interferência estatal e será cumprida coercitivamente, “por mal”, atendendo à responsabilidade do devedor sobre o débito.

Vê-se que estes dois aspectos andam juntos. Segundo a teoria unitária, responsabilidade e débito seriam indissociáveis, separados apenas superficialmente. Já a teoria binária os distingue, o que é útil ao lidar com as exceções: obrigações sem débito, como os contratos de fiança, ou sem responsabilidade, como as naturais.

Além destes dois aspectos há um terceiro, desenvolvido pela doutrina moderna: o dos deveres anexos. Os deveres anexos são deveres de comportamento, extrapatrimoniais, decorrentes do princípio de boa fé objetiva. Surgem com o fenômeno da repersonalização do direito civil, que atribui preocupações éticas até mesmo aos vínculos de transferência de riqueza, como as obrigações. Assim, são deveres de conduta leal, honesta e colaborativa. Um exemplo de dever anexo positivado é o do art. 422 do CC:

Art. 422 . Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.

Derivados do princípio da boa-fé objetiva, estes deveres são impostos por lei, incidindo sobre o vínculo obrigacional a despeito da vontade das partes. Não são instrumentos de cumprimento da prestação principal, mas sim deveres anexos a esta, podendo até lhe ser pré ou pós-existentes.

É o caso, por exemplo, do dever de sigilo do advogado perante o cliente, que persiste mesmo após o cumprimento da prestação principal (representar o cliente em processo). Outro exemplo é o do dever de informação, com o vendedor tendo o dever de informar o cliente sobre possíveis especificações ou defeitos do produto mesmo antes da compra ser efetuada.

Assim, vê-se que a obrigação não é algo estático, que corre exatamente de acordo com o que foi previamente estabelecido. É uma relação jurídica complexa, que vai se desenvolvendo com a incidência destes deveres anexos; um vínculo dinâmico.

Duas obrigações fogem à regra do conceito: obrigações reais e obrigações naturais.

Baseado no manual de Venosa, na aula de Godoy e nas anotações de Julia Pegoraro.

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