Vozão Antifascista

Ingrid Campos
ANTIFA: Paixão e Resistência
4 min readDec 8, 2018

Por Vinícius França

O Ceará Sporting Club é um time que sempre foi bastante ligado às camadas populares desde a sua fundação. Nas origens elitistas do futebol cearense, onde o esporte era praticado nas quadras do Passeio Público (e posteriormente no Campo do Prado) por moços da alta sociedade e “de bem”, o Vovô já costumava atrair um grande número de pessoas de várias classes sociais para assistir aos seus jogos. A identificação com o ‘povão’ era tanta que, segundo o memorialista Edgar de Alencar, torcedores dos outros times costumavam dizer, pejorativamente que “em dia de jogo do Ceará os engraxates sumiam das praças”, conforme cita o historiador Airton de Farias no seu livro Ceará: uma história de paixão e glória (2014).

Mesmo com essa conexão mais que centenária com o povo, demorou bastante tempo para que surgisse uma torcida organizada que se propusesse a levantar o debate sobre questões de classe e do proletariado em meio a tantas outras do Vovô. O que havia era uma página intitulada “Ceará Antifascista” no Facebook, mas que não era atualizada há tempos e mal tinha conteúdo. Torcedor alvinegro e instigado pelo crescimento do fascismo no Brasil, H.F.* se deparou com a página e quis saber mais sobre a iniciativa, mas sempre mandava mensagens e nunca obtinha resposta. “Passou uns dois meses e ninguém me respondia, então fiz o seguinte: fui atrás de uma galera antifascista que torce Ceará para propor a eles a gente recuperar [a página] e tentar falar com alguém que já era dessa torcida”.

Durante esse tempo, H.F. se reuniu com cerca de outros doze torcedores alvinegros em um bar no bairro Benfica, tradicionalmente ligado à militância universitária, para assistir ao jogo entre Ceará e Internacional e decidir as diretrizes e o alinhamento ideológico que a torcida teria. Logo depois daquela reunião, era fundada a Vozão Antifascista, que se autointitula de esquerda e busca “combater toda opressão” dentro e fora dos estádios.

Mas essa não é uma tarefa nada fácil. Praticamente qualquer pessoa que torce para Ceará ou Fortaleza já ouviu ofensas homofóbicas sendo lançadas de um torcedor de um time para o de outro. Nos estádios, as músicas e os cantos usados para xingar o rival dificilmente escapam da lógica de diminuir o outro por sua suposta orientação sexual, principalmente quando o embate é entre as duas maiores torcidas organizadas do estado: Cearamor e Leões da TUF.

Uma das principais ações da Vozão Antifascista é tentar uma aproximação com os torcedores mais humildes, componentes de organizadas, e explicar a eles o quão errado é cantar músicas discriminatórias durante os jogos. “ A gente sabe que o meio que eles vivem é muito machismo, na periferia, a torcida acaba sendo um reflexo da sociedade”, pondera H.F., que também afirma que alguns integrantes da Cearamor já fazem parte do grupo, dentre eles, um professor que apoia que os antifa cheguem na sede da torcida para propor uma roda de conversa sobre opressões, algo que eles já planejam fazer. “Temos que decidir os dias, ver como é que vai fazer isso. Têm integrantes da Cearamor, um cara da bateria que tá no nosso grupo e que concorda com a gente, disse até que ia nos ajudar se fôssemos lá”.

No dia da manifestação contra Jair Bolsonaro, as três torcidas antifa dos maiores times da capital se fizeram presentes. Além da Vozão Antifascista, também compareceram a Resistência Tricolor, do Fortaleza, e a Ultras Resistência Coral, do Ferroviário, que realizaram um manifesto em conjunto e levaram faixas em apoio à manifestação e em protesto ao então candidato à presidência. As duas faixas dos alvinegros (uma escrito #MariellePresente e outra com os dizeres “Mulheres contra o retrocesso”), foram exibidas no Castelão após o fim do jogo entre Ceará e Botafogo, em outubro deste ano. “Conseguimos levar pro estádio e passar pela polícia. Lá dentro, a gente mostrou primeiro a da #MariellePresente e no final do jogo colocamos a das mulheres. Ficamos com medo mesmo da reação da galera, mas acabou que muita gente ficou só tirando foto, eu me surpreendi”, conta H.F.

Faixa exibida ao final do jogo Ceará x Botafogo, pela Série A do Campeonato Brasileiro de 2018

O medo da reação das pessoas aos seus ideais é uma constante entre os torcedores antifascistas de todo o país. Muitos escolhem não se identificar por medo de ameaças ou represálias de pessoas que pensem de forma diferente deles. É comum as fotos postadas nas redes sociais de grupos antifa esconderem o rosto de seus integrantes, preservando sua imagem.

Apesar de expressar essa vontade, o membro H.F., que conversou com a reportagem, não citou muitas outras ações realmente concretas, talvez pelo pouco tempo de existência

* nome fictício

Foi com essa intenção que foi fundada a Vozão Antifascista, em novembro de 2017, por doze alvinegros. Um deles, P.B., já havia se deparado com uma página no Facebook intitulada “Ceará Antifascista” e mandou mensagens para saber mais sobre a iniciativa, mas nunca obtinha resposta.

--

--