Zetética e Dogmática Jurídica

Introdução ao Estudo do Direito

niva
Anotações de Direito
5 min readMay 14, 2016

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Zetética e dogmática são dois diferentes enfoques teóricos a serem utilizados no estudo do Direito. Um acentua o aspecto de pergunta do problema, mantendo abertas à dúvida suas premissas; já o outro aborda o ângulo de resposta, estabelecendo pontos de partida e buscando um curso de ação.

Esta tensão contínua entre o especulativo e o diretivo é essencial à matéria jurídica, associando investigação crítica a operações úteis e unindo o estudo do Direito positivo com o de sua eficácia social.

Diferenciando zetética e dogmática

No intuito de diferenciar zetética e dogmática, podemos partir do exemplo do estudo de Deus na Filosofia e na Teologia.

Na Filosofia, a existência de Deus não é um pressuposto. Abre-se esta premissa à discussão — Deus existe? Pralém disso, não só se coloca em dúvida a existência de Deus como também se questiona o próprio sentido deste questionamento, de um ponto de vista das limitações do conhecimento humano. É possível ao ser humano determinar a existência de Deus? Como até mesmo a premissa da investigação é questionada, a zetética se caracteriza por uma especulação progressivamente infinita.

A Teologia, por sua vez, tem a existência de Deus como um pressuposto inatacável. Deus existe; portanto… Caso não fosse assim, o estudo teológico se entreteria tanto com a existência de Deus que não chegaria a discutir os problemas que derivam da sua existência — Por que Deus permite que pessoas boas sofram? A especulação dogmática, portanto, é restrita com propósito de buscar soluções, demarcando ponto de partida e de chegada — um questionamento finito.

Isto não significa que na zetética ocorra uma abolição total de premissas, até porque assim seria impossível conduzir um raciocínio. A diferença é que suas premissas precisam ser verificadas e comprovadas, com alto grau de certeza de sua veracidade — são, portanto, evidências. Não é o caso dos pressupostos dogmáticos, os dogmas, cujo estabelecimento ocorre por arbítrio, isto é, por uma decisão. Decide-se estabelecer tal ponto de partida para a discussão — Deus existe.

Diante de uma dúvida que não possa ser solucionada por considerações racionais, como a do exemplo, seríamos levados pela zetética à paralisia da ação. Sem jamais chegar a uma verificação da existência de Deus, tanto num sentido quanto noutro, um enfoque puramente zetético não poderia se dedicar à elaboração da ética religiosa e dos estudos teológicos, pois não haveria premissa da qual estes problemas secundários possam derivar. Apenas com a imposição de certeza sobre algo duvidoso podemos explorar a questão num âmbito concreto — e é disso que a dogmática trata.

Colocando a distinção no campo jurídico, a sociologia do Direito pode examinar a legitimidade de uma greve de servidores públicos como questão aberta, de um ponto de vista zetético, estudando as causas e efeitos sociais envolvidos e considerando a legislação a respeito apenas como um dado, sem a menor necessidade de usá-lo como referência ou ponto de partida. Já o jurista dogmático tem suas interpretações adstritas ao ordenamento vigente, e conquanto este não resolva a questão da justiça ou injustiça de uma greve, põe fim às disputas sobre como o governo deve agir sobre tal.

Utilizando de um exemplo mais específico, digamos que um condomínio baixe uma regra proibindo animais em seus apartamentos. Um enfoque zetético questionaria a utilidade desta regra e o poder do condomínio de interferir desta forma na vida privada de seus habitantes, possivelmente ressaltando a qualidade de vida que o convívio com animais traz a idosos e crianças. O enfoque dogmático, por sua vez, admite a regra como estabelecida e busca suas lacunas: ela vale para os que já possuíam animais, ou apenas em caráter prospectivo? Aplica-se a todos os tipos, como peixes e jabutis, ou apenas àqueles que possam perturbar a convivência? Questiona, portanto, a interpretação da regra, não a sua legitimidade em si.

Distinguem-se assim, em linhas gerais, a zetética da dogmática: uma como especulação descompromissada, em que nada se extrai à dúvida se não comprovável, e a outra como questionamento partindo de um pressuposto arbitrário e preocupado com seu curso de ação. Ou seja: busca a zetética investigar o ser de algo, do que ele é, e a dogmática o dever ser, de que decisão tomar sobre ele.

Críticas e defesa do enfoque dogmático

Essa adstrição dogmática ao ordenamento vigente é criticada por seu legalismo, intransigência e distanciamento da realidade social, examinando o fenômeno jurídico de forma isolada, ao exemplo da abordagem de KELSEN.

É principalmente questionado o conceito de legislador racional, derivado do formalismo jurídico. Neste conceito, atribuem-se ao legislador determinadas propriedades: presume-se que este seja imperecível, onisciente, operante, justo, preciso e onicompreensivo em sua atividade legiferante. Esta idealização é incoerente com o legislador fático, que em muitos casos se mostra impreciso e limitado de maneira característica à raça humana.

No entanto, a intenção do enfoque dogmático é justamente uma de otimização da lei. Nas palavras de SANTIAGO NINO, a dogmática propõe exatidão para os termos vagos, completa lacunas e resolve incoerências, enquanto preserva a segurança jurídica ao afirmar que as soluções propostas não supõem modificação alguma do direito positivo, derivando implicitamente dele. Como NOWAK coloca, a interpretação dogmática do material normativo é um instrumento necessário e indispensável para a adaptação das prescrições legais às exigências da vida social.

Aquele que pretendesse se orientar, em termos relativamente complexos, pelos textos legais, sem considerar suas elaborações dogmáticas, provavelmente se sentiria desorientado perante decisões que não se fundamentam pura e simplesmente na letra da lei, tamanha a influência da dogmática jurídica na jurisprudência.

Considerações finais sobre zetética e dogmática

Tanto no plano geral de investigações científicas quanto especificamente no âmbito jurídico, zetética e dogmática se complementam, com uma criticando e desconstruindo o conhecimento estabelecido e a outra buscando otimizá-lo para uso prático. Por isso, considera-se a Introdução ao Estudo do Direito um estudo zetético da dogmática jurídica.

Bibliografia:

FERRAZ JR — Introdução ao Estudo do Direito, prefácio e capítulo 1.
ALEXY — Teoria dos Direitos Fundamentais, pp 32–38.
SANTIAGO NINO — Introdução à Análise do Direito, capítulo 6.

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