Ultras Resistência Coral

Ingrid Campos
ANTIFA: Paixão e Resistência
5 min readDec 6, 2018

Militarismo exacerbado. Exaltação de um passado glorioso da nação. Culpa do fim de uma era áurea em um grupo social. Existência de um inimigo, interno ou externo, que justifica os problemas vividos nessa sociedade. Nacionalismo acentuado. Conservadorismo relativo à moral e aos costumes. Culto a uma personalidade salvadora, que trará de volta a glória. Ideais religiosas que embasam os ideais. Forte hierarquia, considerada natural e necessária. Poder de mandar e dever de obedecer.

É assim que Leonardo Carneiro define o modelo sociopolítico repudiado pela torcida organizada da qual faz parte. Para ele, o fascismo é responsável pelo “surgimento de um ódio, uma violência e uma repressão contra determinadas minorias”.

A Ultras Resistência Coral surgiu do incômodo de um anarquista e de um socialista com o comportamento das torcidas tradicionais. Os gritos e cantos homofóbicos e sexistas que fazem parte do cotidiano dos estádios foram propulsores para que eles fundassem, em 2005, a primeira torcida organizada do Brasil a se posicionar politicamente.

Entendendo que o País vive uma “onda conservadora que respinga no futebol”, sua torcida se posiciona contra o racismo, a homofobia, o machismo, a xenofobia e o capitalismo, tanto que sempre tenta intervir e repudiar, no mesmo instante, manifestações do tipo nos estádios.

Homenagem que a torcida prestou, no Dia da Consciência Negra, a um dos maiores ídolos do clube, Abelardo Cesário da Silva, o “Coca-Cola”. | Fonte: Reprodução.

A Ultras Resistência Coral já sofreu discriminação como essas. Ainda em 2005, os membros levaram uma faixa lilás ao estádio com protestos antimachistas. “Nós escutamos alguns torcedores dizendo ‘mas essa faixa é coisa de veado, não combina com o Ferroviário, essa cor’.”

Em contrapartida, com o passar dos anos, diz que as outras torcidas passaram a respeitar os seu posicionamento e integrá-la na vivência do futebol. “Já teve jogo que o pessoal da Falange nos chamou para juntar forças, no estádio, e ‘empurrar’ o time. Eles fizeram questão de, enquanto estivéssemos ali com eles, não gritarem ou cantarem nada com conteúdo homofóbico ou machista, apenas músicas de exaltação ao Ferroviário.”

Leonardo entende que sua luta não deve ser feita de forma particular. Por isso, além das bandeiras que levam aos estádios, a torcida tenta disseminar seus ideais nas redes sociais e por meio de panfletagem nas ruas. Além disso, unem forças com outras torcidas antifascistas do Estado, inclusive em manifestações como o #EleNão (em repúdio à candidatura de Jair Bolsonaro ao Executivo nacional), e planejam promover o primeiro encontro oficial dessas organizadas.

Faixas da Ultras Resistência Coral e da Vozão Antifascista no protesto nacional contra a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da República, intitulado #EleNão. | Fonte: Facebook.

“Nem guerra entre torcidas, nem paz entre classes”

“Além de ser antifascista, [Ultras Resistência Coral] é anticapitalista. Essa foi a nossa ideia desde o início.”

A ideologia da torcida se costura à história do próprio clube. O Tubarão foi fundado, em 1933, na Barra do Ceará, por trabalhadores humildes do Setor de Locomoção da Rede de Viação Cearense (RVC). Antes, quando o time ainda era apenas um reunião de operários para bater um “racha”, eles juntavam dinheiro para a comprar uma bola, limpavam um terreno vazio, arrancando o mato e os tocos, nivelando-o. Também confeccionavam as próprias traves.

“Naquela área, ao longo dos anos, concentrou-se toda uma população humilde, na maioria fugida da seca, fome e latifúndios do sertão. Não foi coincidência que, no intuito de servir-se da mão de obra barata representada por essa população carente, instalaram-se na zona oeste da capital várias indústrias.” (Ferroviário Atlético Clube)

O principal fundador do clube, Valdemar Cabral Caracas, também foi responsável pela criação, em 1947, do Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Ceará. Esses fatores fazem com que o Ferroviário seja um símbolo das raízes operárias do esporte no Brasil.

Considerando a origem humilde do time, Leonardo reclama que o futebol está passando por um processo de “mercantilização e de elitização” que, cada vez mais, restringe o acesso dos torcedores aos estádios por causa do preço dos ingressos. Além disso, fala da “higienização” dos estádios, fruto, segundo ele, da construção de um modelo de futebol em que as formas de torcer são “padronizadas”, limitando a liberdade dos torcedores.

“Os que se organizam em coletivos assistem ao jogo, na maior parte do tempo, em pé, gritando, cantando e pulando nas arquibancadas. Quando os estádios passaram por reformas para atenderem ao padrão Fifa, colocaram cadeiras em toda parte. Isso dificulta a movimentação, elas acabam quebrando.”

Ele também reclama da dificuldade em expor as faixas. No novo Castelão, não existem muretas em que elas possam ser colocadas. Como não tem onde amarrá-las, as torcidas improvisam com esparadrapos. “Mas lembro que logo na primeira reforma do Castelão, era proibido fixar qualquer faixa naquelas muretas de vidro.”

Para Leonardo, esses fatores estão interligados e têm raízes da ideologia capitalista. Ele diz que o capitalismo se utiliza desses prolemas para “se beneficiar e dar suporte ao sistema”. Como exemplo, cita a mudança dos horários do jogos para atender as exigências das emissoras de televisão para a transmiti-los ao vivo. Na semana, as partidas acontecem mais tarde da noite, o que dificulta o acesso dos trabalhadores à experiência futebolística, em suas palavras.

Outra pauta que carrega é democratização da gestão dos clubes e das grandes entidades do futebol, como a Confederação Brasileira do Futebol e a Fifa. Leonardo diz que, atualmente, elas são comandadas por “uma casta de cartolas” que colocam os interesses de empresários acima dos torcedores e dos jogadores de times menores. Ele também defende que estes se organizem enquanto classe trabalhadora para reivindicar seus direitos.

Dessa forma, Leonardo acredita que é importante pregar a paz nas arquibancadas, integrando membros de outros times e de outras torcidas organizadas. “Eles devem ser vistos como aliados, no sentido de pertencerem à mesma classe social, de serem trabalhadores e de serem alvos desse processo de mercantilização e elitização do futebol. Os verdadeiros inimigos estão lá no topo. Isso se resume bem em uma das faixas que levamos ao estádio: ‘Nem guerra entre torcidas, nem paz entre classes’.”

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