Resistência Tricolor

Combativo, aguerrido, vibrante e forte

Ingrid Campos
ANTIFA: Paixão e Resistência
5 min readDec 8, 2018

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Por Stephanie Sousa.

O cenário não era dos melhores. 2017. Oitavo ano na série C do campeonato brasileiro, derrota por 2x0 para o Ferroviário na semifinal do Cearense.

A torcida, na arquibancada, manifestando apoio ao refugiados no Brasil e repúdio ao fascismo. Fonte: Facebook.

De um momento pouco animador, o ímpeto de um torcedor apaixonado: a ideia de criar uma torcida organizada antifascista do Fortaleza Esporte Clube. R.C*, tricolor de longa data, encontrou inspiração no Ultras Resistência Coral, coletivo antifascista justamente do time que havia eliminado o Leão do certame estadual. Fruto de estudo, conversas e experiências compartilhadas com os colegas da torcida do Ferrão, nascia a Resistência Tricolor (RT).

As torcidas antifascistas — ou antifas, como são também conhecidas — têm um padrão de pautas, baseadas na transformação do futebol e das arquibancadas em espaços democráticos, construídos coletivamente por pessoas de qualquer orientação sexual, cor, gênero ou classe. “O estádio é um dos locais com maior disseminação de todo tipo de preconceito. É talvez o espaço mais machista de que se tem conhecimento, mais sexista, misógino, homofóbico e até racista”, reforça N.B, participante ativo da RT.

Outra questão imperativa é a social. As antifas reconhecem que o futebol é um esporte das massas, fato desprezado pela “gourmetização” dos estádios que acontece atualmente. A Copa do Mundo de 2014, sediada no Brasil, impulsionou esse processo, marcado pelo encarecimento dos ingressos e pelo debate sobre a venda de bebidas alcoólicas nos jogos. A medida, que está em trâmite na Assembléia, é forjada em uma proibição problemática. Isso porque bebidas alcoólicas já são comercializadas nos setores mais caros dos jogos. Nos setores populares, o mesmo não acontece.

“Por que rico pode e pobre não? Como se o rico fosse o civilizado e o pobre, o vândalo. Ou seja, as massas não podem beber no estádio, porque se tornam violentas, mas quem é rico pode beber à vontade, que não vai causar problema nenhum”, aponta N.B. Para os membros, questões como essa justificam a necessidade da luta da jovem Resistência Color.

Atuante

Em 2018, a Resistência Tricolor se fez presente tanto nos jogos do Fortaleza como fora dos muros do Castelão. Este ano, esteve em todas as 19 partidas disputadas em casa, em número crescente de participantes presentes. Já nas ruas, contribuíram com atos como o “Ele Não”, em oposição ao presidente eleito Jair Bolsonaro, na Praia de Iracema.

Resistência Tricolor na manifestação #Elenão, em protesto à candidatura do presidente eleito Jair Bolsonaro. | Fonte: Facebook.

Junto às arquibancadas e às ruas estão as redes sociais, compondo a tríade de atuação da torcida antifascista. R.C explica que o espaço virtual conquista novos membros e simpatizantes, mas também gera discussões acaloradas com torcedores contrários às ideias da Resistência. “Nós temos o cuidado de fazer textos bem-explicados, com imagens que não gerem polêmicas. E sempre reforçamos que não temos ligação com nenhum partido político”, explana. “Claro que a gente tem que ser didático, mas tem pessoas que já chegam com ameaças, falando que se encontrassem a gente na rua, iriam partir pra cima. Com esse tipo de coisa não tem diálogo, tem que cortar na hora”, reforça N.B.

Os participantes explicam ainda que boa parte da represália que se deve ao momento de rejeição à esquerda que o Brasil vive atualmente. Segundo eles, é importante lembrar que a antifa não busca representar toda a torcida do Fortaleza e impor um ponto de vista, mas integrar as minorias em um espaço predominantemente segregador.

“Pra gente, não é um problema dizer que somos um movimento de esquerda. Mas também não é um problema que exista uma torcida cristã, por exemplo. Isso porque não representamos o Fortaleza como clube, e sim uma parcela de torcedores que têm um pensamento em comum”.

Peça produzida e divulgada por membros da Resistência Tricolor, em homenagem à Marielle Franco, nas redes sociais da torcida. A vereadora foi assassinada no começo de 2018. A justiça deduz que tenha sido por represália política. | Fonte: Facebook.

Futebol x Política

Desmistificar a comum ideia de que política e futebol não se misturam é para a Resistência Tricolor missão diária. Para isso, eles recorrem a fatos históricos.

Na Copa do Mundo de 1970, época da ditadura militar, o presidente Emílio Médici se dizia um apaixonado por futebol. Naquele ano, o governo utilizou a seleção brasileira para se autopromover e melhorar a popularidade do então chefe de Estado. Também é curioso que o técnico responsável por classificar a seleção canarinha para o mundial de 70, João Saldanha, tenha sido substituído por Zagallo durante a competição. Acredita-se que a mudança aconteceu por intervenção de Médici, devido a diferenças políticas com Saldanha.

Mais recentemente, no primeiro semestre deste ano, o Corinthians lançou um modelo de camisa em homenagem à Democracia Corinthiana, movimento político contra a ditadura que teve início no clube em meados da década de 80 e que tinha o jogador Sócrates como um dos maiores expoentes. O time foi proibido pela Conmebol de utilizar o modelo durante a Libertadores.

“Tudo isso é política e futebol, e a negada [sic] acha que não é”, resume R.C. “Em certo jogo, a gente levou uma faixa a favor da legalização do aborto seguro e nos criticaram. O Fortaleza, como clube, já fez parecido, e entrou em campo com uma faixa contra a prática. Ou seja, pode usar o futebol e a política só quando é conveniente a um certo grupo?”, dispara.

Além das questões políticas, N.B também ressalta a politicagem escancarada dentro dos clubes. “A gente cansa de ver presidentes e dirigentes usando os clubes como trampolim político. No caso do Fortaleza, com o Eduardo Girão, e do Ceará, com o Evandro Leitão. Isso acontece no Brasil todo”, protesta, referindo-se aos antigos presidentes do Tricolor e do Vovô, eleitos senador e deputado estadual, respectivamente, nas eleições de 2018.

Sem demonstrar cansaço

Para o ano que se aproxima, a Resistência Tricolor já faz algumas previsões e tenta manter o otimismo. A torcida organizada acredita que, em 2019, o País viverá um crítico momento político e, justamente por isso, espera-se um grande avanço das antifas em todo o Brasil. Até lá, a luta segue, em nome das minorias — seja nas redes sociais, nas arquibancadas do Castelão ou nas ruas da capital cearense.

“E a única forma que pode ser norma é nenhuma regra ter; é nunca fazer nada que o mestre mandar. Sempre desobedecer, nunca reverenciar” (Belchior)

*As iniciais usadas são fictícias, a fim de preservar a identidade dos entrevistados.

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https://www.vice.com/pt_br/article/vb458j/a-ascensao-das-torcidas-antifascistas-no-futebol-brasileiro

https://www.cartacapital.com.br/diversidade/dane-se-o-racismo-organizadas-lutam-contra-o-preconceito-nos-estadios

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2018/05/21/futebol-e-antifascismo/

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