Ivani

Capítulo 4

Ibrahim
Antologia do Eu
6 min readDec 12, 2021

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Portrait of the Artist’s Mother (1888) — Vincent van Gogh

Eu estou preparando este jantar para o meu marido.
Sim sim tutu de feijão com ovo frito panqueca de frango com ricota fettuccine alfredo com camarão e bacon ossobuco com polenta mole escondidinho de mandioca com carne seca lombo com molho de laranja barriga de porco crocante, o que mais hein, ah sim, sim sim, sobremesa, merengue de abacaxi pudim de leite condensado bolo de coco gelado. O que você acha hein. Hum hum delícia.

Você deve estar pensando nossa mas que mulher doida mas que exagero mas por que tanta comida hein. Mas que marido é esse, será que ele come tudo isso? Ah então ele deve ser um porcalhão balofo deve ter dois metros de altura pesar trezentos quilos ele deve ter uma pança igual o capô de um fusca. Não não.

Eu quero fazer um agradinho apenas. São vinte e dois anos de casamento. E você sabe como é. Eu descobri que ele não gosta da minha comida. Ele escreveu para aquela uma, ai amor eu não aguento mais eu não sei mais fingir eu não quero ficar longe de você eu não tenho vontade de voltar para essa casa se eu pudesse eu largaria tudo e ficaria com você, ai amor essa mulher está sempre emburrada e desgrenhada se queixando da vida ela não fala nada que preste ela não faz nada que preste a comida dela é uma merda, ai amor você não vai acreditar no que ela preparou para mim hoje, arroz e linguiça frita, é, só isso, e você precisava ver aquele arroz meu deus que nojo a linguiça ela pega congelada e atira no óleo fervendo fica aquela coisa esturricada por fora e crua por dentro, ai amor eu comi porque não tinha outra coisa, ai amor que saudade de você, ai amor eu te amo mais que minha própria vida.
Ele vai ver só. Ele não imagina a surpresa.

Está quase na hora. Chiu. Vou tomar um banho. Você coloca uma camisola de seda, hidrata o rosto, as mãos, as pernas, os braços, passa colônia no busto, no colo e nos pulsos. Pronto, viu?

Olha a cara dele. De espanto e suspeita. Parado à cabeceira da mesa, olhando em torno, me olhando de soslaio, tentando entender a bruxaria, esperando a notícia de tragédia, pensando em uma pergunta que não vá me ofender ou irritar; o que é que está errado? O meu sorriso. Sim. O meu sorriso é absurdo.

O que foi, ah? E eu não posso fazer uma comidinha para o meu maridinho, é? Olha eu fiz tudo, tudo que você adora, tutu polenta porco pururuca ossobuco panqueca camarão bolo pudim. Trabalho, que trabalho? Que nada. Não deu trabalho. Eu vivo ociosa desocupada pensando merda. Senta. Come. Come antes que esfrie.

Olha a cara dele. Incrédulo. Apavorado. Ele disse nossa poxa vida mas que chato você deveria ter avisado porque acontece que eu já comi pois é que pena sim com o Josué a gente passou no bar do Pelé tomou umas a gente comeu pastel espetinho e jiló fritinho.

A cara que ele fez quando eu peguei o trinta e oito debaixo do pano de prato e mirei bem entre os olhos dele. Engatilhei. Permaneci. Sorrindo.

Ele bufou debochando. Resmungou o que é que você vai fazer com isso hein Ivani você está louca você não sabe usar isso cacete caralho me dá essa arma aqui.

Não sei hein é. Não sei. Não sei? Eu sou burra estúpida porca palhaça cretina, não é? O que eu falei sobre ter arma em casa hein antônio hein ahn.

Disparei uma vez na porta da geladeira. Ele engasgou com um grito e deu um pulo de susto.
Não sei hein é? Disparei outra vez, muito próximo do furo anterior e olhei para ele. Eu disse se eu fosse você antônio eu sentaria bem bonitinho e comeria tudo ahn. Não é tudo que você gosta hein não é antônio. Todas essas comidas que você ama quando ela faz para você. Hein não é.

O que ahn. Não era para eu ler não era para eu saber é. Chiu. Cala a boca. Cala a boca antônio. Come. Isso isso faz um pratão. Põe tudo. Acha o que hein que eu tenho medo que eu não faço. Acha que eu me importo de passar o resto da vida em Tremembé hein é. Vinte e dois anos te servindo lavando uniforme catando sapatos esfregando cuecas ouvindo ingratidão desaforo esperando um carinho esperando um elogio murchando baixando a cabeça chorando sozinha engolindo sapo comendo frio desgostosa porque te espero e você não aparece. Você acha mesmo hein. Você acha mesmo que eu não tenho coragem que eu me importo.

E como é que foi que você disse pra aquela vadia hein antônio. Ah eu tenho nojo dela. Eu não tenho vontade de voltar para casa. Baranga. Ridícula. Fedida. Mal humorada. Ela não se arruma. Ela tem sempre uma desculpa ela nunca quer ela tem sempre alguma coisa para reclamar. Ela vive se queixando é só isso que ela sabe fazer. Ela fede. Não foi o que você disse para ela hein antônio. Ela fede. E eu fedo onde hein antônio me diz. É aqui é? Me diz. Me diz antônio eu fedo onde. Aqui na boceta hein é. Candidíase gonorreia agá pê vê sífilis. Você acha que eu não vou ao médico hein. Que toda consulta eu morro de vergonha eu descubro mais uma outra coisa que você me traz da rua dessas putas dessas quengas. O médico me faz a receita pede os exames eu sei que o médico fica pensando nossa mas que dona mais puta que imunda que vadia toda fodida toda doente mas que piranha.

A cara dele. Se eu olhar direito, acho que consigo ver que está se mijando. Vai chorar. Merdinha.

Olha a cara dele roxa suando não aguenta mais nada vai golfar se colocar o garfo na boca mais uma vez. A pururuca. Você nem tocou na pururuca direito antônio. E o escondidinho você comeu quase nada e falta o pudim o bolo. Você não vai me fazer essa desfeita não é antônio vai. Isso isso come tudinho.

A cara dele. Acovardado. Bofando. Sebento. Ele disse Ivani para com isso eu não aguento mais por favor. Por favor para com essa loucura.

Ah antônio mas ainda falta o pudim. Sim sim. Ah só um pedacinho. Está bom? Fala antônio repete comigo está uma delícia meu amor. Tudo está muito gostoso. Muito obrigado está tudo perfeito. Vai diz antônio você é uma mulher maravilhosa eu te amo mais que a minha própria vida. Mais que a minha própria vida vai antônio diz diz. Eu. Te amo. Mais. Que a minha própria vida. É isso assim muito bem. Eu te dou permissão para parar.

O olhar dele. Exausto. Impotente. Com os cotovelos sobre a mesa, a cabeça entre os braços. Eu disse agora antônio você vai me chupar.

Ele me olhou aturdido. Eu disse mas o que foi hein qual o problema qual o espanto. Você gosta. Você adora boceta você é tarado na boceta dela. Não é assim que é, que vocês fazem, depois que ela te alimenta, você agarra ela suspende ela senta ela no balcão levanta a saia dela, abre as pernas dela, prende o fôlego e cai de boca no meio dela hein antônio não é assim que você faz hein ou agora vai me dizer que não gosta.

A cara dele. Esmagado. Esperando misericórdia. Eu continuei mirando, o peito, o meio dos olhos, o mantendo preso a este laço invisível, o atraindo cativo até a minha presença. Escorei as costas na pia, levantei a camisola, abri bastante as pernas e sussurrei vamos antônio ahn vem.

Ele se ajoelhou. Fungou. Me olhou de baixo. Ele estremeceu com a ponta do cano na testa. Encarou minha virilha suspirou se debruçou e lambeu. Ele se esforçou. Retorceu a língua babou gemeu beijou. Lambeu. Eu pensei comigo mas que droga. É isso, então? Que droga. Eu disse para para, pode parar antônio. Ele se afastou, tentou se levantar, mas tombou de quatro, se torceu grunhindo, vomitou tudo para fora. Me olhou submisso. Chorou.

Antônio. Chiu. Chega. Chiu. Chiu. Vai embora vai. Some da minha frente. Desaparece.

Eu segui ele à calçada. Gritei bem alto para que todos ouvissem. Olhem esse paspalho. Covarde. Fracassado. Olhem. É de dar pena. Ele não sabe chupar uma mulher. Ele é incapaz de fazer uma mulher feliz. Eu mesma. Eu nunca gozei na vida.

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