Pornografia:

b
Anti Pornografia
Published in
16 min readNov 27, 2016

um olhar marxista sobre a indústria pornográfica e a liberdade sexual

no capitalismo do século XXI

Capa do filme ‘Hot Girls Wanted’ (2015), por Rashida Jones. Acesso via http://www.dramastyle.com

Por Beatriz Lopes Grego e João Gabriel Resende Bruno

Belo Horizonte, MG

Outubro de 2016

Abstract

A produção pornográfica da Era digital é sintomática do ingresso do poder patriarcal capitalista nas mais profundas e íntimas relações interpessoais, particularmente no sexo. A mercantilização do corpo e do ato sexual, sob uma ótica marxista, permite influir que a delimitação dos conceitos idealizados de mulher, de homem e de sexualidade vendidos pela indústria do pornô acaba por minguar a liberdade sexual. No entanto, faz-se necessário para a classe dominante transmitir a ideia de que a atividade de vender o próprio corpo para o mercado é empoderadora e libertária, no intuito de moldar a mentalidade popular para a normalização da dominação do corpo humano por parte das relações de mercado capitalistas e da propagação de estereótipos e papéis de gênero.

Palavras-chave: indústria pornográfica; pornografia; sexo; mercantilização; ideologia; feminismo; liberdade

I. Definição e conceitos

A intenção do texto é de usar dos instrumentos dispostos por Marx para analisar tanto a produção de pornografia quanto sua mercantilização, tendo em mente os efeitos e as relações que são construídas em cima da indústria pornográfica.

Para isso, é preciso entender o que é a pornografia para depois compreender seus efeitos perniciosos. Alguns autores procuram distinguir o conteúdo pornográfico do conteúdo erótico a partir do seu contexto de produção e do critério de procura do consumidor. A mais comum forma de distinguir os dois é: a “erótica” é o trabalho artístico que usa da temática sexual para contar uma história, enquanto o “pornô” é produzido e consumido no intuito de satisfazer e estimular sexualmente.

Visto que essa distinção toma por base critérios subjetivos, torna a identificação empírica de cada um impraticável e inviável, mesmo com acesso às mais diversificadas fontes de informação. Para desenvolver o olhar marxista sobre a indústria pornográfica, define-se como pornografia todo conteúdo sexualmente explícito.

A palavra “pornografia” é derivada do grego antigo e aglutina os signos “prostituição” e “ilustração”, significando uma ilustração visual ou verbal da prostituição, relacionando-se à prostituição, “profissão mais antiga do mundo”. A pornografia e a prostituição confluem para o desenvolvimento da indústria que transforma o sexo em mercado lucrativo.

Marx preconiza que as relações sociais construídas são derivadas da base econômica, sendo que, dessa forma, as forças materiais permeiam o substrato ideológico e a justiça. A indústria pornográfica não se isenta da análise, visto que ela não existe de forma isolada ao sistema capitalista e é interligada com diversos outros setores empresariais, como as distribuidoras dos filmes, as financiadoras das produções e as plataformas midiáticas que, via internet ou televisão, optam por transmitir esse conteúdo. O produto processado pela indústria pornográfica é o próprio sexo e as relações interpessoais por ele e para ele influenciadas.

Como qualquer indústria do modelo capitalista, a indústria pornográfica tornou-se robusta por meio da competição por mercado, que traz consigo inovações, como a exploração de fetiches antes ignorados por tabus da sociedade, e jeitos mais reais de se envolver no conteúdo pornográfico, como salas de bate-papo com as atrizes. Essas inovações no contexto pornográfico significaram a comunicação de imagens cada vez mais explícitas e na subsequente propagação maciça de materiais de conteúdo extremamente violento. A produção em massa de imagens de cunho sexual é assimilada como uma produção industrial, segundo a professora Gail Dines. A pornografia apropria-se do sexo e o transforma em mercadoria. Portanto, a maior parte das produções pornográficas torna-se padronizada porque é formulada para ser produzida e divulgada em massa, sem levar em consideração os valores complexos e intrínsecos ao ato sexual. Assim, o pornô é uma mercantilização do que o sexo significa, levada a cabo por pessoas que são pagas para reproduzi-la.

Ademais, incita-se a necessidade de apropriação do conceito marxista de fetichismo da mercadoria. O fenômeno que Marx descreve é a desconexão da mercadoria do seu contexto de produção, que são valores subjetivos como a história de quem a produziu e o modo pelo qual foi produzida. Tal desconexão do mundo social permite que o produto se torne uma mercadoria de baixo valor agregado, abstraída a meros valores de troca, os quais a sociedade capitalista acredita que são intrínsecos à mercadoria.

No caso da pornografia, a mercantilização do sexo e o fetichismo de mercadoria, segundo Marx, criam um afastamento entre os aspectos éticos, emocionais e humanos do ato de produzir a pornografia e o ato de consumi-la. Essa é a questão apontada por escritoras feministas como Andrea Dworkin e Catherine McKinnon, que examinam a misoginia nas representações sexuais hodiernas.

Marx dispõe de conceitos importantes para realização da análise sobre a pornografia em sua obra O Capital, especialmente quando afirma que “Uma mercadoria, portanto, é algo misterioso simplesmente porque nela o caráter social do trabalho dos homens aparece a eles como uma característica objetiva estampada no produto deste trabalho; porque a relação dos produtores com a soma total de seu próprio trabalho é apresentada a eles como uma relação social que existe não entre eles, mas entre os produtos de seu trabalho”. Logo, a mercantilização do sexo, por meio da pornografia, rompe a interdependência existente entre produção e consumo do pornô, neutralizando questões éticas ligadas à sua produção e promovendo comportamento similar entre aqueles que o consomem. Não se pode olvidar, também, as estruturas de poder que compõem a sociedade capitalista. A classe dominante é tal por apropriar-se do trabalho — portanto, da produção — da classe trabalhadora. Dentro desse contexto capitalista de expropriação do trabalho, insere-se a desigualdade vivenciada pelas mulheres. O gênero masculino, na esmagadora maioria das organizações, molda as relações sociais para dar a ela própria controle não só sobre o trabalho feminino, logo, o que a mulher produz como trabalhadora, mas também, sobre seu corpo e o ato sexual em si.

II. Contexto de Produção e Consumo da Pornografia

Percebe-se que as imagens sexualmente explícitas são registradas desde antes do período cristão, a exemplo da figura encontrada no sítio arqueológico de Willendorf, na Áustria em 1908, a Vênus de Willendorf, cuja confecção é estimada em torno de 20000 e 22000 a.C., após análise estratigráfica do sítio no qual foi encontrada. É notório, também, o cunho sexual da arte clássica greco-romana amplamente disseminada, durante a Antiguidade Clássica. Contudo, com a ascensão da Cristandade na sociedade ocidental no primeiro milênio da Era Cristã, a produção pornográfica encontrou uma sequência de atos proibitivos, por causa da “limpeza moral” promovida pelo clero entre o restante da população. Isso levou um subsequente aumento nos preços da pornografia, que comercializada em mercados ilegais e círculos internos.

Desde então, as inovações tecnológicas, especialmente nas áreas de comunicação e transporte, somadas às mudanças nas normas sociais vigentes, possibilitaram um gradual aumento na circulação da pornografia. Por conseguinte, a tendência foi o barateamento do preço pecuniário.

Adicionalmente, as ondas revolucionárias na técnica produtiva e na ciência que ocorreram, originando a Era Digital, transformaram profundamente as relações produtivas intrínsecas ao conteúdo pornográfico. O advento da internet representou um enorme facilitador ao acesso à produção pornográfica, elevando exponencialmente a pressão exercida pela demanda de novos produtos. Isso transformou a atividade de produção de pornô, porque, agora, com um mercado cada vez mais promissor, a indústria pornográfica alargava ainda mais o capital aplicado na produção, através do investimento em melhores tecnologias para gravação, edição e distribuição de seus produtos, além da promoção através de propagandas em outros sites pela internet. O processo de produção e distribuição passou a ser praticamente todo digitalizado, eliminando antigos estabelecimentos ou setores de estabelecimentos dedicados exclusivamente à comercialização de material pornográfico.

A tendência observada no aumento exponencial do consumo de pornografia é justificada, portanto, pelo advento das novas tecnologias de informação. Nas últimas duas décadas, com a chegada da internet, a distribuição da pornografia saltou como nunca antes. Atualmente, segundo dados da Nielsen Online[1], 49,5% da população mundial tem acesso à internet e 73% dos adolescentes têm acesso a smartphones. O grupo Covenant Eyes[2] relatou, em suas pesquisas estatísticas, que 1 em cada 5 pesquisas feitas em telefones celulares são destinadas a busca por conteúdo pornô e mais de 4 bilhões de buscas por pornografia foram feitas desde o início de 2015. O público que mais recorre a esse tipo de conteúdo é caracterizado por ser mais urbano, ter uma renda familiar acima da média, concentrado na faixa etária compreendida entre 15 e 24 anos, com grau de escolaridade mais baixo, em maiores proporções comparativas e majoritariamente masculino.

Marx afirma, em seu texto Para Uma Crítica da Economia Política, que “o consumo é também imediatamente produção do mesmo modo que, na natureza, o consumo dos elementos e substâncias químicas é a produção das plantas”. Nesse sentido, consumir e produzir a pornografia são ações interdependentes.

O consumo cria condições para a produção, pois a necessidade de consumir nunca é plenamente satisfeita, pois o conteúdo é finito. Por sua vez, a produção cria, além do consumo em si, métodos específicos de consumir e o impulso pelo consumo. Marx traz a analogia de como a obra de arte cria um público sensível à arte.

Essa relação de reciprocidade, no contexto estudado, faz com que o público da pornografia seja insaciável, buscando sempre inovações no conteúdo disponível. Essas inovações correspondem, empiricamente, à incorporação, cada vez maior, de atos violentos e agressivos contra as mulheres e de parafilias (desvios sexuais, a exemplo da zoofilia e necrofilia), que antes eram incomuns no mercado. A Covenant Eyes analisou os 304 filmes pornográfico mais vendidos, em seu relatório Pornography Statistics: Annual Report 2015, e constatou que 88% deles continha cenas de agressão física, como tapas forte no rosto e corpo deixando marcas, e 49% continha agressão verbal, como “vadia”, “puta” — humilhação, discriminação e depreciação direcionadas às atrizes pornô, veiculando ideias misóginas.

Tal escalada da produção da pornografia revela o descaso da indústria para com as atrizes. Tanto que o levantamento feito pela Pink Cross Foundation, em 2008, contido no relatório do grupo Covenant Eyes, indica que apenas 17% dos intérpretes usaram preservativos em cenas de sexo heterossexual e apenas 2 de 200 produtoras de filmes adultos requeriam o uso de camisinha em suas produções.

Além disso, foi constatado que atrizes de filmes pornográficos tiveram, em geral, primeiras experiências sexuais antes dos 15 anos e são mais propícias a ter contato com cannabis, alucinógenos, ecstasy e cocaína. A Pink Cross Foundation também constatou que a expectativa de vida média entre atrizes pornô estadunidense é de 37,43 anos, enquanto a expectativa de vida média entre cidadãos dos Estados Unidos é de 78,1 anos. As causas dessa ululante diferença são diversas, variando desde contração de DST’s — doenças sexualmente transmissíveis -, dependência e abuso de substâncias químicas, situação de violência doméstica e agressão sexual, física e moral.

Sobre as condições às quais as mulheres envolvidas na indústria pornográfica estão envolvidas, a Dra. MaryAnne Layden afirmou[3]:

Uma vez que a atriz pornô está na indústria, há altos índices de abuso de substância (principalmente álcool e cocaína), depressão, distúrbio de personalidade limítrofe […] A experiência que noto mais comum entre as artistas é a necessidade de estar sob influência de álcool, maconha e cocaína ou dissociadas a fim de trabalhar. O seu espaço de trabalho é particularmente tóxico […] A péssima vida profissional da atriz pornográfica é regularmente ligada a uma igualmente péssima vida familiar. Elas têm um risco maior de doenças sexualmente transmissíveis (incluindo HIV), violência doméstica, e aproximadamente 25% de chance de ter um casamento que dure mais de 3 anos.

(tradução nossa)

Essa grande periculosidade a qual as intérpretes de filmes pornográficos estão sujeitas é mascarada pela grande quantidade de capital investido na indústria pornográfica. Embora seja difícil quantificar exatamente o rendimento dessa indústria, a literatura e as pesquisas sobre o assunto estimam que o rendimento anual da indústria pornográfica, só nos Estados Unidos, varia entre U$D6bi e U$D13bi, incluindo aluguel e venda de vídeos, TV a cabo, pay-per-view, operadoras de tele sexo, revistas de clubes de dança exótica e lojas de novidades. Enquanto isso, a pornografia mercantilizada via internet é creditada com uma receita anual de pelo menos U$D3bi sozinha.

A força econômica, e, por consequência, política e social, exercida pela indústria pornográfica é representativa. Para ilustrar essa força, toma-se como exemplo o que é denominado como “guerra de formato” (format war, em inglês), significando a competição entre dois formatos de vídeo mutualmente exclusivos pelo mesmo mercado. Quando as empresas desenvolvedoras de mídias eletrônicas para fita cassete precisaram optar por um formato para o armazenamento de dados em vídeo e para o formato de gravação, nas décadas de 1970 e 1980, elas recorreram ao diálogo com a indústria pornográfica, que tinha expressivo mercado, no que tange à comercialização de vídeos, de forma a selecionar o formato que fosse mais cômodo e lucrativo para essa indústria. Nessa época, optaram pelo VHS sobre o formato Betamax. Mais tarde, nos anos 2000, a mesma forma de competição deu-se pelo mercado dos DVDs de alta qualidade visual e sonora, a indústria pornográfica resolveu o impasse, selecionando o HD DVD e mitigando as chances de sobrevivência do Blu-ray.

Existe, também, capital financeiro que circula no financiamento dos projetos desenvolvidos por produtoras. Dessa forma, a especulação financeira sobre o mercado pornográfico torna-se uma atividade lucrativa, sabendo que esse é sólido e apresenta margens de crescimento atrativas, visto que, como apresentado anteriormente, a produção pornográfica fomenta o consumo, pois cria o impulso de consumir cada vez mais o conteúdo erótico.

O grande capital que gira em torno da pornografia se aproveitou dos ideais defendidos pelo feminismo dos anos 60 e 70. Esse movimento de mulheres mobilizou-se para discutir assuntos como a sexualidade, os direitos reprodutivos, as desigualdades de facto, a família e o ambiente de trabalho. O movimento feminista desse período — classificado academicamente pela literatura da história do feminismo como “feminismo de segunda onda” — introduziu o conceito de liberdade sexual como direito da mulher, sendo essa sinonímia de libertação da carga histórica exercida sobre seu corpo, sexualidade e direitos reprodutivos. A indústria aproveitou a oportunidade para capitalizar e lucrar sobre uma sociedade mais aberta para temas relacionados à sexualidade, por intermédio da venda de pornografia. Para tal, o grande capital necessitou de veicular sua ideologia.

Karl Marx conceitua ideologia como uma concepção idealista na qual a realidade é subvertida, uma consciência quimérica, na qual a classe dominada é ludibriada pela classe dominante. Nesse sentido, a ideologia tem função de manter a dominação de classes, através de uma explicação aparentemente apaziguadora para as diferenças sociais. Seu objetivo é evitar o conflito aberto entre opressores e oprimidos. A ideologia, portanto, está como uma forma de consciência, mas uma consciência parcial, ilusória e enganadora que se baseia na criação de conceitos e preconceitos como instrumentos de hegemonia.

O discurso ideológico não nega a desigualdade social, isso seria leviandade, tendo em vista que essa é explícita, mas nega que a diferença tenha origem histórico-econômica. Para explicar as diferenças sociais, a ideologia utiliza de vários recursos, o mais comum sendo a naturalização. A naturalização é a tentativa de justificar as desigualdades sociais através de supostas razões naturais. A classe social hegemônica se beneficia da naturalização, porque, através dela, é permitido hierarquizar os grupos, para, em seguida, colocar-se no topo.

Sendo assim, sob pretexto de uma ideologia supostamente pró-sexo, a indústria pornográfica induz na mulher a ideia falaciosa da libertação espiritual, sexual, econômica e social através da mercantilização do seu corpo. Quem se beneficia desse processo é o setor da classe dominante, constituída por produtores de grandes fabricantes de material pornográfico, sendo esses homens de grande poder aquisitivo e influência.

As mulheres são cooptadas a participar da indústria pornográfica através de falsas promessas de empoderamento e independência. A problemática da questão é que quando se permite a venda do corpo, automaticamente é permitida a compra.

III. Efeitos da Pornografia

Devido à facilidade atribuída ao acesso ao material pornográfico e à forma gráfica com a qual o conteúdo é exposto, a pornografia é o principal método de educação sexual para os jovens da Era Digital. Analogamente, entende-se que a indústria de alimentos molda a maneira como come-se e a indústria da moda molda a maneira como veste-se, logo, a indústria pornográfica molda o comportamento humano frente ao sexo. Na medida em que a maioria dos adolescentes já são expostos a pornografia e que não há constrangimento em consumir pornografia, visto que é uma atividade que permite que o usuário permaneça no anonimato e a ideologia veiculada pela classe dominante, como afirmado anteriormente, naturaliza esse consumo, o ideal de ato sexual construído por jovens é completamente influenciado pela pornografia.

Em decorrência da exposição precoce ao material pornográfico, dá-se o processo de sexualização igualmente precoce de meninos e meninas. A maturação sexual e psicológica ocorre por etapas, de forma gradual. A erotização de crianças não as torna sujeito sexual propriamente dito, mas sim objetos sexuais, posto que são exploradas sexualmente de diversas formas, para entretenimento e bel prazer de adultos. Dessa forma, a pedofilia torna-se uma prática banalizada e naturalizada, a fim de alargar cada vez mais o mercado para o produto da indústria pornográfica.

Esse conceito de sexo que está sendo transmitido para as gerações jovens não é só nocivo por ser nublado por interesses econômicos das produtoras de pornôs, mas também por influenciar como é a percepção dos conceitos de “homem” e “mulher”. Essa percepção reforça a ideia que Simone de Beauvoir já trazia quando afirma, em seu livro O Segundo Sexo, que “ninguém nasce mulher. Torna-se mulher.”. A pornografia veicula a desigualdade de poder entre o homem e a mulher expressa na relação sexual, ao recorrer a imagens de violência contra as atrizes e a situações depreciativas para a mulher. Nesse sentido, os estereótipos de gênero são reforçados e torna-se mais complexo e ardiloso combater a violência contra a mulher, uma vez que propaga-se a ideia de que o sexo também envolve violência e agressão.

O ato sexual é um fator determinante para o que se compreende como gênero. Entende-se que “homem” e “mulher” são produtos sociais, originários dos ritos de socialização pelos quais são submetidos indivíduos que nascem com aparelhos reprodutivos diferentes. A compreensão do sexo é, portanto, parte do que se denomina da socialização masculina e feminina, e resulta na determinação dos papéis de gêneros.

Dessa forma, se o conceito de sexo com o qual a maioria da população jovem entra em contato promover a opressão contra a mulher, o resultado é a permissividade quanto à violência e a discriminação de gênero, incluindo os crimes sexuais.

A seguinte tabela é baseada na pesquisa elaborada por BRIDGES; SUN; EZZELL e JOHNSON (2016), que buscou entender os efeitos da exposição prolongada à pornografia na relação sexual.

Alguns autores estabelecem que o consumo compulsivo de pornografia é influência do estupro, violência doméstica, abuso sexual de crianças, disfunções sexuais e dificuldades em relações amorosas. Consumidores de imagens de cunho explicitamente violento podem se tornar tolerantes a tais imagens, impactando na resposta sexual, condicionando os consumidores a trivializar o estupro.

Ademais, W.L. Marshall, em seu artigo O Uso de Estímulos Sexualmente Explícitos por Estupradores, Pedófilos e Não Infratores, apregoa que a exposição à pornografia abaixo dos 14 anos está relacionado com a prática de condutas sexuais desviantes, particularmente o estupro. Pouco mais de um terço dos molestadores de menores e estupradores condenados entrevistados em seu estudo afirmaram que foram incitados a cometer tais crimes sexuais por causa da exposição à pornografia. Entre os incitados molestadores de menores, 53% deles reportou ter usado deliberadamente dos estímulos da pornografia enquanto preparavam-se para violentar as crianças.

O hábito de consumir pornografia concomitantemente ao praticar os crimes sexuais foi relatado por 87% dos molestadores de meninas e por 77% dos molestadores de meninos, no estudo. Contudo, observa-se que não fora explicado o motivo de tais relações numéricas. Portanto, a correlação não indica causalidade e não se pode afirmar precisamente que a pornografia cria mentes violentas e propensas a cometer ofensas sexuais. Porém, é possível relacionar o consumo de material pornográfico e a prevalência da cultura do estupro, de forma que um complementa o outro. Na medida em que as ideias transmitidas pelo pornô incitam visões machistas sobre como deve ser o comportamento feminino — submisso às vontades do homem.

No entanto, por causa da coletânea de dados empíricos reunidos, é possível e imperativo que se trace um paralelo entre o público-alvo da pornografia e as relações de poder evidenciadas pela produção e pelo consumo dessa. A presente imagem tem base no que foi coletado pelo grupo Covenant Eyes.

Percebe-se que o público da indústria pornográfica é majoritariamente masculino, pois, dentro da lógica Marxista, a produção pornográfica atende às demandas do consumo, e esse consumo estimula uma maior diversidade na produção. Como homens são mais de 5 vezes mais propensos a consumir pornografia, de acordo com o gráfico, a indústria atende primeiramente aos anseios do público masculino. Também explicitado na figura e citado anteriormente, há uma relação direta entre pornografia e prostituição, sendo a primeira a forma registrada da segunda. Dessa maneira, o consumidor de um serviço é o mesmo consumidor do outro, reforçando a ideia de que são formas distintas mas próximas de obter capital sobre a exploração sexual feminina e falso empoderamento, o que atende a uma classe masculina dominante.

IV. Conclusão

Após analisar a dinâmica socio-econômica operante na indústria pornográfica, entende-se que a produção da pornografia é secularmente observada no curso da humanidade, porém, foi a atuação das forças capitalistas que transformaram a atividade em uma indústria do sexo, ou da imagem dele. Para que o ato sexual e o corpo feminino fôssem ferramentas para capitalização e acúmulo de riquezas, foi necessário que a classe dominante, no caso, homens com capital disponível, difundisse uma ideologia que facilitasse a venda do corpo, do sexo e da imagem, por parte da mulher.

Em aglutinação, o efeito da produção e do consumo da pornografia é pernicioso para a sociedade, particularmente para como ela lida com as mulheres, historicamente de forma coercitiva e opressora.

Bibliografia e referências

PREVOS, Peter. Pornography and the Commodification of Sexual Desire. Disponível em: http://prevos.net/humanities/sociology/pornography/; acesso em 22 de Agosto de 2016.

The price of pornography. 30 de Julho de 2013. Disponível em https://socialistworker.co.uk/art/33995/The+price+of+pornography; acesso em 22 de Agosto de 2016.

O’TOOLE, Laura L.; SCHIFFMAN, Jessica R. Gender Violence: interdisciplinary perspectives. 1ª edição. Nova Iorque, NY. New York University. 1997.

(Disponível em goo.gl/cyPj9r)

MALAMUTH, Neil M.; BILLINGS, Victoria. Why Pornography? Models of Functions and Effects. 34ª edição. Los Angeles, California. Los Angeles University. 1984. Páginas 117–129. (Disponível em: http://www.sscnet.ucla.edu/comm/malamuth/pdf/84jc34.pdfhttp://www.sscnet.ucla.edu/comm/malamuth/pdf/84jc34.pdf)

LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. França. 1987. Páginas 159–183.

KENDALL, Todd D. Pornography, Rape, and the Internet. Clemson University. The John E. Walker Department of Economics. 2007.

(Disponível em: http://www.yapaka.be/sites/yapaka.be/files/actualite/pornography-rape-and-the-internet.pdf)

BRIDGES, Ana J.; SUN, Chyng F.; EZZELL, Matthew B.; JOHNSON, Jennifer. Sexual Scripts and the Sexual Behavior of Men and Women Who Use Pornography. University of Arkansas, Fayetteville, AR, USA, New York University, New York, NY, USA, James Madison University, Harrisonburg, VA, USA, Virginia Commonwealth University, Richmond, VA, USA. 24 de Outubro de 2016. (Disponível: http://sme.sagepub.com/content/2/4/2374623816668275.full.pdf+html)

MARSHALL, W., L., The Use of Sexually Explicit Stimuli by Rapists, Child Molesters, and Nonoffenders. The Journal of Sex Research 25, no.2: 267–88. 1988.

[1] http://www.internetworldstats.com/stats.htm, acesso em 25 de Outubro de 2016

[2] http://www.covenanteyes.com/pornstats/, acesso em 25 de outubro de 2016

[3] Judith Reisman, Jeffrey Sanitover, Mary Anne Layden, e James B. Weaver, “Hearing on the brain science behind pornography addiction and the effects of addiction on families and communities,” http://www.ccv.org/wp-content/uploads/2010/04/Judith_Reisman_Senate_Testimony-2004.11.18.pdf (accessado em 25 de Outubro de 2016).

[4] Dados retirados de http://www.covenanteyes.com/pornstats/ , acesso em 25 de outubro de 2016

--

--