Parlamentarismo ou Presidencialismo ? Democracia Líquida é uma solução para descentralizar a política.

Thiago Rondon
AppCívico
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6 min readAug 25, 2017

O parlamento brasileiro tem um custo de 12 bilhões de reais anualmente, é o mais caro do mundo. Também temos formalmente os cargos de vice-prefeito, vice-governador e vice-presidente, sem função prática e com um alto custo para os cofres públicos, tanto que já não são mais usados em muitas democracias do mundo.

Passamos por uma globalização financeira no mundo, mantendo os mesmos territórios políticos e com abundância de informações. Mas, ainda assim, o mundo vivencia democracias que submetem seus cidadãos à uma consulta eleitoral para aceitar a mesma classe política de tempos remotos. A democracia vive uma crise existencial global. No Brasil, estamos em direção oposta a discussão de novas participações diretas da sociedade e sem propostas concretas para mudança.

As sociedades, ao redor do mundo, são impactadas por corporações que controlam nossos dados pessoais e o que fazemos (aka privacidade), governos que controlam a circulação de bens e pessoas — tornando esta intersecção um cenário ideal para polarização e ambiente frutífero para pós-verdade — resultando na crença de muitos em uma atividade politica organizada conforme afinidades que, ao final, funcionam como “bolhas”.

A questão é: não estamos mudando nada.

Vivemos um momento de perplexidade, evidenciado pelo nosso atual Presidente da República — que conta com apenas 5% de aprovação popular- e nenhuma perspectiva de que este cenário irá mudar a curto prazo.

Nas próximas eleições, teremos que passar por mais um processo para aceitar a mesma classe política, sem garantia de impactar — de fato — nossa participação e sem garantias para da criação de um novo ambiente.

Neste exato momento, estamos observando o debate de nossos representantes, em Brasília, sobre a reforma política. São propostas para as regras eleitorais, financiamento de campanhas, arranjos partidários e afins. Há também, um debate sobre o nosso regime, com propostas de mudanças ao semipresidencialismo ou o parlamentarismo. O mais curioso é que, em que ambas as “alternativas”, não existe nenhuma proposta para ampliar a participação cidadã ou uma democracia direta.

A diferença entre os regimes presidencial e parlamentar é a separação de poderes. Nos sistemas parlamentares, o poder executivo depende da confiança da maioria legislativa para sua sobrevivência. Nos sistemas presidenciais, o executivo permanece no cargo, mesmo diante de uma oposição legislativa significativa, uma vez que ambos os poderes conquistaram a legitimidade democrática através do voto do povo. Existe ainda uma terceira “alternativa” que foi ventilada, o sistema semipresidencialista. Nele, existem as figuras do presidente — eleito através do voto popular com poderes políticos restritos- e um primeiro ministro- eleito de maneira indireta- ambos participando da administração pública do Estado.

A busca do sistema de governo ideal tem sido um desafio em diversas partes do mundo, o que demonstra que as democracias não são iguais. Sistemas de representação, arranjos para a divisão e supervisão de poderes e métodos de organização de interesses variam amplamente entre regimes geralmente reconhecidos como democráticos, o que torna impossível afirmar que um tipo de regime — seja presidencial ou parlamentar — é melhor (ou pior) do que outros.

Alguns países Presidencialistas

Angola, Argentina, Benin, Bolívia, Brasil, Burundi, Chile, Chipre, Colômbia, Comores, Costa Rica, Equador, Estados Unidos da América, Filipinas, Gâmbia, Gana, Guatemala, Honduras, Indonésia, Libéria, Malawi, Maldivas, México, Mianmar, Nicarágua,Nigéria, Palau, Panamá, Paraguai, Quênia, República Dominicana, Salvador, Seicheles, Serra Leoa, Sudão, Sudão do Sul, Turcomenistão, Uruguai, Venezuela, Zâmbia e Zimbabué.

Alguns países parlamentaristas

Albânia, Alemanha, Áustria, Bangladesh, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Dominica, Eslovénia, Estónia, Etiópia, Finlândia, Fiji, Grécia, Hungria, Índia, Iraque, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Kosovo, Letónia, Líbano, Macedónia, Malta, Maurícia, Moldávia, Montenegro, Nepal, Paquistão, Polónia, Quirguistão, República Checa, Samoa, Sérvia, Singapura, Somália, Trindade e Tobago, Tunísia, Turquia e Vanuatu.

A presença de lideranças mundiais nos dois grupos, assim como países com problemas democraticos em ambos, me faz entender que o problema não está apenas no regime adotado.

Ao pensar quais motivos levariam um Estado a mudar o tipo de regime, como os casos da Croácia, da Moldávia, da Mongólia e da Turquia, acredito que o contexto político e os líderes envolvidos nos processos de tomada de decisão precisam ser o foco da mudança e não, somente, o modelo político a ser adotado.

Sendo assim, faço uma proposta: ao invés de olhar apenas alguns modelos de regime político, presidencialismo ou parlamentarismo, convido à todas para olhar novos formatos que podem aumentar a representatividade democrática e combater velhos inimigos, como a corrupção, tráfico de influência, abuso de poder entre outros.

Nos últimos anos, estamos sendo provocados por tecnologias como o Bitcoin que é um dinheiro embutido em um software, que não necessita de um banco central, assim como o Ethereum, que permitiu contratos sendo escritos por uma infraestrutura de software sem a necessidade de tribunais.

Estas provocações tecnológicas estão baseadas em uma estrutura onde há troca de propriedade e ações via “tokens” — códigos únicos para identificar e controlar — que podem oferecer um rastro inviolável e confiável.

Uma analogia para estes tokens é imaginar a participação societária em uma empresa, uma vez adquirida, ela pode te conferir determinados direitos e deveres. No ecossistema das criptomoedas é a mesma coisa, uma vez que você adquire um token, você tem direitos e deveres que estão escritos em um software. Este software irá construir o consenso entre todos que pertencem ao mesmo grupo, tendo como prioridade a manutenção do mesmo.

Alguns desenvolvedores buscam impactar, conceitualmente, nossos modelos mentais para discutir regimes, definidos -teoricamente- como democráticos. Para estes especialistas, no contexto atual, o arranjo da democracia líquida é sido fortalecido.

O conceito de democracia liquida ou democracia degalativa é que cidadãos podem compartilhar diretamente da atuação de seus escolhidos nas eleições, assim como interferir e influenciar suas atividades rotineiras. São plataformas, onde a tecnologia tem um papel importante, possibilitando um maior envolvimento nas questões de sua cidade, estado e país. Desta maneira, é possível estabelecer um vínculo direto de direitos e deveres sobre seus eleitores e vice-versa.

Promessas eleitorais podem ser contratos inteligentes com software.

Alguns países já começaram o conceito da democracia líquida de algumas formas.

Por exemplo, certos partidos políticos na Áustria, Alemanha, Itália, França, Noruega e Holanda estão usando um software aberto chamado Liquid Feedback, para obter contribuições de cidadãos interessados. Um partido político na Bélgica começou a usar um espaço de discussão online chamado Get Opinionated no GitHub.com. Na Espanha, outro partido também começou a usar a democracia líquida em um esforço para representar melhor os cidadãos.

Na América Latina, temos o trabalho do Democracy Earth, que esta construindo softwares livres para democracias líquidas, inclusive, já com alguns experimentos realizados, muito interessantes, para comprovar a efetividade de seus projetos.

Em 2016 houve um referendo na Colômbia, para definir o acordo de paz com as FARC, em que apenas 38% das pessoas foram votar e 50,25% dos votantes disseram não. A ferramenta para consulta pública- o peblicito atraves do voto “sim” ou “não”- não contemplou a realidade das discussões.

Uma votação binária, assim como uma votação em candidatos políticos, fortalece uma polarização e divisão da população. Pois, não contempla intenções, mas apenas escolhas.

Como demonstrou em uma avaliação realizada pela “Democracy Earth”, no caso da Colômbia, 90% dos expatriados foram deixados de fora da votação, por questões de logística. Outra informação importante: maioria dos colombianos queria o acordo de paz. Mas, não concordava com todos os termos do acordo. Existiam divergências em alguns pontos, como a participação política das FARC no legislativo.

Existiu um conflito claro entre intenção e escolhas.

Final results of our digital referendum (Source: Democracy Earth Foundation)

Tenho convicção que este nosso processo binário de pensar em política não constrói participação. Os sistemas e regimes atuais de democracia precisam ser vistos de maneira disruptiva. “Sim” e “Não”, “Presidencialismo” ou “Parlamentarismo”, “Partido A” ou “Partido B”, claramente, são formatos pouco representativos para o tipo de diáologo que a população quer iniciar com a classe politica e não fazem mais sentido nos dias de hoje.

Renovar a classe política — através de novos modelos de financiamento-, ampliar a participação popular — com transparência e comunicação na gestão daquilo que é de responsabilidade pública- e implantar ferramentas para entender melhor as dinâmicas sociais- democracia liquida- são pilares da mudança que queremos.

Por acreditar que o melhor regime politico é aquele que existe participação e transparência, a equipe do AppCívico está desenvolvendo uma nova versão do VotoLegal para financiamento eleitoral e também uma plataforma para acompanhamento de mandatos, a Mandato Aberto.

Gostaria de convidar você para conhecer nossos projetos e co-criarmos uma nova democracia.

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Thiago Rondon
AppCívico

EOKOE, AppCívico, Developer, Opensource, Perl, Opendata.