Inclusão em TI: na prática, existe mesmo?

Bruno Rodrigo Cezario
Apple Developer Academy | UFPE
7 min readApr 11, 2024
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Muito se fala sobre ser disruptivo e pensar fora da caixa na área de tecnologia e por essas e outras se fazem necessárias perspectivas das mais diversas. Mas será que na prática realmente funciona dessa forma? Que todas as vozes são realmente ouvidas, que essa pluralidade é realmente aproveitada tanto quanto se é pregado? Sendo um homem negro, gay e neurodivergente sinto na pele que as coisas não funcionam realmente desse jeito e que mesmo a área de tecnologia na prática deixa muito, mas muito mesmo a desejar quando o assunto é inclusão. Dados levantados por pesquisadores da Universidade de Stanford em seus estudos perceberam essa dualidade: uma enorme contradição que gera um fenômeno conhecido por paradoxo diversidade-inovação. Por um lado evidencia-se que ambientes onde trabalham indivíduos com origens e experiências diferentes têm mais propensão a produzir conhecimento inovador e impactante, no entanto esses grupos sub-representados que garantem essa diversidade e capacidade de inovação, como mulheres, grupos etnico-raciais, pessoas LGBTQIA+, pouco se beneficiam dos ganhos que produzem e não conseguem alcançar o mesmo sucesso na carreira dos grupos dominantes, como no caso do homem branco médio.

Não é difícil de se observar que o problema já começa no âmbito acadêmico: muitos pesquisadores pertencentes a grupos com baixa representação nesse ambiente apresentam ideias inovadoras com frequência superior à dos colegas vinculados a grupos majoritários, mas o que ocorre? Suas ideias sofrem desvalorização quando comparadas às das apresentadas por grupos com representação alta na academia. Isso foi observado por autores em um artigo publicado em abril de 2020 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), porém é apenas mais uma validação do paradoxo diversidade-inovação analisado por mais de 1,2 milhão de teses de doutorado que refletem justamente esse tipo de ocorrência: grupos sub-representados — que nem sempre são minorias naquela cidade ou país — que propõe ideias novas mas possuem pouco reconhecimento. E já que estamos falando de já começar no âmbito acadêmico, é importante lembrar sobre inclusão no próprio ambiente universitário. Como um portador de TDAH e TEA de carteirinha (visto a camisa, viu?) posso dizer que, embora muito se fale sobre inclusão para pessoas neurotípicas, na prática, há muita discriminação no âmbito acadêmico.

Existem sim políticas de acessibilidade sendo implantadas, mas nem sempre são respeitadas. Por vezes andando a passos lentos por enfrentarem resistências.

É nesse ponto que precisamos falar sobre o fenômeno de apagamento histórico, que refere-se a tendência de minimizar, ignorar ou eliminar as contribuições, perspectivas e experiências de certos grupos na narrativa histórica dominante. Isso contribui ainda mais para a exclusão atual de muitos grupos: se até a tua história e representatividade nela eu te nego, imagina tu que está chegando agora?

Alan Turing, matemático e cientista da computação (1912–1954)

São exemplos de figuras que sofreram apagamento histórico Alan Turing, que teve suas contribuições ofuscadas por sua sexualidade, foi condenado por ser gay e passou por tratamento desumano, o que o levou ao sucidio tendo sua contribuição reconhecida e condenação revogada apenas décadas depois de sua morte. Também temos a Annie Easley uma engenheira de software e matemática afro-americana que fez contribuições significativas para a NASA, seus trabalhos foram essenciais para garantir o sucesso de várias missões espaciais, mas pouco se fala dela em registros históricos e em narrativas populares. Temos Helen Keller, surdocega desde a infância, como muitas outras pessoas com deficiência teve que transpassar diversos desafios extraordinários e invalidações impostas para se tornar uma escritora prolífica, ativista política e palestrante inspiradora cujas realizações são notáveis mas muitas vezes sua deficiência é mais lembrada que suas contribuições. Toda essa questão é grave pois não apenas perpetua a exclusão atual, mas também dificulta a identificação de modelos e referências para as gerações futuras.

Annie Easley, cientista da computação (1933 — 2011)

Ainda que existam esforços e políticas voltadas para inclusão e diversidade na área de TI, é importante reconhecer que muitas dessas iniciativas podem se tornar superficiais ou mesmo contraditórias. A verdade é que muitas vezes instituições adotam uma abordagem de “diversidade cosmética”, onde buscam apenas atender quotas ou criar uma imagem de inclusão sem realmente abordar as raízes dos problemas relacionados à discriminação e ao preconceito. Isso pode levar a situações onde minorias são contratadas apenas para cumprir uma cota, sem que lhes sejam oferecidas oportunidades reais de crescimento ou contribuição significativa. Em resumo, vamos ser honestos? Na primeira oportunidade o primeiro a pinotar é o diferente. Sendo mais claro: quando há a falsa inclusão, ou seja, não há o real interesse de manter o colaborador seja por desagrado muitas vezes já pelo fato de pura e simplesmente ele ser uma minoria e já não se “encaixar tão bem com a equipe”, isto é, há exclusão e de repente ele se torna um monte de termo bonitinho e diferente pra não dizer: ˜vai timbora porque tu é diferente demais˜.

Além disso, mesmo quando as empresas reconhecem a importância da diversidade, muitas vezes falham em criar um ambiente seguro e inclusivo onde todas as vozes são valorizadas e respeitadas. Vieses inconscientes, discriminação e exclusão ainda são uma realidade em muitos locais de trabalho de TI, o que pode alienar talentos e prejudicar a inovação.

Para realmente promover a inclusão e diversidade na área de tecnologia da informação, é necessário um compromisso genuíno e contínuo por parte das lideranças e de toda a organização. Isso envolve não apenas programas formais, mas também uma mudança cultural profunda que desafia as normas existentes e promove uma verdadeira igualdade de oportunidades para todos os profissionais, independentemente de sua origem, raça, gênero, orientação sexual ou qualquer outra característica que faça de uma pessoa identificável de um grupo diverso.

Uma parte importante é que a própria comunidade busque a autoconscientização. Sim, é necessário que haja incentivo da organização por um ambiente onde não haja hostilidade, mas também depende de cada indivíduo e grupos que compõe a observância em relação a microagressões, por exemplo, onde haja políticas de manutenção e avaliação destas em seu ambiente.

Microagressões podem ser feitas consciente ou inconscientemente

Mas o que são microagressões? Embora muitas agressões provenientes de discriminações são suaves como um tiro de bazuca na cara e infelizmente pode-se relatar que não é um cenário incomum em um ambiente organizacional (mesmo aquele que paga de inclusivo), em muitos outros as agressões passam de macro para micro e são muito mais sutis mas tão prejudiciais o quanto. Cumulativamente, essas podem influenciar no bem-estar das pessoas que as recebem. Então vamos conhecê-las? Podem ser:

Manifestações verbais: comentários, piadas, perguntas indiscretas ou observações carregadas de preconceito ou estereótipos;

Manifestações não verbais: gestos, expressões faciais, linguagem corporal ou outras formas de comunicação não verbal que transmitem discriminação ou desaprovação embasada em preconceito;

Manifestações comportamentais/ambientais: microagressões que se manifestam através de comportamentos ou ambiente, como tratar alguém de forma diferente com base em sua identidade, criar um ambiente hostil ou excluindo certas pessoas ou grupos.

Tendo em mente como podem se manifestar, essas microagressões podem se categorizar de três formas:

Microinsulto: São comentários ou ações que transmitem preconceitos sutis ou negativos sobre uma pessoa ou grupo, geralmente inconsciente. Podem ser expressos através de piadas, comentários depreciativos ou estereotipados que menosprezam a identidade, cultura ou experiência de uma pessoa.

Microataque: São ações ou comportamentos mais diretos e agressivos que transmitem preconceito ou discriminação. Geralmente consciente. Pode incluir gestos ameaçadores, linguagem ofensiva, discriminação flagrante, ou seja, algo mais afrontoso.

Microinvalidação: Refere-se a comentários ou comportamentos que negam, invalidam ou minimizam as experiências ou identidade de uma pessoa de um grupo minoritário. Geralmente inconsciente. Isso pode incluir negação de experiências de discriminação, minimização de preocupações legítimas, desvalorização da identidade cultural de alguém ou negação da existência de desigualdades sistêmicas.

É importante ressaltar a importância de sermos agentes ativos para combater microagressões, especialmente no formato de microinvalidação, porque o mínimo é reconhecer que o problema existe quando também afeta o outro, e não apenas quando nos afeta. É muito importante praticar empatia.

Em resumo, a inclusão na área de tecnologia da informação enfrenta desafios significativos na prática, apesar dos esforços para promover a diversidade. O fenômeno de apagamento histórico e as microagressões são exemplos claros de como os grupos minoritários enfrentam obstáculos em sua participação plena. Para alcançar uma verdadeira inclusão, é necessário um compromisso contínuo com a mudança cultural e a conscientização, tanto por parte das lideranças quanto da comunidade, para construir um ambiente de trabalho onde todas as vozes sejam valorizadas e respeitadas. E vamos ser agentes ativos de mudança! Combater ambientes falsamente inclusivos, não nos calarmos ante a discriminações e preconceitos e fazer a mudança que queremos ver.

Se você chegou até aqui, obrigado pelo seu tempo!

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