O fim da arte moderna

Introdução ao curso de Estética I

niva
Anotações de Filosofia
5 min readJan 9, 2021

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OBJETIVO DO CURSO

Não há pretensão aqui de apresentar uma história da estética. Curso gira em torno da reflexão estética e produção artística dos anos 70 até setembro de 2020. Examinaremos a arte dos últimos 50 anos, na transição da modernidade pra dita pós-modernidade. O curso não é sobre arte moderna, mas vai pensar a arte contemporânea em relação à moderna, e as formas em que a tradição moderna se apresenta na contemporânea, como linguagem ou como imaginário. (Imaginário: termo da tradição lacaniana para imagens que circulam em tal período e permitem identificações, transferências, projeções.)

ARTE MODERNA

A arte moderna nasceu em 1863, na exposição montada pelos artistas recusados no salão oficial de Paris, na época de Napoleão III. Surgiram os impressionistas franceses — capítulo inicial da A.M. Monet, Impressão ao sol nascente, ensejou pico do movimento. Termo impressionismo surge daí — crítico disse, em tom dubitativo, que Monet tinha pintado sua primeira impressão da natureza. Mas o impressionismo não se resume à pintura da natureza. Surgem também paisagens urbanas — pinturas de ponte, como as de Monet, já que a construção das pontes era considerada um espetáculo, um feito da época.

BAUHAUS

A escola de Bauhaus foi um momento importantíssimo da arte moderna, quando convergiram diferentes linguagens artísticas.

Kandisky cria uma sintaxe que relaciona formas e cores a estados anímicos; associa certas disposições de alma ao amarelo, azul, vermelho, círculo, triângulo, quadrado. O triângulo amarelo, por exemplo, corresponderia à espiritualidade. (v. Ponto Linha, Plano, de Kandisky).

Esse lastro espiritualista, metafísico, está presente também em Mondrian. Pode-se achar que Mondrian é expressão mais nítida da racionalidade do mundo moderno, da impessoalidade da razão, da despersonalização. Afinal, as obras de Mondrian são propícias à reprodutibilidades, por serem formas pregnantes, de alta definição, áreas chapadas de cor. Pura superfície, sem plano de fuga, com vocação para expandir-se pralém das margens da pintura. Era justamente essa a intenção de Mondrian: um movimento de exteriorização pralém dos chassis da moldura, não deixar a pintura confinada ao cavalete.

Mondrian queria criar um léxico que poderia ser mobilizado pelo design, difundindo linguagem pelo espaço privado, no interior das casas, por meio de móveis, estamparia. Tal era o objetivo da Bauhaus, que é a expressão do projeto do século 20: estetizar a vida e o real, elevando a arte pro cotidiano e embaralhando arte e vida. Há aí uma função decisiva da arquitetura e do design na disseminação da arte pelo cotidiano, valendo-se do modo de produção capitalista. Produção em larga escala de objetos belos e úteis vendidos a preços módicos, pra que a arte se difundisse.

O que define a arte moderna é a crença de que a arte tem uma importante e nobre função: a de atuar sobre a sensibilidade do homem comum, o corpo sensório-motor daquele vê uma pintura, ouve uma música, habita um edifício, percorre uma cidade e utiliza objetos belos e úteis (belos porque artísticos, úteis porque cumprem função). Como disse Marcuse, a arte não muda o mundo, mas atua sobre os homens, que saem alterados da fruição estética e acabam por modificar suas relações intersubjetivas de tal modo que essas transformações se disseminam pela totalidade do social. A arte não muda diretamente o mundo, mas muda o homem, por não ter correspondência no ramerrão soturno e cinzento do dia a dia.

FIM DA MODERNIDADE

A modernidade artística é herdeira do romantismo, no sentido de ter uma visão prospectiva, voltada para o futuro. Frankfurtianos, como Benjamin, criticam justamente essa ideia positivista de um tempo como seta de progresso, homogêneo, teleológico, tendo como fim a ideia de utopia. Essa ideia vigorou na arte moderna, como se cada movimento fosse um passo à frente, e cada artista segurasse o bastão de seu predecessor; como se uma vanguarda radicalizasse a precedente.

Por ser antitradicionalista, a arte moderna visa romper com a tradição, mas ela mesma foi se constituindo em uma nova tradição; tradição da ruptura, do novo. Não tem mais a mesma contundência, mesma força. Quando cria a expectativa no público de ir a uma exposição pra sofrer um choque, a arte está perdendo seu poder disruptivo. Sua linguagem foi se institucionalizando e difundindo, e aí se democratizando, mas perdendo o laço na transcendência, no metafísico.

Ao fim de sua Teoria Estética, Adorno afirma: “a arte é uma promessa de felicidade que se esfacelou”. Perdeu sua dimensão utópica. A arte no século 19 se configura como promessa de felicidade, e esta promessa orienta o projeto moderno do século 20. Quadros do Mondrian foram disseminados e assimilados, modernidade triunfou, sua linguagem impregnou nosso real. Mas o preço disso foi o abandono da dimensão utópico-revolucionária desse projeto. A arte moderna está presente agora não como espírito, linguagem, ato transformador; mas como léxico, gramática, pros artistas se utilizarem.

O fim da modernidade não é apenas uma questão de estilo. Transcende o âmbito estilístico. Renunciar ao imaginário moderno seria renunciar aos princípios emancipatórios (remontando ao iluminismo do séc. 18, de acordo com Jameson e Habermas) que o informaram.

Os anos 60 e 70 são uma virada de olhar. Nós vivemos depois do futuro (v. livro homônimo de Franco Berardi), no sentido de que não mais orientamos nossa ação com vista a um futuro, uma utopia, uma sociedade melhor, mais justa e igualitária. Não há mais uma visão prospectiva do tempo. A utopia que ocorre é a utopia negativa (termo frankfurtiano pra distopia). Nesse sentido, um dos objetivos do curso é pensar a dimensão crítica da arte em tempos pós-utópicos. A arte pós-utópica.

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