Por que tanto metaleiro reaça, hein?

Thiago Silva
AntiCvlt Magazine
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5 min readOct 9, 2015

Por esses dias um amigo veio e me perguntou “Thiago, cê sabe por que o metal virou um antro de reacionarismo?” e deixa eu te dizer que esse lance ficou martelando na minha cabeça a ponto de incomodar, e muito. Mas pra poder chegar na minha resposta e explicar o porquê do meu incômodo com isso, é preciso um tiquinho de contextualização. Senta que lá vem história:

Eu cresci no meio do hardcore. Não com tanto envolvimento quanto eu gostaria, porque em Manaus sinto que a coisa toda não fruiu como deveria, sempre foram poucas as pessoas que se identificavam com meio, todo mundo meio que se conhece, muitos desencanaram, etc. Esse papo de cena que todo mundo sabe como é. Mas eu não estaria onde estou hoje, não seria quem eu sou e dificilmente pensaria como penso se não fosse pelo contato que tive com o punk logo cedo, lá por volta dos 13 anos, com hardcore melódico horrível e tal, o que já era um começo.

Com o tempo, fui me interessando por mais coisas dentro do punk, começando a ouvir as bandas mais barulhentas, a pirar em hardcore escandinavo, depois conhecendo crust, grindcore e tudo mais, passando também pela escola do hardcore americano, e também sempre de olho no que rolava no Brasil, sempre de olho nas letras, nos questionamentos, acabei me envolvendo com o straight-edge, segui vegan por uns bons anos, e não tenho vergonha nenhuma em admitir que bandas como o finado Point of No Return ajudaram a moldar minha visão do mundo. Antes de me envolver com o metal, antes de qualquer coisa, essas bandas e suas referências (que me levaram a conhecer autores e pensamentos de esquerda) mostraram pra mim que poderia existir um mundo, por falta de termo melhor, mais justo, mais civilizado, que respeitasse mais a individualidade do outro e ao mesmo sem tantas barreiras entre nós. O punk me mostrou que poderíamos e deveríamos debater de tudo.

Aí o que aconteceu? Apareceu o Darkthrone e me entortou a vida. O primeiro CD de metal que comprei na vida foi o grande Transylvanian Hunger, aquele que o Varg (Burzum) fez o favor de participar com algumas letras e cuja contracapa contava com a simpática mensagem Norsk Arisk Black Metal ou em bom português, Metal Negro Norueguês Ariano. Aos poucos fui me envolvendo com o metal, decididamente de trás pra frente, já que o que me interessava mesmo era o som bruto e áspero que eu encontrava nos discos de grindcore e no pouquinho de death metal que conhecia, só depois de velho (lá pra depois dos 20) fui ouvir heavy mesmo y otras cositas más. Obviamente, nesse tempo todo, a mentalidade punk continuava a de sempre, e supunha que no geral, o metal fosse algo tão ou mais “acolhedor” assim. Não era.

No metal é infelizmente um tanto quanto comum se deparar com posturas sexistas, retrógradas e completamente anacrônicas. Coisa que pra mim nunca fez sentido, porque como um gênero que tinha suas raízes também em gente sem grana e de classe operária poderia reproduzir qualquer discurso minimamente opressor?

E a resposta, pra mim, está aí justamente nessas origens. O metal, em linhas gerais, sempre foi um gênero mais fantasioso, de cunho decididamente mais hedonista e menos preocupado com a realidade. O metal, em essência, é usado como uma válvula de escape, e um gênero predominantemente masculino que ressalta o prazer de qualquer forma. Há toda uma virilidade inegavelmente envolvida na coisa, e junto dela, toda a negatividade que isso traz. Meu ponto é, que com poucas exceções, na média, o metal não é um espaço feito para o diálogo, não é aberto a isso, e por consequência seu público médio também não. Não há uma cultura nem mesmo de se reprimir atitudes escrotas (muitas vezes tratadas com uma leveza desnecessária, o bom e velho “passar um pano”), o que em gêneros mais extremos pode se tornar um problema dos maiores, quando valores deturpados de honra e glória acabam por assumir posição de destaque dentro de algo que não tem lá muitos outros pontos de referência.

Pode-se culpar o fã comum de heavy metal? Não, porque muitas vezes ele não teve o contato necessário com outros pontos-de-vista e acaba reproduzindo o que está ao seu redor, muitas vezes servindo como um reflexo cabeludo (e de camiseta preta) do que se encontra na sociedade como um todo, em que a revolta acaba por tomar os rumos mais errados possíveis.

Exemplos recentes? Tivemos o baterista do Korzus meio que defendendo Jair Bolsonaro após aquela infeliz declaração:

E amigo, fica a dica: você não pode simplesmente sair ameaçando, mesmo que “de brinks” alguém de estupro. Não pode. E não pode tentar relativizar a falta de noção dos outros também, especialmente se esse outro é um cara que só abre a boca pra regurgitar bile e preconceito pra cima de tudo quanto é minoria.

Tivemos também aquele incidente com o Test em SP, que independente das versões da história, culminam em um ponto só: fulano X bateu em fulano Y por conta de gênero musical (e ideologia), mostrando aí uma reação tão desproporcional a algo que só me faz pensar como o black metal, na minha opinião algo que trata muito mais de LIBERDADE individual que qualquer outra coisa, chegou de um jeito todo deturpado e besta aqui no Brasil, com tantas regrinhas e dogmas que a afirmação categórica de que tratam-se de uns crentes às avessas já não parece tão absurda. Outro exemplo mais antiguinho é o de quando Gaahl, vocalista da banda norueguesa Gorgoroth assumiu a homossexualidade e teve uma recepção mais ou menos nessa pegada aqui:

O que é bem louco se você parar pra pensar, vindo de gente que também sofre algum preconceito por parte da sociedade, que por vezes critica essa mesma sociedade, e que, no final das contas, reproduz o senso-comum dela mesma.

Minha conclusão?

¯\_(ツ)_/¯

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Thiago Silva
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Escrevo, traduzo, como, cozinho, reclamo, tenho bandas.