Merchcore, o maior gênero (não-)musical de 2015

Thiago Silva
AntiCvlt Magazine
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3 min readOct 12, 2015

O ano é 2015 e nunca foi tão fácil gravar uma demo, um disco, lançar um clipe ou seja lá o que for, com ferramentas gratuitas ou quase (estou falando daquele software baixado em torrent mesmo, seu malandrão) dá pra fazer uma produção profissa ou quase com custo próximo do zero, ou como no caso da minha banda, setenta reais e um COCÃO de dois litros (ó o merchan aí). Com a facilidade e maior acesso aos meios de produção, acho que facilmente nestes últimos anos temos visto um surgimento cada vez maior das famigeradas “bandas pra virar’’, ou seja, aquela em que nego faz de tudo pra que a música deixe de ser passatempo e vire um sustento de verdade. Até aí tudo bem, acho válido, segue teu coração e pá, mira pra fé e rema, vai que é tua Taffarel etc.

Fonz, vocalista do Attila, grande expoente do MERCHCORE gringo

Mas o bicho pega mesmo quando a banda lança uma série de produtos remotamente ligados à música com preços meio absurdinhos (já vi umas bermudas de, sei lá, MAIS DE OITENTA CONTO) o que pode incluir, mas não se limitar aos seguintes itens:

  • Porta-copos
  • Canecas
  • Chaveiros
  • Bermudas
  • Camisetas
  • Moletons
  • Panos de prato
  • Dildos (com e sem vibro)
  • Discos (raridade)

Inclusive, cabe aqui uma pequena anedota, lembro de nos idos de 2008, época em que o Soulseek bombava ferozmente aqui em casa, ter conhecido um cidadão que atendia pela alcunha de BaronVonBlastBeat e tocava em uma banda de goregrind horrível chamada Scum Bitch (não escute), que naquela época mesmo foi pioneira e vendia desde capas para assento sanitário até fraldas de pano, tudo com o logo bordado, coisa fina, de bom gosto mesmo.

Mal sabia eu que a pura falta de noção desta banda de jacús que certamente tinha suas raízes em algum estado caipiresco e atrasado do sul norte-americano serviria de presságio a este que veio a se tornar o maior gênero (não-)musical de 2015 D.C. A lista de itens que citei ali em cima pode parecer exagero, mas juro que enquanto escrevia este texto aqui e conversava com um amigo sobre o tema, ele me fez o favor de citar trocentos exemplos que não posso reproduzir por motivos de não querer apanhar na rua, mas saibam que teve banda aí fabricando até carteira de couro com o próprio logo, fato este ao qual não sei nem como reagir direito ainda.

Mas vejam bem: eu não tenho absolutamente nada contra qualquer banda vender seu merchan, é justo, afinal, você dispõe de horas da sua vida e grana mesmo pra fazer música, então ao menos COBRIR o prejuízo é ok, né? O que me incomoda e muito é quando há pouca música pra se mostrar, ou ainda música de qualidade meio duvidosa, assim, quando se tem uma loja virtual abespinhada de quinquilharias. Pra provar pra mim mesmo que não se tratava de birra pura e simples, visitei o site de uma grande banda nacional e que pra mim é certamente um dos PILARES do movimento aqui no Brasil, a qual obviamente não citarei o nome. Abro o site, em seguida clico no link da bendita loja. Conto ao menos VINTE itens, entre peças de vestuário e até mesmo shapes para skates, ao passo em que é oferecido só UM único CD. Louco, não?

Assim é que é

O que acho ainda mais sinistro é como se cria todo um fetiche em torno da mercadoria, afinal, as peças todas são extremamente profissionais e até mesmo a atuação de bandas como essas na internet viram coisa digna de estudo de caso de marketing. Bandas pequenas, cujo principal trunfo deveria ser a proximidade com o público, viram verdadeiras máquinas de venda e autopromoção, com o auxílio de sabe deus quantos assessores ou profissionais de RP, marketing e afins. Aí junto disso vem os teasers de webclipe, os lyric videos, as pré-vendas de materiais que ainda nem existem direito. Na corrida louca pra tentar “vencer’’ no mundo louco da música independente, vende-se um estilo, um visual, todo um aparato estético, mas esquece-se daquilo que deveria continuar como a força motriz de tudo aquilo: a música.

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Thiago Silva
AntiCvlt Magazine

Escrevo, traduzo, como, cozinho, reclamo, tenho bandas.