A dor remanescente ao final de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain

Thiago Silva
AntiCvlt Magazine
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5 min readOct 19, 2015

Antes de mais nada preciso deixar bem claro que sou 200% fanboy da série Metal Gear Solid desenvolvida pela japonesa Konami, isso desde que tive meu primeiro contato ainda com esta na época do PSX clássico. Foi o primeiro game que joguei (fora os JRPGs que sempre tiveram lugar cativo no meu coração) em que não dava pra simplesmente dar uma de Rambo e sair matando todo mundo na tua frente. Quer dizer, até dava, mas tu terias que ser excepcional no manejo das poucas (e fracas) armas que o jogo te oferecia no começo contra a miríade de inimigos que o game atirava pra cima de ti. Logo, a solução era mesmo agir de forma como indicava o subtítulo do jogo: na TÁTICA.

Tactical Espionage Action ou ainda MERMÃO ISSO VAI TE DAR TRABALHO

Aquilo foi um choque tremendo pra mim. Ter que parar pra pensar como agir e o que fazer me deixou um tanto quanto assoberbado e me levou a perder muitas vidas e chegar bem perto de quebrar o controle várias vezes. Mas o jogo te recompensava com uma trama bacana, chefes esquisitões, cheia de reviravoltas e contada em estilo altamente cinematográfico, coisa que é marca registrada de Hideo Kojima, diretor e roteirista principal da série desde seus primórdios, ainda no MSX. Era assim:

E foi ficando assim:

Feitas as introduções e explicado meu amor intenso, irrestrito e sem limites pela série, cabe agora analisar o derradeiro (espera-se) título que deveria fechar todas as pontas soltas deixadas ao longo dos anos pela trama gigantesca e confusa daquele que deveria ser só mais um joguinho qualquer de MSX com um chefão final genericamente intitulado como Big Boss porque se tem uma coisa na qual os japoneses não são particularmente bons, é no uso de inglês. Já deixo o spoiler aqui mesmo: o game deixa uma batelada de perguntas sem resposta. Com um processo de desenvolvimento complicado, marcado pela saída um tanto quanto traumática de Kojima da Konami e com um tantão de conteúdo não incluso na versão final do game por motivos de treta pura e simples, não dava pra esperar que Metal Gear Solid V: The Phantom Pain fosse mesmo resolver todas as pendências acumuladas ao longo dos anos. Mas e o jogo em si? Aí o bicho pega.

Primeiro que de cara rola isso aqui:

IH RAPAZ

Não estava preparado e muito menos esperava receber uma citação do Cioran assim bem na minha fuça, mal sabia eu que língua e linguagem seriam tão importantes pro desenrolar do jogo mais adiante. Se Kojima queria impressionar, conseguiu. Mas falemos do gameplay em si.

Pela primeira vez em um título da série temos um mundo aberto e uma série de missões que podem ser completadas meio que sem qualquer ordem específica, com exceção de algumas mais importantes para o desenrolar da história aqui e ali. Fato é que comecei a escrever este texto com cerca de 75 horas de jogo e o próprio indicava que havia completado cerca de 50% do game até então. Logo, se você é daqueles que mede o valor de um jogo pela sua duração, este é um título que certamente vale o investimento, independente da versão adquirida (joguei a de PS3). O mapa é enorme e a área de operações se divide entre parte da África e Afeganistão. Assim sendo:

Eta mundão velho sem porteira

De verdade: a quantidade de conteúdo do jogo é abissal. Por mais que no final das contas muitas missões sejam parecidíssimas, incluindo aí até as missões paralelas, o fator diversão nunca vai embora pelo simples fato de que o jogo tem uma mecânica extremamente flexível: você PODE e DEVE solucionar um mesmo problema de várias formas diferentes. Dependendo do seu estilo de jogo, há a possibilidade de personalizar as armas e trajes de Snake de acordo com suas preferências. Ou seja: você pode MESMO dar uma de Rambo com lança-mísseis, metralhadoras e uma puta armadura, ou ser mais low profile e basear toda ação em camuflagem/tranquilizantes/não matar ninguém. De qualquer forma, MGS V flui bem e cumpre seu papel, ao menos até certo ponto.

Além das missões em si, o jogo também retoma uma mecânica que surgiu pela primeira vez em Metal Gear Solid: Peace Walker, lançado originalmente para PSP em 2010, onde você gerencia sua base recrutando soldados, desenvolvendo novos itens e etc de forma a afetar o desenrolar da jogatina (exemplo: com uma equipe de inteligência em nível alto, você sabe quando se aproximam chuvas ou tempestades de areia, fatores que alteram como você aborda determinada situação). Agora, fora “recrutar” soldados à força através daquele infame balãozinho Fulton, dá meio que pra capturar qualquer coisa, como demonstrado neste simpático vídeo:

Fato é que o título mais recente da série combina elementos que a tornaram célebre como a narrativa cinematográfica , chefes e personagens bizarros (em menor escala, é verdade, mas ainda presentes) e momentos de comédia estúpidos (a piada recorrente de Snake usar caixas de papelão como disfarce), sem contar as mecânicas mais afiadas que nunca e desafios extras como capturar animais raros com seu dispositivo Fulton, que chegam a povoar uma espécie de mini-zoológico dentro do game. Dá pra sequestrar bodes, não tem como não curtir isso.

O enredo, mesmo com seus furos, tem uma premissa interessante que vai se desdobrando aos poucos, fora a aparição de alguns personagens de títulos anteriores, o que sempre é bacana (apesar de deixarem seus destinos em aberto). Lembra daquela citação do Cioran ali em cima? Então, o antagonista do jogo, Skull Face, desenvolveu uma espécie de vírus que afeta somente falantes de determinada língua e pretende VARRER o inglês da face da Terra por motivos que sinceramente tenho uma leve preguiça de explicar aqui e você pode ver na Wikipédia depois ou, sei lá, fazer o certo e jogar o game, mas resumindo bastantão: o cara sofreu um trauma absurdo por ter perdido sua língua-mãe. Óbvio que o jogo explica isso de uma forma mais bacana e poética do que eu poderia. Achei originalíssimo, achei louco, achei lindo, só que cabe lembrar que trabalho com tradução, logo, sou meio coração-mole pra absolutamente qualquer porcaria que envolva língua e linguística.

Inclusive, o bendito vírus/parasita afeta os soldados em sua base em um dos momentos mais dramáticos, tensos e absolutamente horrorosos que já tive o (des)prazer de vivenciar no meu PS3. Já falei pra vocês jogarem o game? Pois joguem.

Mas e depois que rolam os créditos? Aí meu amigo, você vai ficar puto, puto mesmo. O game tem um dos finais mais CORTA-CLIMA de todos os tempos, então não espere por nenhuma grande conclusão. Como mencionei ali em cima, tretas mil impediram que o jogo atingisse seu potencial total e muita coisa acabou sendo cortada, mas vale repetir aquele chavão: não é o destino que importa, mas a jornada que te leva até lá. Mesmo que fique aquele vaziozinho, aquela pontinha de dor no final de tudo.

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Thiago Silva
AntiCvlt Magazine

Escrevo, traduzo, como, cozinho, reclamo, tenho bandas.